SILÊNCIO E REBELDIA,
Antônio Carlos dos Santos, romance, 1 edição, Aracaju, Se, Editora Almazila
Coral, 2024, isbn 978-65-994027-4-6. (Em revisão).
Antônio Carlos é meu confrade da Academia Itabaianense de Letras e o conheci na cerimônia de sua posse em 28/02/2014, pelos discursos de recepção e de posse. E por informações surgidas nos debates para aprovação dos fundadores da arcádia.
Ele nasceu em Itabaiana, é professor do Departamento de Filosofia da Ufs desde 1992. É um dos atuais grandes de Itabaiana. Tem muitos livros técnicos publicados (em diferentes idiomas) e um currículo do tamanho do mundo todo.
Soube que tentou entrar
na Academia Sergipana de Letras alguns anos atrás, mas não obteve sucesso, como
quase todos (com raras exceções) que se candidatam sem ter vivido antes o mundo
da academia.
Outro dia, recebi um convite para o lançamento de seu novo livro no Museu da Gente Sergipana. Não perderia a festa por nada.
Hoje, acabei de ler Silêncio e Rebeldia, o romance autobiográfico de Antônio, que o tenho autografado na estante reservada a livros de meus conterrâneos.
xxx
As pessoas nascem pobres arrombadas,
vivem anos de extrema carência e, mais à frente, aparecem vitoriosas, realizadas.
A trajetória de Antônio
Carlos é similar a de tantos itabaianenses que são estrelas nos diversos setores
da economia ou da cultura. Eu me incluo neste grupo, mesmo consciente de que
meu sucesso não chegou aos pés do de Antônio Carlos, dos Teixeira, dos Paes
Mendonça, dos Barbosa, dos Peixoto, de muitos outros. Mas está além
de todas as minhas contas e sonhos.
Antônio Carlos enfrentou imensas dificuldades, chegando muitas vezes à beira do precipício, mas reagiu, marchou em frente. É o que basta. O resto é persistir, agarrar as chances, ter um pouco de sorte (que todo mundo tem, basta esperar atento). E viver no Brasil, que é nosso sem barreiras.
O autor abre seu baú de lembranças, rasga seu coração sem subterfúgios, sem enfeites. Apresenta-nos a mãe que manteve a família sacrificada (seis filhos pequenos) após a morte precoce do marido, com mão de ferro e rumo indiscutível. Não cabia aos filhos nada além de obedecer e respeitar, pois ela merecia.
Nem pôde compartilhar o estupor pelo estupro sofrido com a mãe e nem com os irmãos, apenas tentou com o vigário no confessionário. “Qual o seu pecado, meu filho?”.
Ele não tinha nenhum, era pecado alheio.
“Meu cunhado me pegou por trás...”.
O padre interessou-se, quis saber detalhes do ato. Antônio, mais traumatizado, não tinha como contar e entendeu que ao padre não cabia saber, bastava dar a orientação que pediu.
Passou a conviver na
mesma casa com o cunhado estuprador. Menino tolo de dez anos, indefeso, vulnerável,
escorregando nas sombras.
Em um dia aziago, por
ordem expressa da mãe, morrendo de medo, foi ajudar ao cunhado encher a caixa d’
água da casa. Havia uma festa com convivas e música. A caixa ficava atrás da
casa, uma área escura e isolada. Nossa Senhora de Fátima apareceu da escuridão e
colocou em suas mãos uma faca de ponta afiada, assustando o estuprador sedento.
Trabalhou desde criança
de sol a sol na agricultura do sítio, recolhendo lavagens para os porcos nas
casas chiques da cidade, vendendo latas de água na cidade seca e areia do rio
para construções da periferia, fazendo farinha, ajudando nos serviços domésticos.
Tudo ao mesmo tempo.
Arrumou um emprego de balconista na loja de material de construção de empresário usurário e vil. Frequentou a escola primária movida a palmatória. A mãe fazia questão que todos os filhos estudassem. Foi sempre discriminado e vilipendiado porque falava fino e tinha um jeito feminino. Todos, menos a mãe e os irmãos que nunca tocaram no assunto, o chamavam de veado, de gay.
Quando entrou no ginásio
(no mais importante colégio do interior do estado), ou estava na sala de aula
ou na biblioteca. Nos finais de semana, aproximou-se da igreja matriz,
integrou-se a grupos de jovens (a mãe adorou), que discutia política, catequese,
vocações sacerdotais...
Quando não era apedrejado,
colocavam-no na berlinda. A garota bonita tentou conquistá-lo na beira
da fonte do sítio (talvez a pedido da prática mãe): “Por que você é assim?”. “Pergunte
a meu pai (a Deus) foi ele que me fez. Não tive escolha.”.
Aos quinze anos foi selecionado
para estudar em um seminário (colégio católico) no sudeste do país.
“A partir dali, ganhei o
mundo”.
(Vejam a satisfação brilhando nas letras da frase acima e em meu rosto cético)
Por Antônio FJ Saracura, Aracaju,
2025abr20)
(fim)
Post scriptum:
Para não perder minhas anotações de leitura, listo abaixo algumas que até podem ser equívocos e são irrelevantes.
(Página 41) “fui amarrar
em cada arvoredo o sinal do luto". (Não seria em cada árvore?).
(Pagina 156) “Nessa época,
nem fósforo havia.” (Havia sim, pois eu ainda menino, nasci em 1945, quando
ia pra rua, passava nas paneleiras e nas fabriquetas de fósforo. Os produtos ficavam
nos terreiros pegando sol. Seria mais justo dizer: “Nessa época, lá em casa
ainda não se usava fósforo”).
(Página 157) “Mamãe abriu
a boca do novilho”. (Acho que seria do bezerro, pois o novilho só existe quando
desmama e vive independente)” .
(Página 166) “...desse processo
de putrefação”. (Essa putrefação faz parte da fabricação da massa puba. Para a farinha
de mandioca universal, a raiz é raspada e ralada in natura, de preferência sem
deixar a massa dormir, para que fique adocicada. Sua receita está errada).
(Página 200) ‘‘... e as
obrigações do sítio.” (Caberia mudar para: “algumas obrigações do sítio”.
(Página 201) “...de alguns
de seus componentes”. (Pelo que me consta havia apenas “certo” elemento. Você cria
um subset de conjunto desconhecido do leitor).
(A Luta desigual): Capítulo cansativo, com relutância e redundâncias. Como se o autor está tendo dificuldade em ser sincero. Encoraja-se e não consegue. Como tivesse feito uma cópia-cola do diário escrito na época do ocorrido naturalmente cheio de dúvidas e medos.
(Dúvidas): Idem o que falei
do anterior. Além de enigmático.
(A vida simples do campo): Belo texto. Instiga, segura o leitor, encanta. Meu romance ideal).
(fim).
Nenhum comentário:
Postar um comentário