sábado, 11 de abril de 2020

MEU QUERIDO CANIBAL, Antônio Torres




MEU QUERIDO CANIBAL, Antônio Torres, Record, 2000, 187 páginas, isbn 978-850-10-583-24



Li Meu querido canibal em 2010 e nunca mais o esqueci. Continua aqui na minha estante e não sai por dinheiro nenhum. Cativou-me a escrita descompromissada, anticânone, antiacadêmica, com humor simpático e links com a nossa história (inclusive o presente) que lhe outorga, para mim, fé de real, mesmo vindo de um ficcionista.


E chegaram os franceses de Calvino, uma ameaça à fé católica e aos vergéis que os portugueses gananciosos se diziam donos, na bela baía da Guanabara e no resto do Brasil. Os povos tupinambás viviam sua vida e nem perceberam, de início, as correntes enlaçando seus direitos.

Torres dedica páginas densas à chegada da Europa devassa à América inocente. Os franceses desembarcaram com dois navios e 400 homens na ilha “Seregipe” e construíram um forte, sob o comando de Villegagnon, chefe puritano, um velho conhecido dos livros escolares, e trazendo André Thévet, frade que escreveu parte da história dessa época.

A confederação dos Tamoios nasceu e Cunhambebe foi seu chefe supremo. Guerreiros como Aimberê, Coaquira, Ubatuba, além de outros, comandaram as nações indígenas e poderiam ter mandado os portugueses embora (de volta pra casa ou para os formigueiros). Foram doze anos de lutas, até Estácio de Sá pedir arrego, e seu pai, Mem de Sá, governador do Brasil, vir da Bahia e apagar o povo de Cunhambebe do mapa (1567).

Senti em Meu Querido Canibal o espírito pátrio de O guarani (José de Alencar de minha juventude). O livro despertou meu sangue índio, o orgulho nativista e o Brasil autêntico que me habita: nas lendas e na história desses mitológicos guerreiros que precisamos conhecer melhor. 

Serigy, Baopeba, Japaratuba, guerreiros que a história de Sergipe registra levemente, retornaram à minha cabeça, cobrando o que merecem, uma novela digna, como essa de Cunhambebe(*) que Antônio Torres nos deu.

Meu Querido Canibal tem trama, visgo, especialmente na parte “O canibal e os cristãos”, que narra essa guerra impossível (imolação de um povo) deflagrada pelos nossos ingênuos índios contra os devassos portugueses bem armados.

Por causa de Meu Querido Canibal, guardei Antônio Torres no melhor canto do sacrário de meus ídolos. E quando eu ia publicar Tambores da Terra Vermelha (final de 2012), fui buscar neste sacrário a capa de Tambores, como uma homenagem silenciosa ao autor admirável.

(Antônio FJ Saracura, Aracaju, julho de 2011, atualizada e contemporizada (era um rascunho desconexo) em 11 de abril de 2020 para ser aceita neste blog).

 (*) Depois, eu li o romance Ibiradió, de Gizelda Moraes, que é um bom livro; entretanto, os nossos heróis sagrados merecem ainda mais.


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