domingo, 2 de setembro de 2018

COISAS DA VIDA, Luiz Carlos Andrade


COISAS DA VIDA, Luiz Carlos Andrade, editora Infographics, 2018, 148 páginas, isbn: 978-85-9476-146-0


(Resenha de prefácio)

Iracema, sua mãe, é filha de Felismino, que é filho de Nanã, que é filha de João José de Oliveira, um patriarca quase bíblico, que chegou ao Brasil em meados do século dezenove. De Itaporanga, foi à São Cristóvão, semeou-se em Estância e, por fim, instalou-se numa aldeia de índios mansos e redondos, em Itabaiana. Plantou a nação dos ferreiros, que, além de Oliveira, carrega brasões de Pereira, Santos, Andrade, Monteiro, Teixeira, Machado e outros que se agregaram por uniões ou apenas por gosto.

Os Ferreiros!

Trabalhadores incansáveis, artistas do ferro, do fogo e do ar. Um povo alegre e cheio de histórias espetaculares. Os antepassados passavam os dias na lida árdua das forjas, das malhadas, nas soltas de gado, nas oficinas de arte... E, nas bocas de noite, sentavam-se à luz do candeeiro ou da lua, contavam histórias de seus maiores e dos próprios feitos. Ulisses e Homero concomitantes.

E hoje, seguimos o mesmo rumo. Trabalhamos em consultórios médicos, em salas de aula, em bolsas de valores, em laboratórios, em fábricas de softwares... E quando surge uma brechinha, contamos histórias de nossa gente em livros e nas redes sociais. O mundo mudou, informatizou-se. Ninguém tem tempo de falar nem de ouvir.

Que leia então!

E que leia este livro, o segundo de autoria do médico Luiz Carlos Andrade. Crônicas do dia a dia, do duro passado e de muito mais. Elas trazem a sisudez respeitosa e a suspeita. Pureza aqui e malvadeza ali. Sérias, irônicas, mordazes. Minam humor. Gargalhadas pela graça. Lágrimas pela emoção. Tudo junto em uma prosa fácil de ler, fácil de entender, fácil de gostar.

São momentos de uma Itabaiana povoada de heróis e anti heróis (todos festejados do mesmo jeito): A micareta e suas figuras inoxidáveis, o guaxinim Fefi caracterizado de mágico e dono de uma fábrica de tentação, o desbragado Maceta de Zé Bigodinho que bebeu todas e aprontou o imponderável: viveu um nadinha mas intensamente.

Mergulho nos sonhos da criança pobre que tenta participar da cerimônia do lava pés até perceber que a fila o faria rapaz antes; quer que papai Noel coloque o presente de Natal na sandália de sola. Dupla perda de tempo, se bem que um doce sonho.

Aprendizado em feitiçaria que todo menino precisa ter para jamais temer despachos em encruzilhadas. Placas trocadas colocam em parafuso o Murilo Braga, e os mortos enterrados no Cemitério das Almas. Ao retornarem da ronda da madrugada pela cidade, encontram seus leitos cheirando a outro defunto. Era a véspera de um dia de Finados conturbado!

Nem a mãe, Iracema, nem o tio Daniel (o maior tribuno da família), nem o avô Felismino para segurar a mão. A serpente pisca o olho com malícia. Depois, vem Maceta, agente da Policia Federal, para o resgatar do paraíso do prazer: Boate Bambu.
E esse professor Rivas, magro como um palito de coqueiro e elegante como um arcebispo em missa solene? Voz nasalada, fanhosa e molhada; ao falar emite gotas de orvalho para todos os lados. Gepeto pediu um formão afiado a Collodi e traçou o professor tão bem que parece real.
O velho gavião fareja carne, levanta voo, vai a caça. Ou se não vai, ela é trazida por amigos que irrompem ao consultório causando transtorno: A Mulher do Shopping, O Feitiço Saiu pela Culatra, A garçonete Zipper.
Luzes são acendidas sobre Felismino, Iracema e os filhos que nascem. Claridade bastante para penetrar nas carnes e pecados, nas almas e santidades. Como médico cirurgião criterioso, disseca cada célula; como psicólogo dedicado, bota sentimentos pelo avesso. Crônicas que valem um romance. Que me fizeram chorar e que me encheram de orgulho por ser também um Ferreiro da Matapoã, que penso que sou. Preciso repetir os títulos? Felismino Fogueteiro, Iracema de Felismino, o Primeiro Filho e os Últimos Dias. Não me custa nada. Para você querer ler! Para você nunca mais esquecer!

(Aracaju, junho de 2018, Antônio FJ Saracura, escritor, das academias Itabaianense e Sergipana de Letras).



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