CHÃO EM CHAMAS, Juan
Rulfo,Edibolso, 2015, tradução de Eric Nepomuceno,174 páginas,
Isbn978-85-7799-461-8
Li “Chão e Chamas” um ano atrás e
abandonei no terceiro ou quarto conto, achei cansativo, me fazia cochilar. Um
mundo de pobreza imensa, de azar maior ainda (se é possível haver). Imbecis,
aproveitadores, gente ruim, malvada... O livro não me fazia bem.
Para rever uma imagem que não me
saía da cabeça, “um cara seco, chegando em uma vila fodida, onde não havia
vivalma”, retomei emprestado o livro a Expedito (ele é o dono), porque “Pedro
Páramo” (que era o que eu queria ler), onde imaginei que a imagem habitava, sumiu da minha pequena biblioteca, como sumiram misteriosamente
outros dos quais tenho grande ciúme.
Passei os olhos no primeiro conto, ”E
nos deram essa terra”. Um pedaço da imagem que eu buscava revelou-se: “quatro
homens, a pé, atravessam o chapadão inóspito em busca de um povoado, que ficava além. Um
lugar seco, pedregoso, sem vegetação e muito quente. Até um pingo de água avulso
fazia sucesso. Nenhum dos quatro falava. “Aqui a gente fala, e as palavras ficam
quentes dentro da boca por causa do calor que faz lá fora, e vão se ressecando
na língua até a gente ficar sem fôlego.”.
Era a imagem que eu buscava, então, poderia para a leitura.
Mas avancei. Pulei a “Colina das Comadres” e parei em “É
que somos muito pobres”. Reconheci-o da primeira leitura mas fui até o final.
Gostei demais! Quase que sou levado pela enchente do rio, embolado “no meio
daquela água negra e dura feito terra corrediça.” E chorei com a menina Sacha, a perda da
vaquinha, sua garantia de um futuro mais digno (dote de casamento); pela minha “face
correram (também) fiozinhos de água suja como se o rio tivesse entrado dentro
de mim.” E fiquei de boca aberta, vendo “os dois peitinhos de Sacha se movendo para
cima e para baixo, sem parar, como se de repente inchassem para começar a
trabalhar pela sua perdição.”
O ”4. O Homem”, nem precisei
reler todo, pois veio à minha mente cada segmento triste. O que não se esconde sob
a bondade pode ser maldade pura!
Pulei páginas e parei em “12.Passo
do Norte”. E encontrei aquele sonho que ponteia em "Pássaros do Entardecer": busca de um bom lugar pra viver, ou a fuga do lugar comum. Esse lugar aqui era
após a fronteira com os EUA, onde o carrasco mata sem julgamento ou dó. Por que
os filhos (alguns) acham que os pais devem protegê-los eternamente? Comi bredo
cozido e fui buscar Tránsito, a esposa que não valia um tostão furado.
E na sequência, li “13.Lembre-se”. Pequeno e genial. No preâmbulo, a vida de uma família ou lugarejo (sempre
trágica) com todos os seus ingredientes sujos e temperos ácidos.
“14. Você não escuta os cães
latir” é econômico, profundo... uma escrita agradável mas cheia de mágoas. Tonaya que ficava logos após o monte (como Alvide
(de Cabo Josino) tomou chá
de sumiço. O pobre pai tenta salvar o filho indigno e este, carregado na cacunda
do velho, não consegue ouvir o latido do dos cães. Isso era muito mais fácil do que subir e descer serra com aquele peso nas costas.
Parei a leitura de “15 O dia do
desmoronamento”, quando o narrador (seria Meliton) começou a recordar o longo
discurso do governador. O conto tem uma engenharia interessante mas precisava
ser mais ágil.
“16.A herança de Matilde
Arcángel” como os demais, há capricho na escrita. Aqui, um pai gordo menospreza um filho magrinho e
quem conta a história é o padrinho do magrinho, que foi apaixonado pela mãe (atual
esposa do gordo) no tempo de solteiro. Quando menina, a mãe “se infiltrava como
água no meio de todos nós”. E, de uma hora para outra, virou moça e assumiu “um
olhar de semissonho que cavoucava pregando-se dentro da gente como um prego que
dá muito trabalho para desapregar”. O autor é um fissurado polidor de palavras
e de imagens.
O "17. Anacleto Marones" se
arrasta mas não solta o leitor, que quer saber o que essas dez mulheres foram buscar
com Lucas Lucatero, um vaso torto que mora em um fim do mundo. E Lucas vai
postergando com tramoias porque não se interessa em atendê-las. Cada uma vai
sendo “expulsa” e, já noite, fica Francisca, que tem um bigode de Pancho Vila. Ele
é pilantra mas nem chega aos pés do Santo Menino (Anacleto Marones), um João de
Deus das Minas Gerais, papador de devotas e de crianças.
São 17 contos com frases bem
formadas e encadeamento do enredo elogiável. Mas um tanto monótonos, como se o
autor os alisou tanto que nublou a espontaneidade. Há um mistério na escrita de
Juan... Até os diálogos alegres parecem com tristes monólogos; vitórias têm sabor
de derrota; em cada curva há um morto. A escrita soa como voz tenebrosa em caverna escura socada em selva e habitada por morcegos e aranhas antropófagas. Dá medo, mas são bons!
(Aracaju, 03 de abril de 2020,
Antônio FJ Saracura).
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