DAQUI, DALI E DACOLÁ, Pequenas
Histórias da Vida, José Marcondes de Jesus, 2015, Infographics,260 páginas,
Isbn 978-85-68368-37-4
Este é um livro
inesgotável, quanto mais se lê mais há o que ler. Poderia enfadar por isso. Mas
não enfada. A cada passo à frente, mais curiosidade, mais surpresa, mais
prazer. Cada novo caso é uma porção de castanha de caju torrada do Carrilho ou
um tablete de chocolate suíço. Gozo contínuo...Frustação apenas no final da
crônica 111, na página 260 (Minha mãe, Carta de São Paulo aos Corintos), porque não há mais
castanha, o livro acaba.
A maioria dos
contos é construída em dois estágios. O primeiro aborda um aspecto da cultura
universal (o resto do Brasil também é exterior algumas vezes, pois parece) e
nele embasa o segundo estágio: folclore, jeito de viver, verve Itabaianenses, pois Itabaiana é uma nação
à parte sempre, tem personalidade própria. E este paralelo entre os dois estágios enriquece o lado de
Itabaiana (que nos é afeto) e mais ainda o lado universal (imagino).
Marcondes
conhece o mundo lá fora desde criança. Tem paixão roxa, pedido de paixão. O namoro aconteceu em criança ainda través de cartas. Os destinatários eram achados nos jornais e revistas que
passavam à sua frente. O Correio de Itabaiana já sabia que os envelopes
tarjados com bandeiras estrangeiras eram para o menino esquisito, filho de seu
Ivanildo, que morava na rua do Cisco (hoje 13 de maio), número 61.
“Quando
estafeta passava pela calçada de Mané Teles...não tinha erro, tinha
correspondência para mim. A cada envelope aberto, a emoção de novas descobertas
do mundo de lá longe que só a imaginação do menino abelhudo podia imaginar. Meu pai me alertava para ter cuidado com tanto envelope chegando com
tarjas vermelhas (via de regra eram) para não me tomarem por comunista”.
xxx
José Marcondes
de Jesus é formado em Medicina pela Ufs, mas sua especialização incluiu instituições
internacionais, como a Universidade de Brown nos EUA, o hospital San Jam em
Bruges, Bélgica, o Hospital Geral de Massachusets...
E sempre que
pode (é médico dos caminhos da respiração difícil e do sono fugidio, e demais
requisitado) ele roda o mundo, senão em mais um curso de especialização, mas se deleitando nessa Itabaiana estendida que em todo canto há revelada, com
surpreendentes detalhes.
O livro, “Daqui, Dali e Dacolá” é
denso, sério e divertido, em cada informação. É bom ler devagar. Como se visita a
um grande museu de obras de arte, como o Louvre de Paris, por exemplo.
Não é preciso ter sabedoria
especial para gostar do museu ou do livro de Marcondes. Basta ter calma, bom
gosto e atenção, e entrar porta a dentro.
“O carboreto é umas pedra que
molhada pega fogo”(142, citando o jegue Carboreto que passava o dia inteiro
levando barricas de água para a população que não possuía cisterna).
“Assim como os Itabaianenses,
os fenícios produziram ligas de ouro e de outros metais, tecidos, grãos, armas
e óleos. Mas o seu grande poder estava na frota naval, assim como os caminhões são o poder dos ceboleiros (Página 159, sem citar ninguém).
“As grandes massas cairão mais
facilmente numa mentira grande do que numa pequena” (151, citando Adolfo Hitler.
Somos um povo faminto por ilusão. A verdade nos causa fastio).
“A mentira é uma verdade que se
esqueceu de acontecer (151, citando Mário Quintana e a assertiva de que para
tudo há sempre um perdão).
“Itabaiana é terra das originalidades”
(Página 101, citando dr. Severiano promotor de Justiça em Itabaiana na década
de 40 e 50).
E o sobre os galos nas torres das igrejas matrizes pelo mundo... Há um imponente galo na igreja de Itabaiana, que foi rifado por Carrasco, um dos girentos do lugar. Em Itabaiana, rifam-se caminhões, motocicletas, carneiros, garrotes, perus cevados. .Este povo gosta de riscos. Faz estapafúrdias apostas sobre espirros do vigário alérgico, os votos apurados para a cachorra de Cori na eleição corrente, a hora da chegada do caminhão de Niu do Feijão...
O ganhador da rifa veio receber o prêmio.
Carrasco explicou: “Você vai para o pé da torre da igreja, leva uma cuia de milho, esparrama pelo chão, quando o galo descer para comer, você pega e leva pra casa”.
O ganhador protestou: ”Se eu soubesse que era assim, eu não teria comprado o bilhete”.
Carrasco então, vivo como era (vendera todos bilhetes), disse: “Não tem problema. Se não está satisfeito, eu devolvo seu
dinheiro e fico com o galo”.
E o problema foi resolvido assim.
Sobre a leitura do livro de Marcondes... O ideal é ler um conto, logo cedo, reler a gosto, passar o resto do dia revendo detalhes, recolhendo o néctar de cada flor, dando gargalhadas que certamente escaparam logo cedo, pela manhã.
Mas quem pode se dar ao luxo e ao prazer de gastar tanto
tempo com um conto, se o livro "Daqui, dali e dacolá" tem mais de cem?
(Aracaju,07 de setembro de 2015;
recuperada em 01 de setembro de 2021)
Li na ASL em 24/01/2022
ResponderExcluirPublicado na Zona Sul em 06/06/2023
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