“Logo aos 17 anos, o polonês
Joseph Conrad começava a sua carreira como marinheiro. E poucos anos depois,
partia rumo ao Congo, em nome de uma companhia de comércio Belga.
Lá, viveu na pele a realidade da
colonização, desde a crueldade obscena até a completa indiferença para com o
sofrimento alheio. E foi nesse ambiente, em meio à miséria e à doença, onde
conheceu com os próprios olhos o “Coração das Trevas”, o qual viria a retratar
magistralmente anos depois.[1].
O livro “O Coração das Trevas” é
um clássico da literatura universal e tem 120 páginas na edição especial da
Nova Fronteira.
Um marinheiro em uma escuna
encalhada no Tâmisa, enquanto espera que a maré suba, narra para uma roda de
colegas conquistas na marinha inglesa pelos mares do mundo. Os ouvintes
entediados estão quase a dormir, pois a noite chega e a escuridão toma tudo em
volta.
Então, Morlow, um dos ouvintes,
toma-lhe a palavra, acorda a plateia e conta a sua própria história, vivida no
coração da África. “Sempre fui marinheiro do mar e aceitei este emprego
na África porque era um tempo de emprego difícil e eu não aguentava
mais esperar o navio que nunca ficava pronto e nem a promessa de emprego no mar
que não se concretizava. A companhia holandesa que me contratou
precisava de um capitão para conduzir um vapor no Rio Congo, região onde
explorava riquezas. Eu sabia que os civilizados saqueavam o continente
negro, matando e escravizando nativos, roubando tudo de valor sobre a terra e
embaixo dela.”
Quando cheguei na África
encontrei meu vapor afundado. Precisava fazê-lo submergir e o reparar. No
entreposto da companhia, enquanto fazia o serviço, o clima era ruim demais,
ninguém confiava em ninguém. Escravos e nativos eram degolados à revelia. Os
líderes se digladiavam na surdina ou abertamente. Tive a sensação que entrara
em uma briga no escuro, com inimigos por todo lado.
A primeira missão (o vapor
finalmente ficou pronto) foi para resgatar um missionário-colonizador da
Companhia dona do navio, o doutor Kurtz, que sumira na selva, não prestava
contas à companhia e agia como um Messias. Um grupo de selvagens fanáticos e
sanguinários o seguia cegamente. A informação que se tinha era de que o doutor
acumulara imensa riqueza em marfim (o ouro de então) e que estava muito
enfermo, corria risco de vida.”
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O vapor mal reconstruído penetra
pelo rio no coração da África para cumprir a missão. O clima em volta e nos
portos é de suspense, de desgraça anunciada. Eventos surreais, assombrosos. Uma
imensa Treblinka é pintada por cegos e os pincéis são cabeças decepadas.
A trama do romance não é linear.
Não é clara no rumo e nem das conexões de pontos, que se soltam e se prendem
incessantes. Surgem fatos aparentemente sem lógica que assombram. Não há
mocinhos. Seres se debatem sem liderança em uma terra de ninguém. O leitor se
revolta, se indigna, sente-se vítima dessa absurda insegurança. Dá-lhe uma
impaciência, uma agonia, uma tristeza... “Um terror, um terror” conforme o
missionário enfermo, finalmente resgatado, pronuncia ao morrer.
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E eu me pergunto: como
Francis Coppola extraiu o monumental filme “Apocalipse Now” deste pequeno
romance de Joseph Conrad?
Assisti agora, no youtube, o
trailer para relembrar e penso que “O Coração das Trevas” entrou com o clima
insustentável, o alopramento dos seres humanos, o pouco caso à vida, a
insensatez dos atos, a horrenda rapacidade branca contra as demais raças.
No livro de Conrad, os povos
africanos são massacrados e no filme de Coppola, são asiáticos do
Vietnam, em guerra com os Estados Unidos. A selva africana naquele, são
neste as selvas asiáticas onde se esconde o Kutz de então. O horror
do romance tomou conta do filme, e de quem ler o primeiro e assiste o
segundo.
Os senhores da vida nos dois
momentos flagrados são eternos, e jamais morrerão, estão dentro de cada um de
nós aguardando o momento para agir.
Aracaju, 2023fev06, Antônio FJ
Saracura.
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[1] Texto colado do “Clube de
Literatura Clássica” e publicado no Facebook.
Publicado no jornal Zona Livre em 02/08/2024
ResponderExcluirLi na ASL em agosto 2024.
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