domingo, 13 de agosto de 2023

LUGAR DE ESTÓRIAS, Bartolomeu Correia de Melo

 

LUGAR DE ESTÓRIAS, Bartolomeu Correia de Melo, contos, EDUFRN, Natal, 1998,174 páginas, Isbn 85-7273-099-0



 

1.     Um livro difícil de achar

[19/06/2023] Francisco Dantas para Saracura:

Acabo de deixar, na portaria do Palazzo Fiorentino, um livrinho pra você. Ressalto que não quero interferir no seu gosto, dirigir as suas escolhas. Tenho quase certeza que se trata de um livro inencontrável. Outra coisa: a esta altura, os escritores do mundo inteiro estão com o seu ofício ameaçado pela "inteligência artificial". A Amazon já está ensaiando isso. Um texto é encomendado, e o freguês recebe a encomenda prontinha em um minuto.

[16:46, 01/07/2023] Antônio Saracura para Francisco Dantas:

Peguei agora. Ainda. Boa tarde, bom final de semana. O tempo escoou. Eu já me sentia encharcado. Não me lembro de já ter lido algo de Bartolomeu. Mas o nome me soa próximo. Deixe-me chegar em casa.

[20:06, 01/07/2023] Francisco Dantas para Saracura:

Este potiguar foi nosso amigo. No ano 2000 me remeteu um conto inédito, que hoje está em outro livro. Como todo nordestino da nossa época, merecia ser mais divulgado. Já não está entre nós. Em Natal, estivemos juntos algumas vezes.

[20:19, 04/07/2023] Antônio Saracura para Francisco Dantas:

Boa noite, grande Francisco Dantas. Para mim bastava um conto como “Foi?…” ou como “Reza-forte”. Ao final de cada, parei para respirar e não achei ar em canto nenhum. Mesmo assim, resolvi conhecer melhor o poeta Joaquim Cardoso, porque gostei dos versinhos citados por Bartolomeu. Caí em um blog chamado “Emiracultura”, que é o universo de Carmo Bernardes. E, agora, para onde eu vou? Jurubatuba pula de minha estante em meu colo. Ermira me abraça com seus braços bonitos. Quero falar com Carmo Bernardes, mas Bartolomeu me puxa pela camisa.

Olha! Francisco Dantas. Se eu não voltar a falar com você mais, é porque perambulo entre Goiás e Ceará-Mirim, como o “rezador de reza forte” montado no cavalo Vicente ou como o “amarelinho”, garantido pelo quicé afiado e o laço de couro cru.

Não sei o que vou fazer com tanto conto que me mandou. Mas já que mandou...

[20:37, 04/07/2023] Francisco Dantas para Antônio Saracura:

Seu aniversário tá chegando. Você já pode comemorar. Sei de memória: Quando os teus olhos fecharem / Para o esplendor deste mundo / Ei de ficar de joelhos / Quando os teus olhos fecharem / Para o esplendor deste mundo / Hão de murchar as espigas / Hão de cegar os espelhos.

Joaquim Cardoso, engenheiro trabalhou com Lúcio Costa, na fundação de Brasília. Em Belo Horizonte, trabalhou no viaduto Gameleira, que viria a desabar. Poeta retraído, muito bom, solitário.

[20:45, 04/07/2023] Francisco Dantas para Antônio Saracura:

Nosso Bartolomeu nos deixou três livros que guardo com carinho. Assim que me dei conta que tinha uma "duplicata" na mão, me lembrei de você. Ele é único, mais sintético do que o Guimarães Rosa de "Tutameia" e de quem se aproxima.

 2.     O Lugar de Estórias

Há livros assim, feitos no capricho, pela teimosia de um apaixonado pelo jeito de falar puro do povo, jeito que vai se perdendo a cada dia por conta da globalização deflagrada pela televisão e pela web. Pela TI (Inteligência artificial).

 O autor resgata falas estranhas de nossos avós e as guarda em textos que pouca gente conseguirá entender. Mais cientistas da língua que habitam os porões embolorados das universidades e raros saudosistas.

O livro “Lugar de Estórias” é uma destas joias. O autor é Bartolomeu Correia de Melo e descende da elite rural do Rio Grande do Norte, cheira a garapa. Tirou diploma de farmacêutico, de físico e foi professor catedrático da universidade. Da herança usineira, manteve a fazenda Águas de Março no município de Maxaranguape, onde passou parte de sua vida. Mesmo com tanta profissão, conseguiu tempo para caçar palavras, frases, ditos, rhuns, fhuns, e outros cacos e cascalhos que são ouro puro, e compor histórias (são contos) que tive o privilégio de ler.

Seca terrível, fome, sede. A família poupa fiapos de ração para sobreviver. E aparece aquele andarilho montado no jumento chamado Vicente, com ares de Jesus Cristo. Comeu a comida de casa e foi embora deixando como paga um patuá milagroso que costurou na hora, garantia de vida boa, não o abrisse e nem se apartassem dele. 

Na terceira geração, um descendente curioso descosturou o patuá, queria saber o segredo de tanto poder, de tanta sucesso na vida da família. Desdobrou o papelzinho amarelado e leu: “comendo eu e meu Vicente, o resto que arreganhe os dentes”.

Menino-velho era cria da fazenda, trastezinho que ninguém dava valor, o amarelinho de anedota, quase anão. Mas bom de mandado. Também bom no relho de couro cru traçado, que trazia no lugar do cinto. E temido pelo quicé afiado de capar bode de trazia na cintura. E ai houve aquele mal entendido porque o garrote pé duro da fazenda pulou o arame e cruzou com a novilha registrada, por que o filho do patrão desonrou a irmã de Menino-velho. Capa-não-capa-capa-capa. Pode capar, ordenou o patrão certo de que o menino-velho caparia sem falta. Quem perdeu os possuídos não foi o garrote.

Todos os dezessete contos andam no mesmo batido, narrando com o jeito gostoso de falar de e as sabedorias de nossos avós...

Conversas compridas são parecidas; ano sim oito não (como isso tá demorado!); desgraça pouca é meio de vida; em preço de honra não cabe diferença; pituím de cafuzo mata maribondo; não tinha medo de nada, tirante alma e praga de cigano; quem apronta escondido sofre em segredo; ela tinha os beiços finos de cu-de-calango; desconfiado feito menino comedor de vício; alguns silêncios valem mais que muitos gritos; querer tirar prazer do choro alheio, é judiação; penar conformado é meio de virar santo...

E as palavras? Encurtadas, arredondadas, adocicadas a cabaú.

“Lugar de Estórias é a transcendência dos saberes populares. Inventário precioso de falares de nossa gente ainda não atingida pela peste global”, tomo aqui a palavra do professor Inácio Magalhães de Sena, que escreveu a orelha do livro.

 

Aracaju, 12 de agosto de 2023, por Antônio FJ Saracura

 

Post Scriptum:

 

RESUMO BIOGRÁFICO DE BARTOLOMEU CORREIA DE MELO  (O BARTOLA):


Nascido em NatalRN (, criado no Ceará-Mirim (RN), terra de engenhos, cenário temático dos seus escritos. Educado por padres salesianos e irmãos maristas, dedicou-se ao magistério. Graduado em Farmácia (UFRN) e pós-graduado em Físico-Química (UFPE e USP). Adotou agropecuária (Fazenda Aliança) como segunda atividade e literatura como primeiro lazer. Aposentado (UFRPe e UFRN) como professor de Química. Obteve com “Lugar de Estórias”, seu primeiro livro, o prêmio nacional “Joaquim Cardozo”(1997), da União Brasileira de Escritores (UBE). Seu segundo livro, “Estórias Quase Cruas” (2002) foi igualmente bem recebido. Publicou também a estória infantil “O Fantasma Bufão” (2004). Recentemente (2010), teve lançados “Tempo de Estórias”, seu terceiro livro de contos e “A Roupa da Carimbamba”, segundo livro infantil, todos pelas “Edições Bagaço” (Recife). Fonte: site da UBERN e NOTÍCIAS DA LUSOFONIA, DE CEICINHA CÂMARA.

 

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