NÚMERO ZERO, Umberto Eco, Record,
2015, 207 páginas, isbn 978-85-01-10467-0
Tive a impressão de ter,
finalmente, entendido o motivo da bronca de Umberto Eco em Dan Brown, quando
foi publicado, dois anos atrás, “O Inferno”. Não sei onde guardei o recorte do
jornal ou o endereço do site (se é que li mesmo). Pareceram-me resquícios,
rebarbas de uma briga velha, vinda de livros anteriores, desde “O Código da
Vinci” e “O Pêndulo Foucault” e, agora, continuada. Umberto dizia que Dan teria
sido “irresponsável” ao apresentar no seu romance uma sociedade secreta
poderosa (Consórcio) ramificada em vários países. Dan não podia, não tinha
dados, a não ser que tivesse espionado os originais de Eco, ainda em
elaboração. Ou fosse adivinhão, como diriam no meu povoado de Itabaiana. Ou uma
improvável coincidência, dois raios caindo no mesmo lugar ao mesmo tempo.
É desalentador ao escritor (Eco)
ver seu grande segredo (trunfo) furado por outro (Dan) assim sem mais nem
menos. Teria, agora, que apresentar sua Stay-behind
(Gládio) como matéria requentada, ou rasgar seu romance. Optou pela primeira
hipótese.
Acabo de ler “Número Zero”, como
li “O Inferno”. Há uma linha de
coincidências em ambos por conta, obviamente, do poder onipresente e até certo
ponto absoluto do Consórcio e da Gládio. O livro de Eco, lido depois, pareceu
parcialmente inspirado no de Dan. Que injustiça para o professor de Alexandria!
“Número Zero” é um livro curto, mas
denso. Cada frase é um link para a cultura acumulada pelo romancista de “O Nome
da Rosa”, “Baudolino” e muitos outros. Cito dois exemplos, apenas para
ilustrar: “Na universidade as coisas andam ao contrário do mundo normal, não
são os filhos que odeiam os pais, mas os pais que odeiam os filhos (que
progridem).” “Quem quiser vencer deverá saber uma única coisa e não perder
tempo sabendo todas, o prazer da erudição é reservado aos perdedores.”
Eco analisa amiúde as
malandragens da imprensa. O jornal não foi feito para divulgar, mas para
encobrir notícias. Quando for de seu interesse. Sem omitir o fato crítico, cria
cortinas de fumaça para menosprezá-lo: uma manchete que prenda a atenção, futilidades
em volta, plantações de inutilidades. E não é isso que acontece no facebook,
nas redes sociais?
Quando o administrador se depara
com uma postagem que o agride, dispara dez postagens tapias, empurrando a
agressora ao fundo do fosso, fora da vista. E se ameaça cresce, há as armas de
defesa a serem ensarilhadas, entre aos quais, os dossiês. Concordo (quem não
concorda?) que um dossiê assusta até pela suspeita de que ele existe. A palavra
tem força própria, basta-se para apavorar a quem deve. E há quem melhor assuma
o perfil de construtor dessa bomba relógio, senão o jornal, senão a imprensa?
Nem um grande romancista, como
Eco, escapa ao ingrediente fatal para o sucesso de um livro: a sedução, a alcova
tórrida. Maia cai no papo de Collona: casa de campo, a alcova de praxe, o tempero
bem-vindo à árida leitura. E mesmo que não fosse tão árida assim!
E dentro do romance nasce,
cria-se e toma conta do romance original, outro romance, desta vez histórico ou
aparentado. Os últimos dias de Mussolini, no final da guerra e quarenta anos
depois dela. Bragadócio, o jornalista investigativo, morre esfaqueado. O Stay-behind ou o Gládio (se é que não
sejam a mesma sociedade secreta) ressurge das cinzas e age como agiu o
Consórcio em Dan Brown, sem medo de punir.
Eu pouco sabia sobre Mussolini. Ocupei-me,
em toda a vida, com Hitler e as atrocidades alemãs. Perdi muito, todos
perdemos. Pelo menos foi a impressão que retive após a leitura de “Número Zero”.
Mussolini tinha seu valor e não
poderia jamais ser relegado ao esquecimento.
xxx
Aqui eu posso falar sobre o que
quiser e não preciso, depois, me esconder em um local incógnito, pois “Sobre
Livros Lidos” é um ótimo esconderijo.
Quem lê as resenhas que construo?
Quem lê os livros que indico? Talvez nem os autores resenhados. “Olhando certos
livros, parece que nem os autores os leram.”
Se não leem os livros (sejam
autores ou não) quanto mais as resenhas sobre eles.
(por Antônio Saracura, 25 de
novembro de 2015)
De “Antônio Saracura sobre
livros lidos” para a Revista: Enforcadense de Literatura (Janeiro de 2020)
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