MACBETH, Jo Nesbo, Record, 2019, tradução de Márcia Alves, Rio
de Janeiro, 515 páginas, Isbn 978-95-11-11694-9
A Livraria Escariz estava com uma promoção, livros da Record de três anos atrás a preço de banana. Uma mesa cheia. Comprei Isabela Allende, Garcia Marques e Jo Nesbo. Este Jo, outro dia, enchia as gôndolas, era badalação; a revista Veja e outros fazedores de cabeça traziam resenhas, testemunhos, frases de celebridades, estatística de venda com números absurdos. Fora uma estadia meteórica nas gôndolas de frente, aquelas que enchem os olhos da clientela por um ou dois meses e depois os livros vão para o porão da loja, dão lugar à novas coqueluches.
Desse porão é que devem ter vindo para a mesa cheia onde os vi e me espantei. R$15,00 cada exemplar.
Os funcionários garantiram que preço estava correto, eu podia levar quantos exemplares quisesse. Perguntei por quê? Não abriram o jogo inteiro, mas consegui pescar indícios aqui e ali e montei uma explicação que faz sentido. “Os livros pararam de vender e a Record, que os distribui por consignação, pediu para os mandar de volta. A Escariz fez o orçamento para os localizar na barafunda, empacotar, tirar nota fiscal, despachar no correio, e informou o valor. Cada exemplar ficaria pelo dobro do custo na editora. E onde guardá-los na editora se o estoque destes era imenso, a saída fora pouca. Então, mandou vender por qualquer preço ou tocar fogo neles".
Esse Jo Nesbo sempre me intrigou, mas
nunca me decidi a comprar um livro dele por 70,00; agora comprei por 15,00,
trouxe três romances para casa.
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Esta semana, atribulado com problemas
de saúde e de família, precisei de um bom romance policial para me sanear. E
peguei o grosso “Macbeth”, de 515 páginas, um calhamaço. Até achei bom ser imenso. Eu teria mais tempo a me confortar.
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Cheguei na tora à página 132, e escrevi
a lápis em letras garrafais no espaço livre que sobrou no final do capítulo 8:
“Paro aqui. Nenhum passo dou mais"...
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Uma cidade decadente tomada pela
marginalidade, que me pareceu a região da Princesa Isabel e Estação em Luz de
São Paulo, lotada de crakeiros. E uma polícia corrupta que nem a carioca
que a televisão mostra sempre.
Então, entra o policial, chamado
Macbeth, sem nem ser chamado, com sua equipe, em uma operação comandada por um
dos chefões da polícia. Salva a operação, resgata os companheiros dominados,
destrói um caminhão de anfetamina e elimina traficantes que a polícia há muito
perseguia.
Macbeth é um tipo singular: de menino
pobre de orfanato, virou garoto de rua, viciado em droga pesada. Seus braços
ainda hoje, vinte anos passados, são marcados por profundas cicatrizes de
picadas de agulhas. Com a ajuda de um amigo (hoje seu parceiro na polícia)
saiu das ruas e do vício e entrou na academia de polícia.
Hoje é o policial mais respeitado da
corporação. E acaba de ser nomeado para comandar o departamento mais importante da Polícia.
Os candidatos naturais roem as unhas
enciumados...
Macbeth tem uma vida social estável, é casado com Lady, a dona do mais chique cassino da cidade, que promove uma grande festa para celebrar a posse do esposo.
E na véspera, Lady exige que Macbeth mate Duncan, superintendente da Polícia. Lady deve ter motivos que o autor não contou até onde li.
Como muitos dos ilustres convivas, Duncan aceitou hospedar-se nas suítes do cassino, um luxo e deferência da proprietária.
Macbeth não vê
sentido em eliminar Dunca, que o nomeou para o alto posto. Mas Lady não abre
mão. E ele não sabe como negar este favor à amada.
Mas entra em parafuso.
Quando festa está no fim e quase todos
já se recolheram para dormir, ele sai para a cidade, entra na zona do tráfico, tenta comprar
Brew, que é o Crack do lugar, mas os vendedores recusam vender. Macbeth é o
símbolo dos bons costumes, todos o reconhecem. Então Hécare (o bandidão
terrível) o alcança com as garras, e Strega, a mão direita ubíqua, oferece-lhe um kit de presente.
Macbeth entra no fedorento banheiro
público, consegue um espaço no meio dos viciados, espalha o pó no tampo da pia. Esmaga os grumos com o lado cego de uma de suas adagas, enrola droga em uma cédula
de dinheiro e se entope até a raiz do cabelo.
Que absurdo! Tanto por tão pouco. Em vários
sentidos, isso deixa o romance surreal, inverossímil a meu ver.
Como um zumbi, Macbeth retorna ao
cassino onde os últimos clientes, inclusive Lady, riem em fim de festa. Sobe ao
hotel e entra no apartamento onde Duncan dorme. Os guarda-costas, no
apartamento conjugado, estão desmaiados. Lady dera-lhes champanhe soporífera em
um cálice compartilhado.
Macbeth procura uma melhor posição,
calcula a distância até a jugular do chefão e dispara sua silenciosa e mortal
adaga. Tem certeza que acertou em cheio. E vai saindo... Olha da porta para conferir e percebe um movimento estranho. Duncan tira a pistola debaixo do travesseiro e
atira...
Como é que é? Nem quis saber se a adaga fatal matou o chefão ou se a bala da pistola acertou o alvo. Com o lápis, que sempre me acompanha nas leituras, escrevi em garrafais ao final da página 132 meu desabafo. Joguei o livro na caixa de descarte.
Peguei os outros dois do mesmo autor e
os joguei junto. Ao vê-los caindo, deu-me uma pena!
Peguei de volta os dois últimos (A sede, e A Estrela do Diabo), achei que tinham pouca culpa (somente eram do mesmo autor). Jo Nespo vendeu 40 milhões de exemplares pelo mundo; saiu da longínqua Noruega e alcançou Aracaju com suas obras. Talvez merecesse uma nova chance. E mais respeito.
Ora! Ora!
(por Antônio FJ Saracura, Aracaju
2022jul30)
Nota:
Minha esposa, Cida, que é leitora voraz, leu, depois “A Estrela do Diabo”, um dos dois salvos do descarte, e gostou.
li em 05/09/2022 na ASL
ResponderExcluirPublicado na Zona Norte 2022 13/12/2022
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