O LUGAR QUE SÓ NÓS CONHECEMOS, Saulo Bispo, Artner, 2021,42p,
Ilustrações pelo próprio autor, isbn 978-65-88-562-10-9
Saulo
Bispo tem todo o direito de ficar triste, decepcionado.
Escreve
um livro com extremo zelo. Prosa poética alucinante, trama urdida com
originalidade, lições de vida transparentes... Curtinho, somente 42 páginas
ilustradas cada uma com desenhos integrados ao texto. Em uma hora, qualquer
pessoa lê e entende (porque é tudo dito com clareza) e sairá batendo palmas,
queixando-se de si mesmo porque não lera antes.
Mesmo
assim, “O Lugar que só nós conhecemos” jaz esquecido na estante da sala, na
gaveta da professora, no meio de tulhas de livros comuns.
Que
autor não ficaria triste?
***
Três crianças, Georges, Mauricio e Ariel, no bairro da Torre na mitológica Itabaiana, em uma tarde de sol amarelado, estão brincando de procurar tesouros de pirata em um terreno arenoso perto de suas casas. Tem a ver com a genética do povo que sempre está, desde criança, buscando as minas de prata escondidas por Belchior ou as de ouro no mundo todo. E um deles acha uma moeda antiga enterrada.
Os
três começam a sonhar...
Comprarão,
nas vendas que estão em todo o bairro, um doce de leite de três pedaços, um
sorvete de uva de três lambidas, um pão com mortadela que desse duas mordidas
para cada um deles...
Então,
se lembram da casinha de calçada vermelha, onde habita uma senhorinha conhecida
por dona Anita, e que fica atrás da bodega da esquina. Eles nunca haviam ido lá,
mas outros meninos, que tinham mais dinheiro, compravam na casinha, coisinhas de brincar:
máscaras de pirata, estátua de cão, aranhas de borracha, passarinho que bica
flor... Talvez a moeda do pirata desse para comprar uma coisinha dessas para
cada um!
Batem à porta de dona Anita e são expulsos, ela hoje não está para ninguém. Todos temos problemas. Depois, arrependida, dona Anita os chama de volta e olha a moeda.
E a moeda do pirata é a chave de acesso a um parque de diversões que os meninos sequer imaginaram haver ali. Dona Anita era uma maga poderosa.
Eles brincaram e se divertiram tanto que perderam a noção do tempo. Roda gigante, trivolins, barraca de lanches saborosos, sorvetes de uva com cinco lambidas para cada um... Até Georges conseguiu manter em segredo a alça de sua chinela que se arrebentou sem que ninguém percebesse e caísse na risada.
Ao
saírem saltitantes e contentes, cada um ganhou um presente de dona Anita. E
todos tinham histórias a contar aos amigos, à família, aos desconhecidos, pelo
resto da vida.
Gostaram
tanto que quiseram retornar depois. Até acharam outra moeda de pirata ao acaso,
em um dia de sol bem amarelo. Quiçá a moeda fosse capaz de destravar a alavanca que dava a partida
para a viagem da fantasia.
Bateram
à porta de dona Anita, mas não havia ninguém em casa.
Talvez
já não fossem mais tão crianças.
***
E
Saulo Bispo conclui seu belo poema assim:
“Quanto
mais os anos passavam, crescia a lembrança carinhosa daquele lugar que só eles
conheciam.”
***
Eu também sou Georges, Mauricio e Ariel.
Todos nós adultos atribulados somos.
Todos, certamente, tivemos, pelo menos, em um momento mágico no tempo de criança.
Basta-nos querer lembrar.
***
O
escritor, professor, pintor, autor das gravuras do livro, Saulo Bispo, nos deu
um presente raro.
O
livro serve para todas as idades. Adultos devem ler também. Uma pessoa não
precisa ser grande para ser boa. Um livro também.
(Por
Antônio FJ Saracura, escrito em setembro de 2023).
Nota de um tempo depois.
Saulo está muito alegre com o sucesso de seu livro, deslanchou de uma hora para outra, escolas o adotam, crianças reconhecem o autor na cidade e correm abraçá-lo.
Publicado em 19/04/2024 na Gazeta Livre
ResponderExcluirLido na ASL em primeiro semestre 2024
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