quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A SAGA DE UM HEROI, William Soares

 

A SAGA DE UM HEROI, William Soares, 2021, edição particular

 


Eu já vira o autor em alguma reunião por ai (ele é da equipe de escritores médicos) e até passei os olhos em um livro de sua autoria, “A 16.Missão”, que me caiu às mãos, mas nem cheguei a ler, pois tratava de tema que outro livro, este de Cleiber Vieira. Achei que não deveria perder tempo com redundâncias. Talvez devesse.

William Soares esteve na reunião da Academia Sergipana de Letras ontem, dia 19 de setembro de 2022, se apresentando como o novo presidente da Academia Sergipana de Medicina, décimo a ocupar o cargo, e distribuiu dois novos livros de sua autoria. “A saga de um herói” e outro, apenas uma brochura, com seu discurso de posse na presidência na academia de que falei acima: “Um passeio de marinete".

O primeiro é uma homenagem ao médico Semmel weis, húngaro, que descobriu a causa da Praga dos Médicos ou Febre do Parto, que matava 16% das parturientes nos grandes hospitais. A cura seria apenas a mudança de um costume: os médicos teriam que lavar as mãos antes de cada parto.

Mas nenhum médico, nenhum cientista da área aprovou a mudança, nenhum chefe de hospital adotou o novo costume. Mesmo com argumentos irrefutáveis apresentados pelo doutor IFS Semmelweis: que as mulheres assistidas por parteiras práticas não morriam, que os médicos contagiavam as parturientes quanto passavam pelos necrotérios do hospital antes...

“Uma ideia nunca deve ser apresentada antes de sua hora e de seu tempo.”

Mas como esperar mais, diante da gravidade da situação?

Doutor IFS encontrou a cura antes do tempo certo. Seria? 

Então publicou artigos nos jornais, fez palestra em congressos, acusou os médicos de genocidas...

Perdeu o emprego, não achou outro digno. Publicou um livro sobre sua experiência médica e suas teorias, mas não foi bem aceito no meio. Rejeitado pelos colegas, indigna-se, isola-se, estressa-se. 

Logo é internado em um hospício. E morre dias depois. Envenenamento do sangue, a partir de lesão gangrenada na mão direita. Ferimento causado na luta contra os trogloditas que o internaram à força. Exames posteriores confirmaram que a morte foi causada pela mesma enfermidade que matava as mulheres paridas.

No tempo certo, 32 anos depois, Pasteur e outros cientistas convenceram ao mundo que os médicos deveriam mesmo lavar as mãos (depois vieram as luvas), como pregou o doutor Semmer Weis. 

Um bom livro tanto para mim, paciente expectador, quanto para os autores dessa tragédia que é a vida, os médicos.

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E o o outro livro, "Um passeio de marinete", é uma espetacular viagem, bem elaborada e bem humorada. Cheia de lúdicas lições. Sem medo de avançar, de enfrentar, de brigar, de subir ou descer... 

Willlian, é filho de Boquim, criado em Tobias, crescido em Aracaju, cidadão do mundo (atuou como médico na Europa e sul do Brasil), e estabelecido outra vez em Aracaju, onde atua no campo da oncologia.

O livrinho é um tocante poema, que poetas perdidos por aí precisavam ler para aprender a magia de dizer muito com quase nada de palavras. Sabe bem encantar com flores comuns que juntas formam um jardim surpreendente. 

O retorno aos pagos da infância que todos vivemos: correr pra casa antes que a luz apague, tomar banho na água fresca da fonte da mata, tremer ante a ordem de volte para casa "seus cabruncos"... O carro de boi gemendo, o trem Estrela do Norte apitando na estação de Boquim... O bordado da vida estudantil, a faculdade e São Paulo que é o destino certo para todos. A quarta  pátria que o espanta com a poesia concreta das esquinas e a beleza discreta das meninas. Apenas cinco dias perdido na garoa densa, bate-se com garota que lhe pergunta: “como vieste parar aqui, se os muros são altos e difíceis de escalar”? E, que nem Romeu, respondeu: “com as asas do amor... ".

Bem depois, quando desce da marinete em um meio dia canicular do verão sergipano, corre em busca da sombra solitária no meio da praça deserta pra não torrar. É a sombra de um pau Brasil, remanescente. Nativo que escapou dos machados dos colonizadores e dos herbicidas dos novos donos de tudo. Ancião, desconsolado, sozinho e indefeso.  Algumas vargens penduradas logo soltarão sementes no chão estéril de paralelepípedos. 

Será o fim da espécie nobre que deu o nome a esta terra inteira.

É selado, então, um pacto tácito entre a velha árvore à morte e o novo médico cheio de vida.

E William recolhe as vargens secas e sai em busca de um cantinho fértil para plantar as sementes, seja no chão do quintal de sua residência ou no coração receptivo de cada um de nós.

É tempo certo para recuperar o símbolo de nossa pátria. Já passou, mas ainda pode.  

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 22 de setembro de 2022).

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