segunda-feira, 15 de novembro de 2021

CÃO NA MOITA, Jackson da Silva Lima

 

CÃO NA MOITA, Jackson da Silva Lima, 1997, 2 edição, J. Andrade, 134 páginas



Assim como "Manobelo e Outras Narrativas",  "Cão na Moita" dificilmente será achado em sebo ou livraria. Talvez em alguma biblioteca pública, que hoje mais parecem cemitérios de indigentes, com tampas das carneiras abertas e defuntos sumidos. 

Com certeza, os dois livros estão no meu oratório literário na companhia de poderosos santos, como eles são. 

Chegaram a mim por milagre. Fui visitar, cheio de cerimônia, o grande Jackson da Silva Lima em seu centro de pesquisas. Após uma hora ou mais de boa conversa, já na saída, ele me mandou esperar um pouquinho e sumiu nas galerias de sua Epifânio imaginária. Retornou com alguns livrinhos do mesmo tamanho, sentou-se à mesa e escreveu dedicatórias. Em 27 de junho de 2013. Achou que eu seria bom guardião das joias e me deu mais três exemplares de "Monobelo..." e  de "Cão na Moita", que já passei também a outros  guardiões com gosto para sorver o raro mel silvestre.

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“Cão na Moita” é composto assim:

DE NOITE, NO OITÃO DA IGREJA (I – de quarta para quinta; II – no outro dia, às mesmas horas; III – Entre ambos os dois; IV – Conversa de Pé do Ouvido; V – Quatro dias depois; VI – Na semana seguinte).

UMA VELA A DEUS E OUTRA AO DIABO (I – As duas velas ac essas; II – Abrahão e os remorsos de Davi; III – O sentido no cão e o olho na trouxa).

ENQUANTO O CÃO ESFREGA O OLHO (I – Padre Simão e as artes de Zé de Nanã; II – Matos Além; III – O Bezerrinho santo).

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A xarope feito com pintinho pilado e que serve para curar sezão; a raiz misteriosa que era lombriga seca; o chá de barata nova para falta de ar; a galinha mal cozida com pena e tudo que espuma na boca querendo fugir;  os contadores de histórias absurdas rebatidos por outros ainda maiores; o cisco que caiu nos meus zóio; a bezerrinha alazã que se encantou; o gato preto que era Zé de Nanã... (mezinhas milagrosas, momentos antológicos, poderes do Cão tinhoso).  

Marieta, Janjão raizeiro, Zé de Nanã, Pepeu, Frei Inocêncio, Currupião, padre Simão safado, seu Chiquinho da Venda, dona Santinha, Coronel Zé Raimundo, Chico Lino, Sinhá Dinha.... (personagens inolvidáveis do passado glorioso e  da malandragem de hoje).

Frechas, pêga, presepada, bicanca, se avultar, loroteiro (é o que não falta), maçone... (adjetivos singulares, verbos poderosos  e substantivos cabeludos).

“Cão na Moita” é  um grande livro dentro de um vidrinho do tamanho de nada, próprio para venenos mortais ou perfumes fatais. São 133 páginas de saber literário, nas quais corre o sangue autêntico e tosco de nosso povo simples, com suas superstições, jeito de dizer, manias de ser, ditos, histórias de arrepiar.

E o sanfoneiro, velho Piruá, mesmo com risco de vida na mão de Lampião, teve sangue frio para cantar a glosa: “Com  vara, ferrão e tudo"

 

“Valha-me a Providência

Com o seu poder sublime

Que eu vou comentar um crime

Perante tanta inocência,

Mas a voz da consciência

Me revelou o estudo:

(...) 

Garote brabo e chifrudo

na solta livre criado 

só pode ser enfrentado

Com vara, ferrão e tudo" (1)


Olhando assim, parece ao autor (pela boca do narrador) e ao leitor abismado (que sempre é) que “a cabeça do cantador de repente é uma olaria fina cheia de fôrma desempenada. Todo verso tem sua forminha certa. Na hora da cantoria, o repentista pega uma palavra e vai juntando com outra, faz a mistura, passa na peneira do juízo, já o fogo da inspiração aceso, joga a massa apurada na fôrma e põe no forno do improviso para cozinhar obra. Num momento, a danada da rima tá no ponto. É só abrir a boca e o verso voa quente, aprumado. Sai prontinho da ideia e vai bater na plateia ansiosa”.

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Junto com Jackson da Silva Lima (que o faz na última página) agradecemos a Gilson Resende, de Itabaiana, e a Maria José Nascimento, de Ribeirópolis, eles deram ao livro, com seus depoimentos, a música do falar do povo da Terra Vermelha (minha referência guardada da infância).

Vou concluir pela voz do genial Luiz Antônio Barreto, registrada na orelha do livro.

“O Cão na Moita”, de Jackson da Silva Lima, é um livro de contos da nova literatura brasileira, um autor já galardoado como inventariante da arte literária sergipana, do folclore, e como intérprete de notáveis figuras. Os poetas José Sampaio e Santo Souza e os pensadores, Fausto Cardoso e Tobias Barreto”.

 

Aracaju, 15 de novembro de 2021 (ainda na Pandemia, no restinho), por Antônio Saracura.

(1) O quarteto  final  do repente de Piruá (que ele me perdoe) foi reescrito por mim para não conspurcar a  angelical pureza do ambiente acadêmico". 

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