terça-feira, 11 de dezembro de 2018

O SILMARILLION, J. R. R. Tolkien,


O SILMARILLION, J. R. R. Tolkien, organizado por Christopher Tolkien (filho do autor),tradução de Valdêa Barcelos, 406 páginas, 5. Edição, 2011, São Paulo, WFM Martins Fontes.




Eu precisava ler Tolkien, que conhecia do filme O Senhor dos Anéis, mesmo mal assistindo. Na época, eu não tinha noção do poder imensurável da prosa do autor e da aceitação irrestrita de sua literatura. Assisti ao filme como a outro qualquer. Até enjoei, em trechos.

Na Bienal de São Paulo (2018) assisti a uma mesa de debates sobre Tolkien e Lewis. Acidentalmente. Eu vinha, com minha esposa, andando pelo corredor imenso em busca de um restaurante para fazer um lance. Moças de preto me seguraram e convidaram para entrar no auditório aberto à minha direita, que nem percebera. Havia uma plateia considerável, toda caracterizada: roupas escuras, chapéus de bicos às cabeças e cruz queimada nos peitos.


Uma hora arrebatado, quase sem respirar, sugando cada mensagem dos cinco palestrantes, jovens, apaixonados, senhores absolutos da obra dos mestres, Tolkien e Lewis. Saí com a determinação de ler Tolkien, furando fila, pulando outros grandes autores que me esperavam. E dar uma olhada em C. S. Lewis, pelo menos, em reconhecimento pela amizade que manteve a vida toda com Tolkien.
Após a Bienal, já em Aracaju, escrevi algumas linhas nas considerações sobre a Bienal de São Paulo, que transcrevo:
Entramos, curiosos. J. J. Tolkien e C. S. Lewis simplesmente desceram do céu e vieram apertar minha mão. Os cinco especialistas na obra desses magos conseguiram este feito espetacular. Na vasta linha do tempo sempre tem mais e mais. Amizade, Hobits, Elfos, Hurins, Anéis, varas, profundidade e detalhamento, provérbios, valores... Fantasia que faz pedras como eu pular no unicórnio e varar o mundo.”

Na livraria Escariz, em Aracaju, logo que pude, bati-me com as obras de Tolkien. Inebriado, hipnotizado. Ante uma constelação de reluzentes estrelas que ao mundo todo encanta, precisava escolher uma estrela para pousar, com minha nave peregrina. Silmarilion me pareceu a origem, a raiz mais profunda, a partir da qual, transitar na constelação ficaria mais maneiro.

O livro não foi publicado em vida do autor mas sempre esteve escrito desde o início. Serviu de base aos livros que Tolkien produziu pelos anos. Há um pouco de Silmarillion em toda obra, inclusive nos livros infantis. Foi organizado pelo filho Christopher e contém mais de 400 páginas de textos intensos, mapas das locações geográficas, glossário salvador, gramática sintética das línguas utilizadas ou referenciadas. O glossário consistiu na minha salvação, pois, sem ele, eu teria jogado o livro no mato logo.

Melkor aparece do nada, com dons e conhecimentos invejáveis. Carrega na cabeça a coroa de ferro do mal e causa estragos imensos por milhões de anos a fio, até ser dominado e preso sem nenhuma chance de escapar. Mas foi perdoado e voltou a aprontar. O pecador sempre desfruta de concessões que não compreendemos. E foi outra vez derrotado, mas antes, criou e treinou Sauron, poderoso preceptor, repleto de artimanhas, maldades e poderes, que causou dissidia e abusou da boa-fé dos bons. Menos maligno do que seu senhor, mas, nos anos posteriores, especialmente com a construção dos anéis do poder, causou estragos imensos a homens, elfos, anões e aos próprios Ainur, aos Valar e aos Maiar, que eram os imortais habitantes do mundo muito antigo. Estes morriam de morte matada apenas (kkk).

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Deparei-me com línguas estranhas, nomes de personagens que se confundem com raças, e raças (Elfs, Orcs, homens, anões...) que, de acordo com a época e a região, ganharam diferentes nomes que me confundiram até quase ao fim de livro. Guerras terríveis, primeiro entre o bem e mal, depois entre segmentos do próprio bem envolvendo até os abençoados de Ilúvatar (ou Eru), o Deus Pai. Cadeias de Montanhas, vales, rios, fozes, florestas, todos com múltiplos nomes, a cada momento. De acordo com as linguais faladas em cada região, em cada agrupamento. Aguente Saracura! Quem mandou meter-se com Tolkien, doutor em línguas primitivas da Oxford University?

Diante de tantas variáveis, a leitura corre devagar, com idas ao Glossário e ao Google, com retrocessos para espiar outra vez: que luz era aquela pela qual passei batido duas páginas atrás.

A cada frase, o autor nos surpreende com situações e pensamentos que poderiam, de afogadilho, ser tomadas por clichês, mas que se encaixam na drama, magnificamente. Toda escrita de Tolkien é minada de links para mais e mais mundos, significados. Como se em cada uma frase nascesse um novo romance. Não sei bem se para complicar ainda mais esta confusa resenha, mas há um poder superior que me manda nomear algumas dessas colocações. Que seja para o bem ou para o mal de meu conceito insignificante com o leitor.

“E Melkor disfarçou seus objetivos com astúcia, e nenhuma malignidade podia ser vislumbrada no semblante que ele apresentava.” (página 74).
“Amargo foi o preço pago pelos noldor (os elfos profundos), nos tempos que se seguiram, pela tolice de manter os ouvidos abertos.” (página 74).

“Abateu-se, assim, sobre Valinor (a terra dos valar (aqueles que tem poder) em Aman (o reino abençoado dos Valar)) uma grande escuridão. A luz desapareceu; mas a escuridão que se seguiu era mais do que a falta de luz.” (Página 85).

“Da bem aventurança e da alegria há pouco a se falar enquanto durar. Somente quando correm perigo ou são destruídas é que se transformam em poesia.” (página 110),

“Nesse momento, Gorlin (o infeliz, um dos doze companheiros de Balahir (pai de Berem que arrancou uma Silmarillion da cora de Morgoth) em Dorthonion (Terra dos Pinherios) teria recuado, mas, intimidado pelos olhos de Sauron, contou tudo que ele queria saber.” (Página 204).

“Sauron forjou anéis do poder, e guardou para si o Um, que lhe dava o poder de perceber tudo o que era feito pelos anéis subalternos, e ler e controlar até mesmo os pensamentos daqueles que os usavam. E os anéis subalternos foram entregues (Sauron os obrigou receber) assim: sete aos anões que finalmente eram um grande povo; aos homens deu nove. E o grande olho mau controlou o mundo?” (Página 388).

“Ao homens a chegarem chocaram os elfos pelo jeito estranho do agir: se armavam e se matavam uns aos outros por motivos insignificantes; Ficou fácil para Sauron ou para aqueles que que ele recrutara para si. Percorriam a Terra, instigando um homem contra o outro. Assim, o povo murmurava contra o Rei e contra os senhores ou contra qualquer um que tivesse algo que eles não possuíssem. E os homens dotados de poder se vingavam com crueldade.” (página 349).

“O rei Felagund (o senhor das cavernas) soube dos homens de Beor (O velho, chefe dos primeiros homens a entrar em Beleriand) e assim falou: homens derrubam árvores e caçam animais. Portando não somos seus amigos. Se não quiserem partir, nós os atormentaremos de todas as maneiras.” (página 176).

Os humanos viviam apenas 400 anos, o que era um nada ante o que viviam os elfos, que eram eternos. E os humanos sentiram que isso era uma injustiça. Iluvatar criou uma terra de morte rápida e felicidade escassa para os homens, diziam. E eles foram reclamar ao Rei, que os criticou: 

"Vocês são felizes por isso. Podem viver intensamente, aproveitar ao máximo o pouco que lhes sobra da vida. Não se acomodam na eternidade que se transforma em monotonia. Se fossem imortais vocês murchariam, se cansariam mais cedo, como mariposas numa luz muito forte e constante.” (Páginas 336 e 337). 

Algumas vezes na vida, eu fiquei pensando em pessoas que conheci ou ouvi falar que encantaram a todos pelo que fez em vida, achava que elas deveriam ser eternas. Pelo menos, podiam ter uma vida longa. Uma pena terem morrido tão cedo, como Luiz Antônio Barreto, Pedrinho dos Santos. Só para citar duas recentes perdas.

“Portanto, em tempos posteriores, fossem com as viagens marítimas, fossem com as tradições e conhecimentos dos astros, os reis dos homens souberam com efeito que o mundo se arredondara (rota curva) e que, mesmo assim, aos elfos (criatura mística da mitologia nórdica e céltica, o povo das estrelas ) era permitido ir e retornar a Avalonè (porto da cidade dos eldar em Tol Eresseae, a Ilha solitária) se quisessem... Uma rota plana deveria ainda existir para aqueles a quem era permitido encontrá-la. Marinheiros perdidos entraram nessa rota plana (proibida aos homens) por uma sina ou por concessão dos Valar, e viam a superfície do mundo sumir abaixo deles. Antes de morrer, contemplaram a Montanha Branca, bela e terrível.” (página 359).

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Mesmo narrando a vida em milhões de anos, o livro tem personagens que estão presentes da primeira à última página, como Ilúvatar (O maior de todos), ou como Ulmo (o senhor das águas, o rei do mar), Melkor (o mal maior), Sauron (o secretário das ruindades)... E tantos outros que não me cabe aqui citar para não espantar um provável leitor.

Apesar de Simarillion ser cansativo em extensos trechos, gostei de ter lido O Silmarillion, foi como ter convivida com os seres que não eram ainda nem gente nem peixes nem nada, apenas uma gosma cósmica. Senti-o um pouco como o Gênesis, do velho Testamento. Entretanto, bem mais estendido.

Nem mal acabei Silmarillion, comecei Reverandom, uma fábula infantil, também de autoria de Tolkien. Já que não posso passar um mês na praia em “Filey”, preciso de um refrigério.

Você se lembram dos bonequinhos do jornal O Globo (?) que avaliavam os filmes? O Silmarillion recebe dois bonecos; um sentado cochilando e outro vibrando de pé.

Antônio Saracura, Aracaju, 30 de novembro de 2018)

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