ENCAIXOTANDO MINHA BIBLIOTECA, Alberto Manguel, 1 edição, São Paulo, Companhia das Letras, 2021, tradução de Jorio Dauster, isbn 978-65-5921-088-6.
Era um final de tarde de sábado, eu estava na Escariz Jardins
cumprindo minha missão de “O Escritor na Livraria”, quando chegou Adélia Mota,
cronista fina de “À Sombra da Mangueira e outros contos”.
Conversamos até noitinha de livros, de autores daqui e do
mundo, de Itabaiana que é nossa pátria comum. Quase não encontro Adélia, ela é
professora em vários colégios e eu vivo fechado na minha caverna. E quase ela
não fala quando nos cruzamos: “Oi eu, oi ela”. Mas hoje Adélia está elétrica,
espiritada, como em sala de aula. E eu presto atenção e emito, somente, esporádicos
runs-runs.
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Eu já estava no caixa pagando um livro encomendado pela minha
netinha Pietra, e Adélia, que ficara fuçando prateleiras, deu um psiu e me mandou
aguardar, com a mão espalmada. E veio com um livro na mão: “Compre e leia! Sei
que você não conhece este argentino porreta.”
Em casa, vi que era um livrinho 12 por 18, de cantos abaulados, de autoria Alberto Manguel, intitulado “Encaixotando minha biblioteca”. 175 páginas de letra de tamanho bom de ler. E que o autor, na juventude, prestou serviço de leitor de livros ao já cego Jorge Luís Borges (que você sabe quem é); e que morou em vários países e, em cada mudança, carregava uma biblioteca de 35 mil exemplares, daí o título do livro.
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O livro compõem-se de elegias (um texto poético melancólico) e
digressões/reflexões sobre livros e eventos correlatos. Comecei a ler, mais por
obrigação.
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Três meses depois (o livro andou comigo em salas de espera de
consultórios médicos, em reuniões maçantes, até mesmo aqui em casa, tentando me
enfadar para agarrar no sono), acabei de ler e não descobri porque a professora
me passou este dever de casa.
Talvez ela não soubesse que sou um leitor rude que precisa
soletrar para entender palavras compridas, talvez achasse que eu merecia um bom
castigo por viver cercado de livros bancando intelectual sem o ser
Mas já que naveguei nos mares, trago para você que é teimoso e
ainda me segue, algumas especiarias das Índias (fora do contexto, o qual você pode
criar na imaginação ou eu teria que reescrever o livro todo aqui). Algumas das especiarias que me agradaram, nas quais Manguel se pareceu, a meu ver, com Saracura:
“Um homem não teria o menor prazer em descobrir todas as
belezas do universo, mesmo do céu, a menos que tivesse um parceiro com quem
compartilhar suas alegrias.” (Página 8).
“Quando a Mona Lisa foi roubada do Louvre em 1911, multidões foram contemplar o espaço vazio com os quatro pinos que sustentavam o quadro, como se a ausência estivesse impregnada de sentido. De pé na minha biblioteca vazia senti o peso dessa ausência num grau quase insuportável.” (Página 14).
“Eu tinha nas estantes dezenas de livros muitos ruins que eu
não jogava fora, caso algum dia precisasse de um exemplo de livro de má
qualidade.” (Página 15).
“Se eu desejava que alguém lesse determinado livro, que havia
em minha biblioteca, eu comprava um exemplar e o oferecia como presente. Emprestar
um livro significa incitar o roubo.” (Página 15).
“Por mais que seja minha intenção inicial de ler ou de escrever
algo, me perco no caminho. Para admirar uma citação ou ouvir uma historinha; distraio-me
com questões que não têm nada a ver com meu propósito, sou carregado por um
fluxo de associação de ideias.” (Página 17).
“Desejo a materialidade das coisas verbais, a sólida presença
do livro, seu formato, tamanho e textura. Compreendo a conveniência dos livros
imateriais e a importância deles na sociedade do século XXI, mas para mim eles
equivalem a relações platônicas.” (Página 24).
“Apertos de mão e abraços, debates acadêmicos e esportes de contato, nunca são suficientes para romper nossa convicção de individualidade. Nosso corpo é uma burca que nos protege do resto da humanidade. E não há necessidade alguma de que Simeão Estilita, o antigo, suba no topo de uma coluna no deserto para se sentir isolado de seus semelhantes. Estamos condenados à singularidade.” (Página 25).
“A busca pelos outros - enviando mensagens falando pelo skipe
ou procurando parceiros para jogar - estabelece nossa própria identidade. Somos
ou nos tornamos porque alguém reconhece nossa presença. Ser é ser percebido.”
(Página 29).
“Bradbury explica que teve o primeiro vislumbre do pavoroso
mundo de Fahrenheit51 no começo da década de 1950, ao ver um casal caminhando
de mãos dadas numa calçada de Los Ângeles: cada um ouvia um rádio portátil. (Página
37).
“Se vale a pena fazer alguma coisa, vale a pena fazê-la mal.” (Chesterton, página 170).
Especiaria sem nada a ver com o que faço.
***
(por Antônio FJ Saracura, em Aracaju, 02 de outubro de 2023)
Nota:
Alberto Manguel é escritor, tradutor, ensaísta e editor
argentino, nascido em 1948, Buenos Aires. Atualmente é cidadão canadense. Autor
de vários livros de não-ficção e análise literária, a maioria deles em inglês.
Prêmios: Alfonso Reyes International Prize, Bolsa Guggenheim para Artes
Criativas, Estados Unidos e Canadá, Prix Formentor.
Li (trechos) na ASL em 01/04/2024.
ResponderExcluirSaiu publicado no Gazeta News em 12/04/2024
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