sábado, 4 de abril de 2020

CASA-DE-FARINHA E OUTROS ESCRITOS, Cléa Maria Brandão


CASA-DE-FARINHA E OUTROS ESCRITOS, Cléa Maria Brandão, J. Andrade (2005), 180 páginas, sem isbn.


Peguei o livro emprestado com um amigo que faz editoração eletrônica (Walfredo). Ele guarda, à vista das visitas, algumas joias raras. Emprestou-me com relutância, temendo, talvez, que não o devolvesse.

Casa-de-Farinha é uma viagem interessante, ilustrativa e bucólica ao povoado Pedro Gonçalves, em General Maynard, uma cidadezinha de nada aqui da zona açucareira sergipana. O povoado parece ser o berço da autora ou de seus ancestrais, alguns ainda morando lá.
São vinte capítulos tratando de um Brasil singelo e bonito que funciona.

As chaminés fumacentas dos fogões de lenha lembraram-me os sítios de Terra Vermelha do meu tempo de menino, quando o fogão a gás ainda não chegara.

Há os quiabos, ainda tenros, quebradinhos no pé; há dona Rosa perdendo os dedos no rodete porque teimava em ficar ouvindo as conversas das raspadeiras de mandioca; há a faquinha marinheira afiada que descascava a mandioca e escalavrava os dedinhos inocentes; há o defunto que suspira (que me lembrou o conto “O Testemunho do Tropeiro Morto”); há a simpatia para mudar a direção da fumaça das castanhas assando; há a tapagem da casa no sopapo (em um dia nascia uma nova casa - por que não foge logo outra moça?); há o velório viaje Vasp; há a manipueira venenosa, se ingerida mata, a menos que que o envenenado tome um copo de mijo de Sancho preto... Que horror!

O livro, nesta parte que fala da Casa de Farinha, é adereçado com exclamações fechando os textos: que horror! Uma fera! Imaginem! Coitada! Piedade! Essa é incrível! A minha mãe que o diga! A cachacinha no estilo! Acepipes! Eu não ia ficar sozinha, claro! Fica a lição!..
Elas dão um sabor especial de intimidade. Como se o autor não se contivesse e deixasse escapar sua emoção, saindo do formal e caindo de vez no jeito do povo falar, no meu jeito de ler conversando com meus personagens: brigando, aplaudindo, considerando. Ora como o narrador formal, ora como autor mesmo, saindo de seu gabinete e entrando na história para dar palpite.

Casa-de-farinha me permitiu uma viagem agradável ao passado, que é meu também... Agora é! E saborear um estio despojado, coloquial, com o compromisso exclusivo de mostrar esse povo do povoado Pedro Gonçalves vivendo decentemente. E viver momentos mágicos que jamais esquecerei.

“Outros Escritos” é composto por segmentos estanques: Discursos; Crônicas; Ensaios; Poesias; Perfis, Tipos inesquecíveis e contribuições. Destaco as crônicas publicadas em jornais e que falam de pessoas e instituições e que me reavivaram a lembrança ou me ensinaram coisas de que não sabia.

Aracaju dez/2010, ajustes em 04 de abril de 2020)

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