sábado, 30 de janeiro de 2021

OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES

 OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES/ A MENINA QUE BRINCAVA COM FOGO/ A RAINHA DO CASTELO DE AR, Stieg Larson, coleção Milenium, Edição econômica da Companhia das Letras,2009.


Quando me dispus a escrever resenhas dos livros lidos (para informar outros leitores e prestigiar autores) pensei em apenas escrever sobre livros sergipanos e os brasileiros especiais.

Que autor de fora iria ler meus textos, se nem os sergipanos liam?

Mas como resistir a um livro bom, seja de onde for? E assim fui abrindo a guarda. E hoje escrevo sobre os livros de que gosto, seja de onde for. Mas uma resenha leva quase o tempo da leitura e há em casa uma fila de livros esperando. E eu gosto muito mais de ler do que de escrever. Então sempre haverá bons livros “esquecidos”, esperando a resenha que jamais farei.

Sobre livros estrangeiros... 

Quando um livro desses chega até nós vêm forrado de marketing, elogiado, endeusado. E minha resenha, mesmo que influencie algum leitor a comprar o livro, pouco mexe nos milhões de exemplares vendidos. Se eu escrevo sobre ele é porque não consegui “esquecê-lo” de jeito nenhum. ***

Retornando à coleção Milenium (Os homens que não amavam as mulheres/ A menina que brincava com fogo/ A rainha do castelo de ar)...

Como um espaço pequeno pode acomodar notas sobre três livros, três parrudos livros, cada um com cerca de 600 páginas?

Os três livros são espetaculares. Têm ação, suspense, terror. Ritmo alucinante. Adrenalina absoluta. Não sinto pejo em sair gritando pelas ruas da intelectualidade, o meu sentimento. Como eu fazia, em adolescente, ao sair do cinema “Pálace”, após assistir a um filme muito bom, correndo o risco de ser chamado de doido. Como fui algumas vezes por convidar desconhecidos na rua João Pessoa para a próxima sessão que ia começar.

O autor (Stieg Larsson) faleceu ao concluir o último livro desta trilogia. Era jornalista e ativista político. Suas reportagens denunciavam organizações neofacistas e racistas que atuavam (e ainda atuam) no seu país e na Europa. Recebeu ameaças de morte, mas morreu de morte morrida (ataque cardíaco), aos 54 anos, no meio da escada escura (faltou energia naquela noite) do prédio onde morava. 

Os seus três livros serão lidos por todos que experimentarem as primeiras linhas. Como se fossem um livro curtinho. Impossível abandoná-los. 

Eu me entristecia ao perceber as folhas se esgotando, chegando ao fim de cada tomo. E estancava melancólico, tentando economizar a leitura. Retrocedia capítulos, para sentir por mais tempo a grandiosidade do enredo manobrando ricos e bem definidos personagens, do bem e do mal. Narrativa ágil, surpreendente. Parte de mim queria ver logo o desenlace de cada trama, e a outra parte, embevecer-se mais um pouco com o que acontecia agora aqui.

Jamais esquecerei Lisbeth Salander. 

“Larson é o grande noir da Suécia e Lisbeth Salander, uma heroína diferente de todas as outras. O clímax é um festim sangrento” (The Times).

Outro autor sueco, David Lagercrantz, está publicando romances em continuação, enriquecendo a série “Milenium”. Aqui em casa (minha esposa os devora sôfrega) temos os três já publicados: “A garota na teia de aranha”, “O homem que buscava sua sombra” e “A garota marcada para morrer”.

“São bons demais!”, Cida grita lá da sala em resposta à pergunta que lhe fiz.

***

E tem gente que nem abre um livro! Nem entra numa exposição de obras de arte! Passa pela beira do rio Sergipe e nem consegue ver, lá do outro lado, a Barra dos Coqueiros tremeluzindo! Ou sequer percebe o rio fluindo.

Muita gente nem vai ligar se o apartamento onde Lisbeth Salander está escondida foi localizado e arrombado pelo tutor pedófilo.

 É possível uma coisa dessas?

(Aracaju, fevereiro de 2010, Antônio FJ Saracura, recuperada em janeiro de 2021, na pandemia do Corona).

 



 


domingo, 10 de janeiro de 2021

TERRA VERMELHA, um filme

 

TERRA VERMELHA, um filme perdido no meio de livros, diretor Marco Bechis, elenco: Leonardo Medeiros e outros, Brasil, 2008.

 

 


Apesar do aviso de que havia legendas no filme, elas não apareceram hora nenhuma. Todas as falas foram em tupi-guarani, que não entendo. Compreendi por suposições, e óbvio, com risco de erro de interpretação.

 E entendi assim:

Índios civilizados, ainda protegidos pela Funai ausente (a não ser nas placas gastas e em burocratas alheios), por conta das condições desfavoráveis da vida, sentem o clamor dos antepassados exigindo o sagrado direito de ir e vir. E o de exigir de volta suas terras, patrimônio natural que, a cada dia, é mais e mais descaracterizado e bloqueado a eles. 

As duas indiazinhas encontradas enforcadas na floresta-mãe (uma nesga apenas ainda respirando o passado), como o maracá silenciado (para se comunicar com o além), como o serviço-escravo oferecido nas fazendas, como a dificuldade cada vez maior em adquirir o alimento, são vozes que acordam o povo morto.

E um grupo pequeno de índios leva a sério estas vozes agoniadas (graças a Deus ainda ficou preservada a fala a seus mortos) migra para as margens de uma mata fechada, ao lado de estrada de alto tráfego. Entretanto, um campo de terra arada interpõe-se, barra-lhe o acesso à mata. O dono da fazenda começara a derrubada. 

Ao perceber o povo estranho abeirando, o fazendeiro destaca um guarda armado, para impedir acesso à sua propriedade. 

Essas e outras cenas mostradas pelo filme são imagens dolorosas da invasão inexorável do progresso (bom em muitos aspectos) e da perda progressiva de um passado glorioso (ruim para os remanescentes do heroico povo dizimado).

Os índios relutam entre receber a esmola do branco (o fazendeiro se aproxima para ver intenções) ou seguir o absurdo sonho de recuperar a terra dos antepassados. 

A civilização branca é inexorável em sua gula, cria atrativos enganadores para dominar: o corpo juvenil da pequena maconheira, o tênis importado, promessas e ameaças, a maldita cachaça...

O acampamento começa a crescer. O fazendeiro se atribula. As tentativas em afastar os índios não surtem efeito. Não pode ceder, mesmo reconhecendo a justeza natural do pretendido por eles. Precisa sustar a ameaça que é pequena ainda. Outros povos mortos se levantarão e virão se juntar ao grupo de índios na beira das estradas.....

E é feito o que foi em todos os tempos. O “direito” do mais forte é abençoado e exercido. A “guerra justa” (outra vez) é perpetrada e a voz do direito silenciada à bala e facão. 

Do outro lado, a esperança de continuar a luta (até quando?) sucumbe ante a força maior.

O suicídio não seria mais adequado, em vista da perda do ideal, da consciência de inutilidade da missão? A corda aperta o pescoço do guerreiro que comandou o sonho.  Talvez a morte seja melhor do que a vida humilhante e sem sentido.

(Aracaju, 07 de dezembro de 2013, Antônio FJ Saracura, recuperada em dezembro de 2021)

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sábado, 9 de janeiro de 2021

TOCATAS POETIZADAS E PROSAIADAS

 

TOCATAS POETIZADAS E PROSAIADAS: UM CONCERTO EM LOUVOR AO BELO, João Bosco Soares dos Santos, Editora Paginae, Salvador Bahia, 2013, 526 páginas,Isbn 978-85-63784-36-0.



Eu e Cida (minha esposa), e Carlos Mendonça (amigo caroneiro) já estávamos retornando a Aracaju, fecháramos o hotel que pegou fogo e queimou, pela manhã, as nossas roupas e malas, quando resolvemos dar uma última passadinha de despedida no memorial da Chesf, onde ainda acontecia a Primeira Bienal do Livro de Paulo Afonso.

No estacionamento, batemo-nos com João Bosco, um senhor alinhado, também escritor e a quem não me animara abordar no salão dos escritores onde ficáramos o dia anterior inteiro.

Ele retirava livros do bagageiro do carro e eu o cumprimentei.

Olhou-me com grande simpatia e conversamos por cinco minutos. Viera de Rodelas, uma cidade de Pernambuco, e nos convidou para um dia esticar até lá.   

Dei-lhe um dos meus livros, acredito que “Tambores da Terra Vermelha” e ele me deu dois brindes, um cd e este livro chamado “Tocatas”.

O Cd, escutei enquanto dirigia de Paulo Afonso a Aracaju. Voz possante, afinada, melodiosa. Repertório invejável: as melhores músicas românticas que o Brasil produziu. Uma pessoa que cante assim tão bem, não deveria gastar a voz falando com ninguém, deveria somente cantar.

E o livro, com quem mantive contato íntimo apenas dias depois em Aracaju, também foi uma grata surpresa. Não apenas pela produção poética, pelos hinos de amor, de sabedoria e patrióticos também pelos ensaios e pelas miscelâneas, como haikais, trovas, Rubayats...

Valeu a pena ter ido à Bienal de Paulo Afonso pelo encontro casual no estacionamento com esse monstro chamado João Bosco Soares dos Santos, que nunca mais o vi nesse mundo louco.

 

(Aracaju, 27 de dezembro de 2014, por Antônio Saracura, recuperada em janeiro de 2021).

 


TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA, Lima Barreto

 

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA, Lima Barreto, São Paulo, Ciranda Cultural, 2010, Isbn 978-85-380- 1428-7

 

Roberto Pompeu de Toledo publicou uma semana dessas, artigo na sua coluna da revista Veja, em que fala deste clássico da literatura brasileira. E faz, como vem acontecendo com seus textos, infelizmente cada vez mais politizados, chacota do Brasil governado pelo PT. Eu não gosto desses desvios "encomendados", mas, nem por isso, deixo de ler o genial paulistano que acompanho desde quando vivi lá, onde ele aparecer.

A obra “Triste Fim...” li no passado longínquo e se perdeu dentro de mim nas mudanças às quais a vida me submeteu. 

Outro dia, comprei um exemplar na Escariz, edição popular da Ciranda Cultura, baratinha. Comprei sem sentir que estava comprando, talvez o artigo de Pompeu tenha me levado mecanicamente a tal. 

Mas me senti bem. 

E quando me dei conta, estava relendo e relembrando as desventuras de Quaresma, vividas no começo da República Brasileira, no governo de Floriano Peixoto.

 Meu Deus?

Os administradores das pequenas cidades são corruptos e usam a lei apenas para os inimigos. Os puxa sacos e bajuladores enchem as repartições (o império da incompetência, página 63) e os livros publicados nada mais são do que cópias ou citações. Os poetas louvam os ricos e as mulheres inacessíveis... A estrutura militar é frouxa e inútil. O presidente do País, um bolha. Até a revolta da armada, que é narrada, parece uma palhaçada.

"As casas construídas eram um grande paralelepípedo de tijolos com cimalhas, janelas com sacadas de grade de ferro, puro estilo mestre de obras” (página 116). Lembraram-me as atuais casas populares, do programa “Minha Casa Minha Vida”, que está mudando de nome mais uma vez (apenas de nome). 

Na página 173, Lima descreve o intelectual do seu tempo, talvez seu concorrente nas letras, Armando Genelício.

Este intelectual compunha seu texto inicialmente ao jeito tradicional e a seguir, para mostrar soberba literária o reescrevia por inteiro assim: invertia as orações, trocava palavras do dia por inusitadas...chegava a um texto erudito digno de louvor pelos seus pares (da Academia) e pelo público encabrestado.

O amor exagerado pela pátria fez com que Quaresma (na sua loucura) propusesse que a nossa língua oficial fosse o Tupi e que cumprimentássemos as pessoas, como faziam os índios goitacazes, chorando. (Página 40 e 41). Do jeito como fazemos nessa Pandemia Covid-19 pois sempre há um novo morto sendo anunciado. Se não no início, nos despedimos chorando.

No triste fim, Quaresma é um derrotado, injustiçado, esmigalhado pela incompetência geral, ora ele chega à conclusão de que “a troco de um patriotismo dominante fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importam os rios? Se são grandes ou pequenos? Pois que fossem...” (Página 226).

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Um país como este de Lima Barreto teria alguma chance de sobreviver? 

Certamente este país é um caso perdido.

E ocorre-me uma comparação macabra.

Este país no qual vivemos não seria a mesma merda que o do passado, apenas com irrelevantes enfeites? Tomado pelo espírito de Lima, não estou identificando nenhuma exceção nesses malsinados governos que temos tido o tempo todo, em todas as esferas. Sempre os mesmos florianos e deixando o o Brasil cada vez pior.

 (Aracaju, 09 de outubro de 2011, Antônio Saracura, atualizada em setembro de 2021)

 

VIAJANTE SOLITÁRIO, Jack Kerouac

 

VIAJANTE SOLITÁRIO, Jack Kerouac,L&PM, Porto Alegre, 2010, 224páginas, tradução de Eduardo Bueno, isbn 978-85-254-1448-9

 


Livros escritos na primeira pessoa dão-me maior aconchego. É como se o autor se abrisse mais, convivesse com minha intimidade. Estabelece-se uma confraria. E juntos, saímos livro à dentro, mundo à fora, de espíritos fundidos e solidários. Eu confiante de que o autor não me colocará em caminhos de onze varas, não me jogará de precipício nenhum, pois, ele não vai querer (não é doido!) ir junto. 

Talvez por isso, é que escrevo a maior parte de meus textos (e de meus livros) na primeira pessoa. Intelectuais com quem convivo já me alertaram de que eu deveria, se pretendesse ser um escritor completo, escrever distante de mim. Dois desafios antagônicos: ser grande nas letras e mudar meu jeito de contar.

Jack Kerouac, em Viajante Solitário e em outros que tenho folheado de sua autoria, também escreve na primeira pessoa. Então há mais alguém no mundo (e que angariou sucesso, tanto que chegou até o Brasil) que faz do mesmo jeito que eu. Na verdade, há muita gente, inclusive conterrâneos, como Gilberto Amado (História da Minha Infância), para citar apenas um.

Este Viajante Solitário não é um livro fácil de ler no começo, depois nos arrebata e conquista. Os locais inóspitos de assustadora beleza logo se  transformam em familiares, um cantinho de nossa casa.  

O autor narra suas andanças pelo mundo como tripulante de  navio que corre mares da África e da Europa, como vigilante de queimadas em montanhas inóspitas, como mochileiro pela França...

Como muito mais.

O que me intriga é um cidadão culto, de siso firme, de sucesso nas letras, com base familiar sólida, sair por aí como se fosse sem-terra ou sem-teto, sobrevivendo de  esmolas. E não me pareceu que Kerouac estivesse somente colhendo material à elaboração do livro. Seguia  vocação de viajante vagabundo, que as pessoas têm.

E, por fim, citando o próprio autor (que cita  poeta Dwight Goddard no livro Bíblia Budista”):

 

“Oh, por esse raro acontecimento

Eu alegremente daria mil peças de ouro!

Um chapéu na cabeça, uma trouxa às costas,

E minha companhia, a brisa refrescante e a lua cheia”.

 

(Aracaju, 09 de setembro de 2011, recuperada em janeiro de 2021, revista em novembro de 2023).

 

Para completar meu pensamento, segue um trecho da resenha de  Viajante Solitário,  Jack Kerouac,  por Sabryna Rosa.

(...)

A felicidade consiste em compreender que tudo é um grande e estranho sonho”.

"Jack Kerouac narra suas histórias como se estivesse conversando oralmente com o leitor. Não se preocupa muito com um começo, meio e fim amarradinhos, como estamos acostumados a ver, mas apenas em “libertar” as palavras de sua cabeça, e, por incrível que pareça, com coesão e coerência. O resultado são períodos e parágrafos longos, comentários e pensamentos misturados com descrição de cenários e diálogos, tudo separado apenas por simples vírgulas, e é seu trabalho estar atento e acompanhar o ritmo." (fonte web/google).

 


VIDAS EM TRÂNSITO, Carlos Mendonça

 



VIDAS EM TRÃNSITO, Carlos Mendonça, INFOGRAPHICS, Isbn: SEM,Tamanho: 21 x 15 (tipo brochura),Páginas: 60, com ilustrações,Ano: 2012



Quem leva a mercadoria

Não pode voltar vazio

Qualquer estrada que há 


Mesmo fora do Brasil

Sempre roda um “ceboleiro”

Não diga que nunca viu!



Quem não tem um caminhão

Sonha em comprar um dia

Nada é mais desejado,

Que lhe dê mais alegria,

Do que viver ao volante

Rodando a Rio-Bahia.



É caminhão ceboleiro

Trazendo gado do sul

Levando para São Paulo

Balas de cupuaçu

Descarregando farinha

Na feira de Aracaju...

(Saracura, em Os Curadores de Cobra e de Gente).



***

Depois que Carlos Mendonça publicou o livro “Chico de Miguel”, em 2011, ouço sua voz nos programas de rádio e televisão e o vejo em todo ajuntamento literário. Se passo na biblioteca Epifânio Dórea, é certo encontrá-lo com a cara enterrada nos arquivos, buscando consistência para futuros livros. Um caderno ginasial, um lápis de ponta e uma máquina fotográfica comum, além de um par de olhos de lince. Para arrancá-lo do pó dos velhos jornais é uma luta.

Chico de Miguel (o primeiro livro) foi uma grata surpresa. Um prêmio à Itabaiana, à Várzea do Gama, à política sergipana, à família do nosso último coronel (até agora). Pelo que tenho observado, o livro é um sucesso de vendas. Também pudera! Cada eleitor fiel da Família Mendonça (cerca de 25.000, por baixo, pelo censo das urnas no último pleito) é candidato a ter estampa de Chico na parede da sala e o livro de Carlos em cima da cristaleira. Se não possui ainda, é porque o autor não bateu à porta de suas com tiracolo de mascate e conversa de negociante nato!

Além destes 25.000, há ainda os curiosos, a oposição desconfiada ou despeitada ou invejosa e os intelectuais que não deixarão passar ao largo um livro com tantos leitores. E Carlos Mendonça, que entende todos os meandros da comercialização, sabe muito mais que eu do potencial de sua mercadoria, não perde tempo, tem o dom da ubiquidade, está em todo lugar, até ao mesmo tempo.

De “Chico de Miguel” até agora, Carlos já lançou outros livros de sucesso: Evolução Comercial de Itabaiana; Padre Kiba; Meu Padim Pade Zé; Safadezas do Pade Kiba; Velho Chico; Arrojado; Coronel Fudenço... (a lista é longa).

E nela há “Na Feira de Itabaiana tem”, cordel em sete sílabas e com sete versos por estrofe, que tem feito gargalhar e orgulhar muita gente, pois há ufanismo, há ironia nativa, há história e há muito humor nas suas 27 páginas.

E há o nosso ”Vidas em Trânsito”, motivo desta resenha, surpreendente e emocionante história dos Caminhoneiros de Itabaiana. Compõe-se de versos em cordel galopante, traçando a vida épica desses bandeirantes das estradas e de textos em prosa, revelando heróis, até então na oralidade. Fala da origem e bota os tropeiros como base, trata da importância em ser caminhoneiro, dos primeiros caminhões, lista os nomes dos caminhoneiros históricos de Itabaiana. Descreve um dia na estrada sentindo o gosto do volante. Apresenta frases de para-choque, reza piedoso as trezenas de Santo Antônio, refestela-se na monumental festa do caminhoneiro de Itabaiana, que atrai motoristas do Brasil inteiro. É nessa festa que passa a procissão de mini caminhões puxados a cordão por meninos da cidade, e mesmo por adultos intrujados, vaidosos e cheios de orgulho.
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E se eu dissesse que Carlos Mendonça vive exclusivamente da venda de seus livros?

Pois é a pura verdade. No Brasil inteiro tem poucos.


(Aracaju, 02 de novembro de 2012, Antônio Saracura, recuperada em janeiro de 2021)
Notas:


Hoje Carlos Mendonça é casado, mora em Aracaju, conclui o curso superior de história, e co





quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

MANOEL MENDONÇA UMA VIDA DE VITÓRIAS,

 


MANOEL MENDONÇA UMA VIDA DE VITÓRIAS, Manoel Messias Mendonça, produção de Jerônimo Peixoto, J Andrade, 2020, isbn 978-65-992287-6-6

Tive a honra de ler, em primeira mão, o livro escrito por Manoel de Zé Correia, contando a vida dele. Que vida! Digna de um itabaianenses, de um filho da Terra Vermelha, nossa pátria comum.

Garotos ainda, palmilhamos a estrada poeirenta para Itabaiana e alisamos os bancos duros da escola de Bernardete de Dona, onde fiz meu curso superior. Nunca tomei banho no tanque de Lexandre, mas o tanque imenso na época, espraiado em três tarefas de várzeas lambendo os valados em volta, sempre me chamava sedutor quando eu passava na estradinha de areia fina e úmida, morrendo de vontade.

Coriscos, Peixotos, Corsinos, Tutus, Toinho de Senhora, Libânios, Pedro de Manoel José são famílias sagradas da minha infância também; raízes firmes que me sustentam.

Com a primeira diáspora para Aracaju, continuamos participando dos espaços e da história, no bairro Santo Antônio, onde nossos pais moravam ou se arranchavam, como filhos de Itabaiana; e no Mercado Central, onde eles negociavam cereais. Também no caminho das aulas noturnas do Atheneu que enfrentávamos, algumas vezes, a pé, por falta de dinheiro ou de condução.

E fomos conquistar nossos mundos.

Cinquenta anos de guerra que Manoel conta a parte dele no livro e eu preciso andar ligeiro para contar a minha.

Agora, cinquenta anos depois, voltamos a nos encontrar nas páginas vivas do livro que acabo de ler. E me espanto com a aventura que este outro menino amarelo viveu.  

Imensas dificuldades. Busca incessante do caminho. FNMs atolados.

Feijão de Poço Verde, farinha de Araras.

Mortes. Recuos. Vitória. Sucesso. Gratidão. Mais luta. Coragem. Fibra. Desistir jamais.

Os companheiros de trincheira. Gessy Lever. Pernambuco, Sul da Bahia, Salvador,

Paes Mendonça, Sergipe. Recife... Escolas da vida.

Um curso superior com mestrado, doutorado, que nenhuma universidade do mundo tem assim.

Comercial Esporte Clube, Associação de Empresários Cristãos, Clube de Amigos. O homem precisa conviver no meio.

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Que mistério é esse que faz com que meninos pobres da roça naveguem fagueiros nesse mundo concorrido onde meninos ricos da cidade naufragam?

O livro de Manoel Messias Mendonça é a história de Itabaiana e será eterna fonte de pesquisa. Conta um exemplo de vida e é exemplo de livro. Vida para admirar de boca aberta e livro para imitar sem perda de tempo.

Outros ceboleiros de sucesso precisam ter também a história contada. Para glória da família, gáudio dos amigos, honra dos descendentes. Para que Itabaiana se orgulhe de seus grandes empresários vencedores em todos os ramos, em todos os lugares. Como Manoel Messias Mendonça, Manoel de Zé Correia, um tabaréu assim como eu. Ele um admirável vencedor.

(Por Antônio Saracura, Aracaju, 06 de janeiro de 2021).

Este texto foi incluído como prefácio do livro, que compartilhou outro do grande poeta, cronista e pregador, Jerônimo Peixoto, também conterrâneo nascido e criado à sombra dos Cajueiros da Terra Vermelha.

Postado por ANTÔNIO SARACURA às 15:20 

 


domingo, 3 de janeiro de 2021

VIU O HOME?, Ronaldo Pereira

 

VIU O HOME?, Ronaldo Pereira, edições Ronpelim, 2015, isbn 978-85-67293-29-5.

 


Conheci Ronaldo por ocasião da impressão dos livros premiados no Secult de literatura, em 2011. Ele ganhou o Prêmio Alina Pain (literatura infantil) com o livro “Laura” (já resenhado aqui), e eu, o Prêmio Mário Cabral de Crônicas, com o livro, “Minha Querida Aracaju Aflita.”

Ele e a esposa moram em Cedro de São João onde são professores da rede Pública. Tenho-os visto com frequência, em feiras literárias, sempre juntos, assim como eu e Cida, minha esposa.

Na última Bienal de Itabaiana, Ronpelim apresentou este livro, “Viu o Home”. Na de Alagoas, onde o encontrei já no finalzinho, me deu o livro, que agora li.

É um punhado de crônicas curtas de cunho político, tratando das malandragens dessa classe degradada, que é composta por prefeitos e vereadores, na base. O cenário é uma cidadezinha do interior: escola para os políticos aprenderem a ciência da função. Pois dela é que saem os deputados, senadores, governadores e presidentes. O que acontece nela vai acontecer na capital, seja do Estado ou da nação. Costume de casa vai a praça. Especialmente, mau costume: esperteza, dissimulação, falsidade, corrupção, abuso de privilégios, etc.

“Cadê o Home” tem humor, crítica social, denúncia.

Sem dúvida, é o retrato das patranhas da classe que se refestela com o cofre público e abusa do poder que o povo, sem alternativa, lhe outorga.

E nos faz refletir:

"Por que eu mantenho (aceito) isso?" 

Você também, talvez.

(Aracaju, 10 de janeiro de 2016, Antônio Saracura, recuperada em dezembro de 2020).

 

 


O ANALFABETO QUE GOSTA DE LER, José Sizenando de Almeida

 

O ANALFABETO QUE GOSTA DE LER de José Sizenando de Almeida

 

Sizino era um bodegueiro de Itabaiana do meu tempo de menino estabelecido na saída para Terra Vermelha, rua do Futuro com Macambira. Meu pai, todo sábado, ao retornar para o sítio, tinha parada obrigatória na bodega, quando completava itens encomendados por minha mãe. Em “Tambores da Terra Vermelha”, escrevo um pequeno trecho (“Distintos Povoados”) sobre esse momento que compartilhei, pois acompanhava papai à feira com meu cavalinho, era o hominho da casa, nos idos de 55, por aí. Vá aos “Tambores” e veja que interessante.

José Sizenando de Almeida, Nandinho de Sizino, é um dos filhos do velho bodegueiro que chegou a ser prefeito de Itabaiana por proteção de Euclides Paes Mendonça. No mandado de Sizinho aconteceu o assassinado do velho cacique (ou coronel) Euclides e de seu filho, Antônio, em um incidente que abalou o Brasil (sem muito exagero), uma vez que Euclides exercia o mandado de Deputado Federal, e seu filho, de deputado Estadual...

Pessoalmente só conheci Nandinho, depois que publiquei meus primeiros livros, isso por volta de 2011. Foi assim...

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Passei na banca de laticínios, “Antônio e Maria”, de Antônio de Otília (comerciante originário da Terra Vermelha) e ele me deu a notícia:

“Tonho, Nandinho vive lhe procurando há dias. Inda agora passou por aqui perguntando se você havia aparecido. Disse que você fosse à Sapataria de Geoba, caso aparecesse.”

“Quem é Nandinho, Antônio?”

E Antônio de Otília me explicou que era um dos filhos de Sizino, e fora comerciante muitos anos no mercado, possuíra uma sapataria, até se aposentar. E que me queria encontrar por conta de livros meus que lera.

Fiquei desconfiado, pois escritor de memórias de um povo, corre riscos ao citar nomes e fatos aparentemente inocentes (para si) mas nem tanto, para os parentes personagens. E pensei em não passar na sapataria de Geoba, que ficava na Florentino Menezes, a quatro passos, no meu caminho de saída.

Quando me voltei para ir embora, bati-me com um cabra de minha idade, chapéu parecido com o meu, branco lavado com a água de Itabaiana. Era Nandinho, que nunca vira nem ele a mim, mas nos reconhecemos de imediato. Aquele homem não seria outro senão Nandinho. E eu (ele me disse depois) não teria como não ser o escritor Saracura.

E Nandinho, sem a menor cerimônia, me abraçou, me beliscou, deu pulinhos à minha frente.

Numa mesinha do restaurante vazio, fora do rush das refeições, ao lado da banca de queijos, conversamos, obra de uma hora, sobre meus livros, meus personagens, sobre literatura, sobre Itabaiana...

 

E ele dizia:

“Sou um tabaréu analfabeto, pouco fui à escola e quando fui não enxerguei o caminho da sabedoria, perdi-me no emaranhado desconexo. Mas amo a literatura e amo Itabaiana”.

Falou de Júlio Verne, Sebrão Sobrinho, Alberto Carvalho, Vladimir Souza Carvalho. Falou de “Os Tabaréus do Sírio Saracura”, de “Meninos que não Queriam ser Padres” e, especialmente, da ousadia do autor, tabaréu da Terra Vermelha, que carrega a bandeira de amor à terra natal, afoito e destemido.

Mas já estou entrando no futuro...

Tenho Nandinho, desde então, como irmão dileto.

Em “O Analfabeto que Gosta de Ler” ela conta tudo isso e muito mais. A história de sua vida, desde o feto de sete meses, criado com mingau de almas cedido, até o setentão que é hoje. A infância pelas ruas de Itabaiana, o balcão da bodega do pai, o vendedor de fogos de artifícios, as experiências de sucesso ou de fracasso no comércio em sociedade ou por conta própria. Um hino à amizade cordial. Faz desfilarem pessoas simples como ele que o fizeram sentir-se gente. Os irmãos, especialmente Samuel, e os amigos da infância, como Zé da Invenção e Zé Augusto; os intelectuais que o espantavam e cativavam, como Antônio Oliveira, Alberto Carvalho, José Crispim, companheiros do tempo de menino e que se transformaram em ídolos em seu imo.

E a Academia Itabaianense de Letras?

Com  ela, Itabaiana retornou vigorosa ao seu convívio, vez que já decidira deixá-la de lado, após uma vida inteira na capital e, especialmente, com o desaparecimento da camaradagem na Praça da Matriz, nas mesas do Pirata, no Bar Simpatia... Desiludira-se com a terra amada. A desilusão deu lugar ao pertencimento remoçado e intenso. Bastou participar, a convite de seu primo imortal, Valter Noronha (que lhe deu carona) da sessão inaugural. 

Nunca mais perdeu uma sessão da Academia Itabaianense de Letras, sempre levado por Valter, Ana Márcia, ou qualquer um que lhe desse carona, pois não tem condição dirigir em estrada à noite.

O livro “O Analfabeto que Gosta de Ler” é um exemplo para as pessoas de pouca leitura e uma lição a letrados que não leem nem sinal de trânsito. Não apenas pela literatura que pratica, especialmente pela história que conta. Que o livro sirva de incentivo a outros heróis anônimos escreverem e publicarem a história de suas vidas. Acendam luzes sobre esse momento para que os descendentes possam saber o valor de suas raízes.


(O ANALFABETO QUE GOSTA DE LER, José Sizenando de Almeida, organização de Leonardo Ferreira de Almeida, 2020, Artner, 120p, il isbn: 978-65-88562-05-5).

 

(Por Antônio Saracura, Aracaju, 26 de dezembro de 2020)