SERGIPE UM ROTEIRO TURÍSTICO, HISTÓRICO E CULTURAL, Amâncio
Cardoso, 2022, Artner Editora, Aracaju, 136 páginas, isbn 978-65-88652-53-6.
A editora Infographics sempre disponibiliza livros para suprir a Geloteca que a Academia Itabaianense de Letras mantem no shopping Peixoto em Itabaiana. São sobras de edições que poderiam ser enviadas para a reciclagem, escaparam à encomenda. As gelotecas (outras também recebem) oferecem literatura à base de troca livre com leitores dispersos. O leitor leva um e paga com outro livro (se quiser) para que a corrente persista. Assim, ajuda a circular o sangue das sabedorias e dá vida ao nosso ser cultural. Há várias instaladas em outras cidades e em escolas, quase sempre construídas a partir de sucatas de geladeiras, daí, talvez, o prenome Gelo... e que são, na sua maioria, construídas fornecidas pela Infographics Editora, uma fábrica de livros de Aracaju.
Antes de levar a última remessa de
livros para Geloteca da AIL, olhei as capas (como sempre faço) e, curioso,
bispei o conteúdo de alguns, menos os de minha autoria e os já lidos, que
seguiram livres. Tenho me batido, nessas olhadas, com joias, como esta,
“Sergipe um roteiro turístico...” de Amâncio Macedo.
Não resisti e o retive comigo para ler. Paguei o "empréstimo" com um livro de minha autoria, mas agora vi que paguei muito pouco pelo Roteiro... que é um consistente e rico, sem empolgação, expondo informações técnicas garantidas por bibliografia informada.
Talvez a obra não cubra todo o universo
desse Sergipe turístico, histórico e cultural, mas traz muito mais do que
esperei achar.
Vai do conceito de Sergipanidade a uma
ilha perdida na boca do Vaza Varris, chamada de Mem de Sá. O miolo é um lugar
imenso que nos orgulha e encanta. Meio abandonado aqui e ali: ouro jogado, mas
mesmo assim grande, muito maior do que sua terra e seu céu:
A Grota do Angico onde Lampião morreu; as farinhadas, que encheram minha infância de raspa de mandioca; o gado, que
tangi e chamei nas lidas do sítio Saracura; a banca de cordel do ceboleiro João
Firmino; o misterioso Inácio Barbosa, de quem nem fotografia há, e que morreu
talvez envenenado por arsênico, conforme consta no “Cotinguibeiro”, coluna
do Diário de Pernambuco, publicada em 08 e outubro de 1855.
A Praia formosa ou 13 de julho que
a cidade engoliu, com ruas escorregadias e lamacentas, como “Caga de Pé” que
hoje é Raimundo Fonseca e “cu tapado” que hoje se chama José Sotero.
Eu revi as gestas, quase apagadas
dentro de mim: cantei a do Boi Epitácio, a do Rabicho da Geralda... Do Boi
Surubim recolhi esparsos fragmentos, mas a saboreei, mesmo assim. E chorei
com o conto “A mágoa do Vaqueiro”, do escritor maruinense Alberto Deodado,
incluído no livro "Canaviais" publicado em 1922, e com o qual nunca me bati,
mesmo tendo o tino de caçador de livros raros. Com a gesta, varei as matas de
Gararu, atrás de Pintadinho, boi enfeitiçado pela velha Lauriana. Quase me
estropiei como os outros onze vaqueiros cearenses já haviam se estropiado. Fui o
sétimo contratado pelo coronel Rocha e sou daqui mesmo dos campos sergipanos.
Dei novo fogo à surreal caçada, na qual falávamos o nome do boi em voz baixa,
com medo da mandinga de Lauriana pegar na gente.
E o Batistão, que foi feito em meu
tempo... nem mais me lembrava de que possuía dez salas de aula para atender
1.200 alunos, em três turnos, o ensino focado no esporte, estavam ao lado
de um parque esportivo espetacular. Já há bom tempo, as ditas
salas acomodam sedes de federações esportivas e delegacia policial.
Brefácias e Burundangas de Carvalho
Deda sempre me encantou, mas a Festa do Barricão nem tanto. Homens malvados iam às casas onde moravam moças idosas e virgens para as constranger. Um dos
mascarados, dentro de uma barrica, recitava versos alusivos ao celibato, que eram
respondidos em coro, ao som de uma sanfona e de um reco-reco, pelo alucinado séquito.
Eu, no lugar da moça donzela, metia bala nessa corja. Quem tem a ver com minha
má sorte um bom azar em não arrumar marido, que é o que mais quero na
vida?
E o poeta trovador itabaianense João
Canário, meu Deus!
Cego, negro, cantador de feira que tinha
desgosto de não saber tocar viola, ralava um querequexé de fraldes para marcar
sua cantiga. Então, o moleque Caboco Liso, os olhos de João, recolhia as
propinas dadas embolsando uma parte. João morreu na miséria, mas hoje é patrono
cadeira 11 da Academia Itabaianense de Letras cujo ocupante é o prolífero
escritor Carlos Mendonça, especialista em biografias, romances picarescos e tem
alentada obra sobre nossa terra.
Praia dos Náufragos na orla sergipana... mentes mal iluminadas da área de turismo veicularam em folhetos que o nome se deve a naufrágio corrido em 1907. Os 551 náufragos mortos em 1942 no afundamento de navios pelo submarino alemão U-507, atingidos em sua memória, levantaram-se das tumbas e protestaram.
(Todos olhamos para o
velho cemitério do Robalo, silencioso. Os mortos não moravam mais lá (página
105)).
O autor usa palavras boas que formam
imagens que me encheram o peito de amor à minha terra que, para ser nossa mesmo,
precisou atropelar na época os próprios sergipanos batizados na Bahia.
"SERGIPE UM ROTEIRO..." é um bom livro
para ler e para ter em casa. Mesmo que a casa seja um apartamento kitnete do
tamanho do meu.
(por Antônio FJ Saracura, Aracaju 26 de
junho de 2021).
Li na ASL em 24/10/2022
ResponderExcluirPublicado no jornal Zona Sul em 10/01/2023
ResponderExcluir