ARACAJU REMINISCÊNCIAS E DEVANEIOS, Murillo Melins, Aracaju
J. Andrade, 2020, isbn 978-65-992287-2-8
Murillo Melins é autor de dois outros livros, sucessos de
venda: “Aracaju Romântica que Vi e Vivi”, publicado
inicialmente em 2000 e que sofre atualizações em novas edições desde então.
Trata do viver cotidiano de Aracaju nas décadas de 1940 e 1950, com destaque
para a vida boêmia, o mundo de Murilo. E “Aracaju Pitoresco
e Lendário”, publicado em 2015, composto de crônicas que saíram em periódicos dos anos 20, 30, 40 e 1950 (e bem antes), e mais curiosidades, fatos
soltos, causos da oralidade, gravuras, etc. e traz, de graça, como surpresa ou brinde, apêndice impagável sobre poetas conterrâneos.
“Aracaju
Reminiscências e Devaneios”, o novo livro que acaba de sair, segue a mesma
picada dos livros anteriores sem se repetir e, mesmo o fazendo aqui e ali, o novo texto se
veste de novidade absoluta e encanta como se o leitor estivesse vendo o filme
pela primeira vez. São alentadas crônicas, a maior parte não caberia nos
periódicos comuns, daria uma novela se o autor fosse romancista. São momentos
vividos pela cidade, são personalidades marcantes da sociedade: boêmios,
artistas, músicos escritores, etc. com os quais o autor desfrutou da intimidade.
Murillo alcançou os 93 anos de idade, lúcido e expedito
como um adolescente. Declama de cor poetas do Brasil e de fora. Relembra fatos de quarenta anos atrás com nomes de personagens e contexto real. E tem argumentos
irrefutáveis para debater cultura; e sobre Aracaju, nem se fala.
XXX
“A sociedade frequentava o cine Rio Branco, do elegante e
solícito Juca Barreto, visto constantemente sentando ao lado da charmosa e
bonita companheira na obrigatória passagem dos cinéfilos. Todos cumprimentavam Juca
e muitos arriscavam um olhar lascivo e disfarçado àquela elegante e bela
senhora”.
“Eu tive cadeira
cativa no hall do Cacique Chá, ponto de encontro dos românticos, refúgio de amigos festeiros,
local predileto do meu apaixonado e boêmio coração. As festas sempre eram muito
concorridas. E quem não conseguia vaga para o salão, ficava no SERENO, ou seja,
na aglomeração em frente, e daí assistia aos bailes e funções artísticas. E o
Sereno passou a ter destaque especial na crônica social da época, como se fosse
outro Cacique”.
“Zé Eugênio de Jesus foi gongado pelo doutor Badarode, por desafinar, no programa de calouros da recém-inaugurada
Rádio Difusora. Mas Zé era teimoso. Meses depois, na Festa da Mocidade,
participou de concurso similar e obteve a primeira colocação. Esteve em
todo canto fazendo sucesso, como no bloco "O Passo do Canguru" com a singular
coreografia de sua invenção”.
“O pândego Zé de Raul, após um porre de lança perfume, desfilava na João Pessoa como Rei Momo em uma noite de carnaval. O jipe, onde estava armado seu trono, deu uma freada brusca e ele desabou no meio da rua. Sacudiu a poeira, deu um sonoro carão no motorista, subiu de volta ao trono e, sob o olhar perplexo dos seus ministros, Lídio Bessa e Barroquinha, continuou sorridente o passeio imperial”.
“A inauguração do Carrocel do Tobias aconteceu na festa de
Natal, na Praça Camerino, com a afluência de milhares de aracajuanos. O brinquedo
veio para uma temporada em 1904 e ficou definitivamente. A poetisa Avany Torres
captou a magia dos afogueados cavalos, de crinas arrepiadas, olhos vivos
expressivos e narinas dilatadas que pareciam respirar”.
“E numa noite de orgia na boate Miramar, o famoso Luiz Gonzaga, que o visitava, foi surpreendido quando Núbia, alegre dançarina, sentou-se a seu colo. O fotógrafo Canto do Rio bateu fotos. O rei do baião não gostou. Partiu para cima do fotógrafo e destruiu o filme, a prova do crime”.
“O navio sergipano Brasiluso, da firma Peixoto Gonçalves, foi
invadido pelos tripulantes do U-207 alemão, o carrasco dos navios em nossa
costa. Após constrangedora vistoria, não sendo encontrado o precioso carregamento
de óleo diesel, os alemães abandonaram o navio”.
“A revista O Tico Tico manteve-se arraigada do início ao fim
aos objetivos de entreter, informar e formar de maneira sadia a criança
brasileira. Linguagem coloquial, perseguia a ideia de que o progresso do País
dependia da educação. Foram 2.076 edições, desde 11 de outubro de 1905 até novembro
de 1958. Morreu quando foram introduzidos personagens e mentalidade estrangeira nos seus desenhos”.
“Pinduca, o músico propriaense batizado com o
nome de Luiz d’Anunciação, assinou contrato com a TV Tupi, em seguida com a TV
Globo, onde permaneceu 18 anos como maestro do programa Globo de Ouro,
participou do Fantástico, dirigiu a orquestra do programa do Chacrinha, foi
arranjador e orquestrador dos programas de Chico Anysio e do Balança mas não
Cai”.
“O primeiro trecho da Avenida Rio Branco, à sombra das
árvores, ficava o Ponto de chegada e saída das antigas marinetes, que diária e
precariamente trafegavam pelas poeirentas estradas do Estado, graças a empreendedores como Barbadinho, Josino
Almeida, José Lauro de Menezes, Oviedo Teixeira e alguns outros. O motorista
da marinete de Itabaiana, João de Balbino, tinha como comissário de bordo, Motinha, que veio a ser empresário de sucesso no comércio de Aracaju e pai
de ilustres médicos”.
XXX
“É prazeroso trabalhar com a memória”, confessa Murilo em algum lugar de seu livro e demonstra em toda obra. Cada página de "Reminiscências e Devaneios" traz vivos Aracaju e seus habitantes desde os tempos antigos, como se fosse hoje. A argúcia, o senso crítico, técnica e a arte deste autor incorporam tons de magia, produzem efeitos que apenas ele tem.
Murilo é único e precisa ser louvado o tempo todo.
Eu me sinto feliz em conviver com seus livros e com ele em pessoa. Lamento tê-lo encontrado tão tarde. Espero me demorar por aqui mais um pouco para bem aproveitá-lo.
Por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 2022ago09.
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ResponderExcluirLi na ASL em 29/08/2022
ResponderExcluirPublicado na Zona Norte em 2022
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