terça-feira, 25 de dezembro de 2018

POEMAS, Ismael Pereira

POEMAS, Ismael Pereira, 2018, Aracaju, J Andrade, 2018, 316 página 21 cm isbn 978-85-8253-295-9




Ismael faz uma festa inesquecível nos lançamentos de suas telas (exposições). Ele envia o convite individual, telefona em seguida, pode bater à nossa porta. Difunde nas redres sociais e nas mídias.  No dia do evento, recepciona com mil tapetes vermelhos cada um que aparece. E nos dias que seguem, agradece, um a um, pelo prestígio que diz ter usufruído com a nossa presença na festa. Isso é espetacular e me lembra os cursos de vendas que fiz na vida, que não dei importância e, talvez por isso, fracassei na arte de encantar o cliente.

Eu não pude ir ao lançamento do livro, Poemas, ocorrido outro dia. 


Obrigações acadêmicas em Itabaiana, nas comemorações do colégio Murilo Braga, que aniversaria em 29 de novembro, mantiveram-me, no mesmo horário, conduzindo uma sessão solene da Academia Itabaianense de Letras.

Mesmo faltando à festa de Ismael que eu fazia questão de participar e não pude, no dia seguinte, recebi de presente o livro com uma dedicatória, na qual, me chamava de dileto amigo e irmão. E compartilhamos um afetuoso abraço que me encheu de satisfação.

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Eu possuo uma fila amuada de livros esperando serem lidos. E outra fila de livros lidos aguardando que eu diga algo sobre os mesmos. A primeira, postada na estante à minha frente, na mira de minha vista levantada, e, a segunda, na estante atrás de minha cadeira, ao alcance de minha mão estirada. Ambas estão vigilantes o tempo todo, para que eu não as fure. Não sabem brigar, apenas zoam surdas preocupadas porque, cada vez, crescem mais.  

Tomando o lugar e as dores delas, juro que só quebrarei a ordem das filas, se o livro novo que chega for de um irmão, já que meus pais estão no céu. Graças a Deus pude mostrar a dedicatória feita por Ismael, na qual me chama de dileto irmão, que sinto ser também. Por isso, comecei a ler os poemas de Ismael e dizer as palavras soltas que se seguem.

Vi, por detrás de cada um dos poemas, uma tela plástica (gosto mais da palavra pintura) onde o pintor e o poeta mesclam (é a mesma pessoa abençoada) tons e sons dando vida a novos seres que embelezam o mundo em volta. Criam outra natureza que, na falta da feita por Deus cada vez mais depredada pelo bicho homem, encanta quase do mesmo jeito.  

Nem todas as pinturas que saem das mãos de pintores estão ao alcance de meu faro fraco de gué. Nem todos os poemas publicados pelos poetas do mundo dão para meu bico. E quando os dois se misturam nas 150 expressões da mais pura arte que um humano pode gerar, sinto-as escaparem pelos dedos, inapelavelmente. Como se eu estivesse correndo as galerias do museu do Louvre. Ou pulo telas imprescindíveis, ou nunca saio do lugar, vidrado em um da Vinci, um Delacroix, um Veronese, um Goya ou Reimbrant. A arte é inexplicável.  Acho que posso dizer aqui:  Ou as obras me encantam ou não as entendo apenas. Saio dos Poemas de Ismael como quem sai de uma exposição de obras de arte, que pode ser o Louvre, por exemplo. Encantado, e frustrado. Apenas um poema seria suficiente para meu encanto, mas foram muitos. Talvez apenas um que não pude sentir a alma me frustrasse, houve alguns.   

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O poeta Ismael espalhou na cidade que seus poemas continham erros que eu nem percebi. Erros de revisão, ele disse.  E eu cá, pensara, ao me bater com alguns apontados, que fossem toques mágicos da arte.

Já que são erros assumidos, posso também cometer. Vou enumerar alguns poemas que marcaram: Nada Restou (poucos fazem obras eternas); JInácio (paisagens celestiais); Último Sorriso (destino cruel); Aracaju Romântica (bom demais com Murilo Melins);Jogando Caxangá (zique zique zá remonta mundos sumidos);Musa (Izabel, Cida, Amélia, o que seria do poeta sem elas?); Rosas (já que podemos, por que não fazer a vida bela?); Saveiro (carregado de saudades, vai comigo também, rio acima e rio abaixo); Beco dos Cocos (apenas sufraguei momentos rápidos mas marcaram  minha vida), e outros muitos.

Finalizando...

Acho que Ismael percebeu, afinal, que jamais conseguiria pintar todas as telas de que gostaria e resolveu escrever poemas no lugar. Que meu leitor compre uma passagem e veja ele mesmo o que me encantou em Paris. Reserve todo o tempo que puder às galerias do Louvre ou aos Poemas de Ismael.

(por Antônio FJ Saracura, em 25 de dezembro de 2018)    

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

O ESCRAVO DO DIABO, Odair Silva


O ESCRAVO DO DIABO, Odair Silva, 2017,73 páginas, Lumia escritório de design gráfico, isbn 9 788555123863




Aos treze ou quatorze anos de idade, li, ruborizado, Menino de Engenho, de José Lins do Rego. A seguir, Jorge Amado (não lembro qual livro) pela primeira vez. Fiquei escandalizado. Cenas tórridas, trincando princípios de jamais pecar, por pensamentos palavras e obras. Especialmente contra a carne (nem sei bem por que). Eu era seminarista casto e procedia de um lar rude de agricultores, onde um nome feio pronunciado obrigava-nos a lavar a boca com sabão de soda. Os olhos e os ouvidos eram a porta aos cochichos do diabo, ao fogo do inferno.

Quando li Trópico de Câncer e Trópico de Capricórnio, de Henry Miller, fiquei perplexo: coisas impublicáveis compunham um romance e o mundo curvava-se a ele como uma obra de arte literária. Eu já havia saído do seminário e não tinha mais medo do inferno, mas zelava pela boa convivência com uma sociedade das aparências puras.
E mais tarde, quando li Cinquenta Tons das várias cores, mesmo já batizado nas pias do mundo erótico e, sendo um pecador condenado, meu queixo dobrou, minhas orelhas queimaram. Não apenas pela cenas tórridas nas quais me envolvi. Especialmente, pelas filas de jovens (meninas e meninos ainda na adolescência) que se formavam nas livrarias e bienais, comprando os livros de E. L. James. E também pelos cinemas lotados para assistir os filmes.  Também porque todos comentavam, com naturalidade, as intimidades profundas da alcova de Christian Grey e Anastasia Steele.

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O Escravo do Diabo é um livro de 93 páginas, e saiu de uma pena rude, e veio ao mundo em uma pequena cidade religiosa e que tem o nome de Nossa Senhora da Glória. Mas é um livro tão pecador quanto os citados acima, os mais cabeludos.

Odair Silva, o autor, parece não girar bem. Tem o rosto grosseiro, voz sussurrada, olhos perdidos longe. É agricultor, peão de fazenda, ganha salário mínimo cuidando de um magote de vacas, de uma pocilga, de um rebanho de cabras e de outras miudezas. Acidentalmente, por conta das terapias artísticas que os médicos lhe receitaram, Odair envolveu-se com um grupo de artistas, chamado Palácio das Artes, coordenado por uma tal de Aparecida, que vem a ser uma Nossa Senhora pelos milagres que vem operando.  

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Há alguns anos, 2013 ou 2014, tive a oportunidade de encontrar Odair Silva num desses eventos culturais dos quais participo na companhia de Domingos Pascoal de Melo, o semeador de literárias. Fiquei junto a Odair, rapidamente, quando saí de uma reunião morna para cuspir na rua. Pensei que ele fosse o vigia do espaço, e o olhei com olhos de arrependimento pelo ato medieval cometido. Conversamos um pouquinho, e corri ao meu carro, que estava estacionado a vinte passos, e dei-lhe “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, de minha autoria, o que muito duvido devido às surpresas que me causa a cada leitura que faço.

Aquele leão de chácara troncudo, cabeça de boi brigador, só faltou me abraçar.

A figura de Odair ficou gravada em minha mente, como um sonhador que publicaria um grande livro, o que me disse e fez-me acreditar, naquele fugar encontro acidental de cinco minutos.  

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Encontrei-o, agora, em 2018, em uma Feira Literária, em Nossa Senhora da Glória. Ele chegou no último dia e espalhou livrinhos avermelhados, envolvidos num plástico transparente, em uma mesa, lá no fundo do salão dos escritores. Eu estava de partida para Aracaju quando bati os olhos no dom quixote sertanejo. Atrasei a partida, ultrapassei outras mesinhas no caminho, e encostei no sitio de Odair. Nenhum comprador à vista. Peguei o livrinho, examinei-o. Capa bonita, título instigante. Proibido para menos de 16 anos.

Ele me reconheceu, arrodeou a mesinha como quem limpa uma cova de mandioca nova e apertou minha mão com força. Comprei um exemplar e fiquei observando-o garatujar o autografo, com palavras mal traçadas e em um dialeto basco, talvez. Pedi que me contasse a história do livro. Como conseguiu publicar, eu sabia que ele era paupérrimo. “Minha esposa, que é vice pastora da igreja, pagou 150 exemplares. Depois de me expulsar de casa, me amaldiçoar, voltou atrás e fez o que nunca esperei. Ela havia vendido um terreno e ia doar o dinheiro ao pastor da igreja. Tentei impedir, usei argumentos fortes, briguei. Não fizesse uma besteira dessas! Pelo nosso amor, pelos nossos filhos que, apesar de não serem meus, eu vinha criando como um pai zeloso. Deixasse, pelo menos, um pouquinho para fazer meu livro, que me faria famoso, talvez rico. Eu prometi (todo mundo promete coisas) comprar, como o lucro do livro, uma Hilux e, na qual, todo domingo, a levaria aos cultos, no luxo. Ela me expulsou de casa. Havia influências contra meu pleito. Mas eu abeirei, mandei recados, pedi de novo. Os filhos me ajudaram, surgiram influências favoráveis. Para minha surpresa, eu já estava desistindo, mandou me chamar e deu-me o dinheiro para fazer 300 livros. Eu recusei, não queria tanto assim. Ela me obrigou a receber, mas estabeleceu condições:  jamais trouxesse o livro para dentro de nossa casa (que era dela) e que seus filhos nunca na vida botassem os olhos nele.”

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Li o livro de Odair. Não entendo como a esposa (que estava certíssima) mudou de opinião e resolveu financiá-lo. Ou não acreditou no que as pessoas falavam do livro, ou preferiu fazer os gostos do marido (companheiro) para o bem dela, que amansou o cão perturbador,  e o nosso bem, que ganhamos um bom livro.

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A parteira olhou os colhões do bebê e falou que parecia um boi tourino. Recebeu uma mijada nos olhos. O pai de Martin, orgulhoso pelo filho macho, deu um tiro de bacamarte, matou dois porcos e ofereceu uma festa pros amigos. Pingou sete pingos de cachaça limpa da boca do anjinho e disse que estava batizado pra vida. Foi embora para Mata Grande, em Alagoas, levar a boa nova do nascimento e nunca mais retornou. A mãe esperou três anos, então se amigou com um traste pinguço, pé de balcão, espancador de mulher e de menino, chamado Zé Cacete, o diabo em pessoa. Depois que Zé se foi (tarde demais), arrumou outro traste igual, chamado João Grilo.

Com onze anos, Martin foi pra escola.  Recebeu empurrão e soltou o tapa. Pegou uma briga com a professora que demorou quase uma página inteira. Pegou castigo, pegou suspensão. João Grilo, o padrasto, desce o manguá no moleque, retalhando-o. Martin retornou a escola que o esperava vingativa. Socos, mordidas, pedradas. Briga com um ou com cem. Martin é uma metralhadora alemã. 

Ele não pode ter juízo,  todos dizem.   

Em 1991, com 16 anos, foi internado no Garcia Moreno (hospital de doido). Fugiu vestido de mulher ou morreria na mesa de suplícios.  Saiu pelo mundo e bateu-se com outros manicômios, na Bahia, em São Paulo. Rasgou o alvará que lhe concedia aposentadoria por insanidade, ameaçou de morte (e mataria mesmo) os familiares que queriam botar nele, de novo, uma camisa de força.

Ganha o mundo, vai ao inferno, vira lobisomem, faz um pacto com o diabo. Louvado seja o rei da escuridão! Queria fazer medo a gente ruim, ser rápido como o vento para escapar das malvadezas (talvez). É chamado de mestre Zé Pretinho das Encruzilhada. Deita com os mortos do cemitério para perder cheiro de gente. Vira lobisomem e sai, pela noite escura, aprontando terror. Invisível, dá tapa nas bundas de moçoilas e, como o vento, apaga os candeeiros acesos nas casas de família ou de diversão.  Forró, mulher, cachaça e assombração. Quem dorme com o diabo, apenas cochila.

Amigações, sexos acesos em devassa combustão. A história termina com a baiana, Isabel, cuja buc era uma torquesa e o ping, um martelo. A fama corria mundo. Zezé do Cavaquinho, o marido ocupado com os shows artísticos que fazia, deu a Martin (primo segundo ou terceiro), com 17 anos de perdição, a obrigação de cuidar da esposa. Isabel era uma urna de tesão prensada. Quarenta e cinco anos de solidão contida e de fantasias frustradas. Houve um estrondo no centro da terra, o vulcão explodiu. Lavas incandescentes cobriram cinco páginas de doce devassidão.

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O Escravo do Diabo é um livro surpreendente. O personagem principal, Martim que assume aqui e acolá a primeira pessoa, conta sua vida, suas alucinações, ou sei lá o que mais. Ora o narrador é um aluno de escola e tido como um estorvo. Ora, é o camelô Martin (vendia bijuterias e óculos ray-ban) que se encanta com os palácios de Simão Dias, sustentados nos ombros por negros esculpidos em pedra. Ora, é um devasso possuído pelo diabo, ou o próprio diabo em pessoa. Ora, um zeloso peão de fazenda.

Venha conhecer O Escravo do Diabo. Mas traga um crucifixo e um vidrinho de água benta. Todavia, deixe em casa, guardadas, as armas de defesa.

(Aracaju, 23 de dez de 2018, Antônio FJ Saracura).

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

O SILMARILLION, J. R. R. Tolkien,


O SILMARILLION, J. R. R. Tolkien, organizado por Christopher Tolkien (filho do autor),tradução de Valdêa Barcelos, 406 páginas, 5. Edição, 2011, São Paulo, WFM Martins Fontes.




Eu precisava ler Tolkien, que conhecia do filme O Senhor dos Anéis, mesmo mal assistindo. Na época, eu não tinha noção do poder imensurável da prosa do autor e da aceitação irrestrita de sua literatura. Assisti ao filme como a outro qualquer. Até enjoei, em trechos.

Na Bienal de São Paulo (2018) assisti a uma mesa de debates sobre Tolkien e Lewis. Acidentalmente. Eu vinha, com minha esposa, andando pelo corredor imenso em busca de um restaurante para fazer um lance. Moças de preto me seguraram e convidaram para entrar no auditório aberto à minha direita, que nem percebera. Havia uma plateia considerável, toda caracterizada: roupas escuras, chapéus de bicos às cabeças e cruz queimada nos peitos.


Uma hora arrebatado, quase sem respirar, sugando cada mensagem dos cinco palestrantes, jovens, apaixonados, senhores absolutos da obra dos mestres, Tolkien e Lewis. Saí com a determinação de ler Tolkien, furando fila, pulando outros grandes autores que me esperavam. E dar uma olhada em C. S. Lewis, pelo menos, em reconhecimento pela amizade que manteve a vida toda com Tolkien.
Após a Bienal, já em Aracaju, escrevi algumas linhas nas considerações sobre a Bienal de São Paulo, que transcrevo:
Entramos, curiosos. J. J. Tolkien e C. S. Lewis simplesmente desceram do céu e vieram apertar minha mão. Os cinco especialistas na obra desses magos conseguiram este feito espetacular. Na vasta linha do tempo sempre tem mais e mais. Amizade, Hobits, Elfos, Hurins, Anéis, varas, profundidade e detalhamento, provérbios, valores... Fantasia que faz pedras como eu pular no unicórnio e varar o mundo.”

Na livraria Escariz, em Aracaju, logo que pude, bati-me com as obras de Tolkien. Inebriado, hipnotizado. Ante uma constelação de reluzentes estrelas que ao mundo todo encanta, precisava escolher uma estrela para pousar, com minha nave peregrina. Silmarilion me pareceu a origem, a raiz mais profunda, a partir da qual, transitar na constelação ficaria mais maneiro.

O livro não foi publicado em vida do autor mas sempre esteve escrito desde o início. Serviu de base aos livros que Tolkien produziu pelos anos. Há um pouco de Silmarillion em toda obra, inclusive nos livros infantis. Foi organizado pelo filho Christopher e contém mais de 400 páginas de textos intensos, mapas das locações geográficas, glossário salvador, gramática sintética das línguas utilizadas ou referenciadas. O glossário consistiu na minha salvação, pois, sem ele, eu teria jogado o livro no mato logo.

Melkor aparece do nada, com dons e conhecimentos invejáveis. Carrega na cabeça a coroa de ferro do mal e causa estragos imensos por milhões de anos a fio, até ser dominado e preso sem nenhuma chance de escapar. Mas foi perdoado e voltou a aprontar. O pecador sempre desfruta de concessões que não compreendemos. E foi outra vez derrotado, mas antes, criou e treinou Sauron, poderoso preceptor, repleto de artimanhas, maldades e poderes, que causou dissidia e abusou da boa-fé dos bons. Menos maligno do que seu senhor, mas, nos anos posteriores, especialmente com a construção dos anéis do poder, causou estragos imensos a homens, elfos, anões e aos próprios Ainur, aos Valar e aos Maiar, que eram os imortais habitantes do mundo muito antigo. Estes morriam de morte matada apenas (kkk).

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Deparei-me com línguas estranhas, nomes de personagens que se confundem com raças, e raças (Elfs, Orcs, homens, anões...) que, de acordo com a época e a região, ganharam diferentes nomes que me confundiram até quase ao fim de livro. Guerras terríveis, primeiro entre o bem e mal, depois entre segmentos do próprio bem envolvendo até os abençoados de Ilúvatar (ou Eru), o Deus Pai. Cadeias de Montanhas, vales, rios, fozes, florestas, todos com múltiplos nomes, a cada momento. De acordo com as linguais faladas em cada região, em cada agrupamento. Aguente Saracura! Quem mandou meter-se com Tolkien, doutor em línguas primitivas da Oxford University?

Diante de tantas variáveis, a leitura corre devagar, com idas ao Glossário e ao Google, com retrocessos para espiar outra vez: que luz era aquela pela qual passei batido duas páginas atrás.

A cada frase, o autor nos surpreende com situações e pensamentos que poderiam, de afogadilho, ser tomadas por clichês, mas que se encaixam na drama, magnificamente. Toda escrita de Tolkien é minada de links para mais e mais mundos, significados. Como se em cada uma frase nascesse um novo romance. Não sei bem se para complicar ainda mais esta confusa resenha, mas há um poder superior que me manda nomear algumas dessas colocações. Que seja para o bem ou para o mal de meu conceito insignificante com o leitor.

“E Melkor disfarçou seus objetivos com astúcia, e nenhuma malignidade podia ser vislumbrada no semblante que ele apresentava.” (página 74).
“Amargo foi o preço pago pelos noldor (os elfos profundos), nos tempos que se seguiram, pela tolice de manter os ouvidos abertos.” (página 74).

“Abateu-se, assim, sobre Valinor (a terra dos valar (aqueles que tem poder) em Aman (o reino abençoado dos Valar)) uma grande escuridão. A luz desapareceu; mas a escuridão que se seguiu era mais do que a falta de luz.” (Página 85).

“Da bem aventurança e da alegria há pouco a se falar enquanto durar. Somente quando correm perigo ou são destruídas é que se transformam em poesia.” (página 110),

“Nesse momento, Gorlin (o infeliz, um dos doze companheiros de Balahir (pai de Berem que arrancou uma Silmarillion da cora de Morgoth) em Dorthonion (Terra dos Pinherios) teria recuado, mas, intimidado pelos olhos de Sauron, contou tudo que ele queria saber.” (Página 204).

“Sauron forjou anéis do poder, e guardou para si o Um, que lhe dava o poder de perceber tudo o que era feito pelos anéis subalternos, e ler e controlar até mesmo os pensamentos daqueles que os usavam. E os anéis subalternos foram entregues (Sauron os obrigou receber) assim: sete aos anões que finalmente eram um grande povo; aos homens deu nove. E o grande olho mau controlou o mundo?” (Página 388).

“Ao homens a chegarem chocaram os elfos pelo jeito estranho do agir: se armavam e se matavam uns aos outros por motivos insignificantes; Ficou fácil para Sauron ou para aqueles que que ele recrutara para si. Percorriam a Terra, instigando um homem contra o outro. Assim, o povo murmurava contra o Rei e contra os senhores ou contra qualquer um que tivesse algo que eles não possuíssem. E os homens dotados de poder se vingavam com crueldade.” (página 349).

“O rei Felagund (o senhor das cavernas) soube dos homens de Beor (O velho, chefe dos primeiros homens a entrar em Beleriand) e assim falou: homens derrubam árvores e caçam animais. Portando não somos seus amigos. Se não quiserem partir, nós os atormentaremos de todas as maneiras.” (página 176).

Os humanos viviam apenas 400 anos, o que era um nada ante o que viviam os elfos, que eram eternos. E os humanos sentiram que isso era uma injustiça. Iluvatar criou uma terra de morte rápida e felicidade escassa para os homens, diziam. E eles foram reclamar ao Rei, que os criticou: 

"Vocês são felizes por isso. Podem viver intensamente, aproveitar ao máximo o pouco que lhes sobra da vida. Não se acomodam na eternidade que se transforma em monotonia. Se fossem imortais vocês murchariam, se cansariam mais cedo, como mariposas numa luz muito forte e constante.” (Páginas 336 e 337). 

Algumas vezes na vida, eu fiquei pensando em pessoas que conheci ou ouvi falar que encantaram a todos pelo que fez em vida, achava que elas deveriam ser eternas. Pelo menos, podiam ter uma vida longa. Uma pena terem morrido tão cedo, como Luiz Antônio Barreto, Pedrinho dos Santos. Só para citar duas recentes perdas.

“Portanto, em tempos posteriores, fossem com as viagens marítimas, fossem com as tradições e conhecimentos dos astros, os reis dos homens souberam com efeito que o mundo se arredondara (rota curva) e que, mesmo assim, aos elfos (criatura mística da mitologia nórdica e céltica, o povo das estrelas ) era permitido ir e retornar a Avalonè (porto da cidade dos eldar em Tol Eresseae, a Ilha solitária) se quisessem... Uma rota plana deveria ainda existir para aqueles a quem era permitido encontrá-la. Marinheiros perdidos entraram nessa rota plana (proibida aos homens) por uma sina ou por concessão dos Valar, e viam a superfície do mundo sumir abaixo deles. Antes de morrer, contemplaram a Montanha Branca, bela e terrível.” (página 359).

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Mesmo narrando a vida em milhões de anos, o livro tem personagens que estão presentes da primeira à última página, como Ilúvatar (O maior de todos), ou como Ulmo (o senhor das águas, o rei do mar), Melkor (o mal maior), Sauron (o secretário das ruindades)... E tantos outros que não me cabe aqui citar para não espantar um provável leitor.

Apesar de Simarillion ser cansativo em extensos trechos, gostei de ter lido O Silmarillion, foi como ter convivida com os seres que não eram ainda nem gente nem peixes nem nada, apenas uma gosma cósmica. Senti-o um pouco como o Gênesis, do velho Testamento. Entretanto, bem mais estendido.

Nem mal acabei Silmarillion, comecei Reverandom, uma fábula infantil, também de autoria de Tolkien. Já que não posso passar um mês na praia em “Filey”, preciso de um refrigério.

Você se lembram dos bonequinhos do jornal O Globo (?) que avaliavam os filmes? O Silmarillion recebe dois bonecos; um sentado cochilando e outro vibrando de pé.

Antônio Saracura, Aracaju, 30 de novembro de 2018)