SUSSURROS DO MAÇACARÁ, Carlos Conceição, 2002, 128p, J. Andrade, sem isbn
Recebi um
telefonema de um desconhecido que queria falar-me sobre um livro de minha
autoria que lhe caíra nas mãos. Tinha algumas restrições ao meu texto. O encontro teria
que ser em sua casa, no Siqueira Campos. Deu-me o endereço. Como eu estava
curioso, marquei um horário (pela manhã) e fui lá.
Encontrei um
senhor alquebrado, de muita idade, sentado na pequena varanda da casa, tendo ao
lado numa cadeira de plástico, vazia, com uma pequena rachadura na base.
Esperava-me. Empurrei o portão apenas encostado e entrei, apertei sua mão.
Sentei-me na cadeira, mas tive o cuidado de manter um pé escorando o meu peso,
para o caso de querer-se partir.
Fiquei uma manhã
inteira conversando com o velho jornalista Carlito Conceição (este é o nome do
santo). Alertou-me dos deslizes, e contou-me uma grande aventura, sua vida. A
origem humílima, seu amor impossível, a inolvidável Maçacará. Falou da Curuba
de menino, da cidade do Carmo (Carmópolis) que o viu nascer. Vi-me um tupinambá
moleque, caçando passarinho, pegando preá, fazendo estrepolias... Sentado,
paciente, de boca aberta, estupefato muitas vezes. Horas, eu enxugava as
lágrimas, provocadas pela emoção que não conseguia conter. Horas, ele recitava
versos de extrema beleza, e eu pairava no ar como um beija flor. O poeta lia
trechos de seu livro, que segurava junto ao meu em uma das mãos, encenando a
epopéia de um sergipano dono apenas de uma vontade inquebrantável de vencer e
de uma disposição férrea em ser correto. A mão livre revolteava no ar,
gesticulando golpes, traçando contornos, concretizando ilusões e sonhos.
Voltei à casa
com seu livro, “Sussurros do Maçacará” e feliz por ter conhecido uma alma rara,
agora com 94 anos, morando sozinho, cuidando se si próprio, jornalista
aposentado, poeta dos bons, diretor da ASI-Sergipe. Imortal pela Academia
Arapiraquense de Letras, que soube reconhecer o seu valor. Uma lucidez de
espantar! Uma lógica inquebrantável.
“Força do acaso,
numa tarde amena
Logo ao chegar,
na esquina da Avenida,
O destino –
maldoso e frio –
Rindo dos
destroços de minha vida
Atirou-me o
desafio (você)”.
Poderia estar aí
neste desafio, a redenção de um morador de rua, sem teto e baixa autoestima. Ao
contrário, a vida inteira os dois sofreram de amor. A querida Flora do
acróstico já se foi, vitimada pela solidão sem remédio, e o teimoso vate
persiste cantando seu amor impossível, agora mais ainda.
Seus poemas nascem no chão a seus pés, ganham o céu celebrando o amor que vasa de seu
coração. Suas crônicas, publicadas na imprensa por anos a fio, revelam um mar
encapelado, arrepiando o marasmo estabelecido. Seus contos descrevem as
encruzilhadas de uma vida maltratada, que ainda parece continuar sendo, depois
de tantos anos de guerra intensa.
(Texto
escrito em dez/2010)
Nota 01:
Um dia, logo
depois, Carlito convidou-me para ir à Arapiraca com ele, era seu aniversário ou
algo parecido. Fui e assisti uma sessão da academia de letras onde conheci alguns
imortais, colegas do poeta, com os quais ainda mantenho vínculos literários.
Nota 02:
Nunca mais me
encontrei com o poeta, mudou-se para outro bairro, foi morar com um filho,
precisava de cuidados especiais. Soube que publicou um novo livro de poemas,
que eu gostaria muito de ler.
Nota 03:
Hoje,
26 de setembro de 2016, recebi um telefonema do jornalista Clarêncio Martins
Fontes dando conta de que o poeta Carlito Conceição havia falecido. Estava em
um velatório da capital e o sepultamento se daria na cidade de Carmópolis, onde
nascera e da qual gostava tanto.
Saí
correndo, levar meu adeus ao grande jornalista e poeta.
Histórias de vida. Eu as adoro. Mesmo que também se refira ao seu desenlace, à morte.
ResponderExcluirBela homenagem, confrade.
Obrigado, Almeida.
ExcluirOlá Antônio!
ResponderExcluirMeu nome e Virgínia. Conheci muito o Carlito e o meu carinho por ele e imensurável.
Estive afastada por um tempo e não sabia da sua morte. Lamentável!
Tenho todas as obras de Carlito, inclusive sua autobiografia. Se lhe interessar, por favor entre em contato pelo telefone (79)9.9979-4030
Obrigada,
Virgínia