A MEMORIA TROUXE DE VOLTA, Luiz
Carlos Andrade, 2016, Infographics, 122p, isbn 978-85-9476-005-0
Já há algum tempo tenho recebido,
via email, crônicas escritas pelo doutor Luiz Carlos. Eu não entendia bem, sou
um escritor comum. Só se fosse pela consideração que algumas pessoas dedicam
gratuitamente a outras. Já que eu era agraciado com a confiança, retribuía como
podia: sugerindo pequenos ajustes, alguns equivocados. A bem da verdade, as crônicas
já estavam prontas.
O livro saiu essa semana, um
pré-lançamento na reunião do dia 26/08 da Academia Itabaianense de Letras e o
lançamento no dia 04 de setembro, junto às comemorações pelo aniversário do
autor, em sua residência.
Vinte e seis crônicas e/ou
ensaios.
Textos engraçados, irônicos,
ferinos, mostrando uma época heroica, onde vemos que, os nossos atuais ilustres
não passavam de moleques peraltas, índios de rua, dores de cabeça a pais
zelosos. Depois deram certo, alguns além do esperado. Poucos deles ficaram pelo
caminho, traídos por detalhes, talvez não tenham apanhado como deveriam e, por
isso, não aprenderam bem a liberdade posterior.
O doutor Luiz Carlos Andrade é um
médico conceituado em Sergipe, consultório sempre lotado. Um dos poucos que os
pacientes esperam com paciência o dia da consulta, sabem que valerá a pena. Ouço falar que as consultas são cuidadosas,
investigativas, aprofundadas, técnicas... A busca paciente do problema pode
levar um dia inteiro ou até mais e o doutor persiste incansável, produtivo.
Suas lanternas médicas vasculham cada componente do sistema, afastam cada nuvem,
penetram nas penumbras, avaliam os mecanismos comprometidos sejam na matéria ou
no espírito.
Suas lanternas literárias andam
pelo mesmo caminho na literatura, focando o passando de um povo, tratando dos
tipos que o compõem, incluindo-se, ele mesmo também, como paciente. Sentimentos, humores, sofreres, jeitos, manias,
costumes, vícios, virtudes, dores, alegrias, bondades e malvadezas.
O menino saindo de ônibus para
Aracaju é o retrato de uma comunidade inteira de garotos sonhadores, querendo
uma chance, precisando desesperadamente ser gente, buscando a liberdade que
dignifica, fugindo do cabresto impiedoso. O menino-vento vagando na sua
inocência certamente vai despertar lembranças gratas. O sexo, o corpo se
revelando, as meninas, os sonhos. A disciplina rigorosa encontra uma
justificativa: amansar a fera quanto é tempo. Mas precisava amansar tanto
assim? Um quarto escuro para aprender a pensar... Um tapa na cara, uma surra de
cansanção. Há um ditado que diz: faça o seu filho chorar em pequeno, ou ele vai
fazer chorar muito quando crescer.
“A Chegança de Zé de Bibé” é um momento antológico, quando o garoto
inventivo resolve assumir o comando do navio. Sorrateiramente, escondido no
beco escuro. Até o comandante deve ter levantado a espada em direção ao céu. Ao
perceber o logro, azeda: “Fio duma égua!
Corno! Quem foi esse veado? Quem dá
ordens aqui sou eu!!!” E retoma o comando do navio.
Aracaju! Tio Daniel (assim o
chama Luiz Carlos), conheci-o contando histórias, como sempre fez minha mãe, e
ainda faz, que era sua prima. Ferreiros rudes vestidos de heróis em uma Grécia imaginária
povoada de mitos. Daniel morava na rua
Dom Quirino, minha família morava na Rosário, a meio quarteirão. Eu vivia fora, em outra cidade, mas tive,
quando aparecia em visita, momentos inesquecíveis. Parecia um sarau literário
que nos encantava a todos. Poesia, muita poesia, prosa, muita fantasia. Os ferreiros (família também do autor, Luiz
Carlos) é uma família (ou uma dinastia) fincada nas raízes e consciente do
valor que tem (ou que acha que tem). Pura Itabaiana, a essência desse povo
singular.
A República Cebolinha, um
segmento importante da obra e da vida de Luiz Carlos, merece muitos romances.
Como sofreu o pobre José Bispo nas mãos do aprendiz de feiticeiro! E os
vizinhos do quarteirão com o foguetório promovido pelas estrepolias de Maceta,
filho de Zé Bigodinho e de Irene, gente dos troncos da velha Matapoã.
Os nossos tipos folclóricos, alguns
já famosos pois frequentaram páginas de outros escritores ceboleiros, são
apresentados de roupa nova. “João da Macela e a festa do Mastro” é um
monumento. Robério Santos e Vladimir Souza Carvalho ganham um texto para as
fotos da festa pagã do mastro que foi fotografada desde Miguel Teixeira.
Cada crônica do livro merece
outra do mesmo tamanho ou ainda maior falando dela. Mas meu espaço é curto. Vou
concluir com “Juvino Preto ou Negro Aruvim”. Não por fazer referência aos
ferreiros de Saracura (que é o meu povo) mas porque nos apresenta um grande
itabaianense dentro da sua simplicidade. Juvino é o inventor do amendoim
cozido, hoje um produto nacional. E também das rifas e mesas de sorte.
Construiu uma roleta com roda de bicicleta, que, depois, é bem provável, foi
copiada pelos cassinos espalhados pelo mundo.
“A Memória trouxe de volta”
proporciona uma leitura prazerosa! Imperdível. Acredite.
(Aracaju, 28/08/2016, Antônio
Saracura)