segunda-feira, 4 de março de 2019

AINDA OS LOBOS, Jozailto Lima


AINDA OS LOBOS, Jozailto Lima, Patuá, 140p,2016,isbn 978-85-8297-269-4




Jozailto Lima é um profissional. Se usasse um fuzil seria o soviético Stepan Vasilievich, infalível sniper da segunda guerra mundial. Sua atividade, como editor chefe de O Cinform por bom tempo, teve irretocável sucesso, fazendo amigos até entre as vítimas de seu verbo duro. Como poeta, o seu brilho incendeia. Cinco infernos frios ficaram mais amenos. Poemas soltos nas páginas sociais ou navegando em naves encantadas adoçaram bicos azedos. Pegando punga no linguajar maroto de Várzea do Povo.
A flor de bronze e outros poemas de mediamor, Plenespanto, Retrato Diverso, Viagem na Argila e Ainda os Lobos. Livros significativos.


Sergipe tem bons bebedouros. Os bichos nômades vem e não mais se vão. Essa terra atrai intelectuais e os segura o resto da vida. Simili cum similibus. Cada um busca o conforto de uma boa convivência. Acolheu, de forma definitiva, Manoel de Almeida Filho, Cremilda, Gerson Filho, José Cândido da Silva, Maria Lucia dal Farra, Estácio Bahia Guimarães, Domingos Pascoal de Melo. Apenas alguns, para não encompridar demais a lista, que inclui, para nosso gáudio também, Jozailto Lima, nascido em uma perdida Várzea do Poço (deve ser um poço fenomenal para ter uma várzea assim tão grande e pródiga, que virou cidade e produz tanto peixe bom), da Bahia, e já a trinta anos mora aqui.

Eu fui ao lançamento de Viagem na Argila, coisa de três anos atrás e fiquei “plenespantado”. Aracaju inteira aconchegou-se no Museu da Gente Sergipana. Jozailto ficou a noite toda (talvez o começo do dia seguinte) autografando incansável. Eu trouxe pra casa o livro sem autógrafo mesmo, já beirava a meia-noite, e a fila não cedia, engordava, encompridava. Os apressados se comprimiam e expeliam, como a caroços de jaca, os mais frágeis pela idade e pelas divisas, como eu sou.

Como nos faz bem, a poesia!

Precisamos cada vez mais de poetas, eles mostram a vida que não vemos, nessa correria, a parte nobre, a que realmente vale. Leva-nos ao passado, levanta pedras de lembranças gratas, ensinam a ciência dos ferreiros que moldam gente de valor. Fazem de aparentes insignificâncias, a essência da vida: Várzea do Poço, um cachorro cego, um avô esteio de viga rígida, o cangote de pai. As lixas da língua do boi, os segredos das galinhas chocas, a lagarta jasmineira (que chama de Teoria Literária e dedica erradamente a um mal agradecido), os trinta irmãos em diáspora, as pregas do vestido de Adélia, um talo de capim-açu, uma vereda torta, as matas do Aprígio... Também os homens toscos, as flores de bronze ou de cristal, as estradas tortas... Vi passarem, a cada momento, os fantasmas de Drumont de Andrade, que o autor não nega a influência. Senti, como uma ode à família, qualquer que seja ou de quem. Cada poema é um link para novos mundos encantados, cheios de imagens e de vida.

Todos são poemas densos, mesmo os pequeninhos. Caprichados, trabalhados, burilados. Dão essa impressão, tenham ou não sido paridos com gestação demorada ou, simplesmente, rebentados. Um mar profundo.

Então vejamos um a um (pulei meia dúzia, outros passaram por mim que nem vi direito, reclamei aqui e acolá, porque sou mesmo reclamão, se falei mal, retiro antecipadamente o agravo imerecido). São anotações de pé de página, podem não ser conclusivas, são dúvidas, talvez:

A fundação é o desafio da vida de cada um que nasceu à toa, recebeu apenas a bênção e olhe lá. As cenas rurais, secas e os equipamentos de um mundo inóspito zunem, zombam e orquestram uma sinfonia árida mas que encanta.
Há três pessoas aqui na Canção de Afeto e TNT: eu, meu amor e você, e o tnt. (Por que?).
Epifania é belo. Que almas são essas que nos acompanham pela vida, que nos dão a maneira particular de sermos?
Uivo às sete luas é bonito, mas não identifiquei a referência (setenta vontades) da última estrofe. “juntos, uivamos às sete luas d’água” apenas me soou bonito.
Acalando lembrou-me a última Missa de Dona Núbia, em Os Ferreiros: se ficar o bicho pega e, se correr, come. “Roubarão, matarão e, depois sumirão sem deixar pistas”. Está ficando complicado viver nesse ambiente adverso.
Acenos ao nada é um hino à poesia, que é eterna, e sai da lavra da terra bruta e de arranha céus insensíveis.
Teoria Literária... Arrojos é uma palavra concreta onde a fonética e o significado mesclam-se. Há um mundo subterrâneo em ebulição, em transformação. A natureza é apenas, agora, esse invertebrado que encanta o poeta.
Poética II, jamais. Pelo amor de Deus, isso nunca! Não quero terminar grunhindo. A torre de Babel marcou o fim de uma era execrada.
Mágoa é o destino. Ninguém escapa. O pai é sempre surpreendido, nossos sonhos ganham corpo e asas e nos deixam a ver navios.
Quero ir para Tebas e Tebas não há mais... Precisamos escapar dessa roda viva que no sufoca e apressa o final. No mês que vem será tarde demais, talvez.
Alça de Mira... A que se presta? Uma simples constatação. Não deixa sobras de vintém... (Tem algo a ver?)
Da mão que deflagra: a mistura de elementos de natureza diversa e em espaços distintos me confundiu. Traduz, a meu ponto de vista, a coragem, jamais a covardia. Ou estrou esclerosado?
Particular: Não menospreze os alguéns na vida. Não existe mais o horizonte particular, perdemos nossa identidade, levaram os nossos bens.
Distâncias: Revela que o homem global vive longe de si, que não é novidade nenhuma. Mesmo provindo o mesmo barro, seguiu caminhos diversos. ReUnir outra vez seria impossível? Na última estrofe há uma contradição: se esse PODE SER fosse suprimido...
Jó. “Os seis num tão longe” parece um pecadilho inútil, um tanto pedante, boçal. E a águia entra na conta por exclusiva bondade do poeta, é apenas um reflexo de uma imagem. Um momento / uma foto / uma paz... Desumana.
Um episódio é belo. Por que? Nem sei. Talvez precise tirar mais roupa.
Gênesis. Esse “os de Adão” não me convenceu não.
Ao rés da Fera. O país é algo muito maior e mais forte, uma nação, jamais uma planilha excel. As pessoas renascem, reinventam-se, recriam-se.
Poema com os lábios secos. Bárbaro. Um grito, à Munch.
Seiva (uma possibilidade). Da árvore ao chão e do chão à árvore... Desafinou meu violino. Preciso logo de meu diapasão.
A cobiça é uma cobiça que Adélia me desperta e atiça. Justos carrinhos, acho que até carrões a todos nós e, especialmente, a surpresa de cada verso que há de nos ensinar o que apenas Deus sabe: “Eu desconfio que o próprio Deus é essa tal de Adélia cravado nas pregas dos vestidos dela”. Belo poema.
Na bateia de ilusões...Esses urubus em voos diagonais ajudam a fazer os diamantes eternos. A roseira precisa de espinhos para ser bela. Muito bom, mesmo achando uma injustiça com os demais (poemas) que me olham de través porque sabem que também os acho e não disse nada.
Branco (e mais três). Aa brutalidade da origem, a indelével marca da primeira demão. As raízes sustentam as árvores e os homens. Sem elas, o mundo seria um turbilhão de troncos rolando. E segue a mesma linha: falíveis variações, Sobre um homem ou, o boi mineiro, e o ocaso.
Lázaro, a morte é minha sombra e das letras que faço.
Pra não morrer de bruços. A morte é bela também na poesia, não adianta rejeitá-la, está sempre rondando as letras, muito mais que a vida, eu também não escapo. E já que vou morrer, quero morrer na esperança: ser morte morrida mesmo ao lado dos meus sete ou vinte e sete irmãos.
Canção de salva-zero que não leva além dos pontos perdidos, cocô de cupim, que não tem a força dos pontos verdadeiros, capazes de levantar as letras caídas a uma nova vida.
O misterioso deixou dois talhos num pé de muro. Por que não dois riscos, risco é feito em superfícies, e muro não é tronco de árvore para ser entalhado. O poeta navega também pelas coerências.
Sereníssimo... Eu também, especialmente a testa aberta. Há sempre um risco aqui na beira desse precipício, assim sem paraquedas.
Manhã é que deveria ser misterioso. Que manhã!
Das ternuras. No gatilho, no lingote. Me perdi nas naturezas desconexas. Então reli como: No gatilho, no projétil. Em louvor ao mesmo Deus que sempre há no pólen, na corola. E também pelas harmonias que dão substância ao poema, deflagrando o tiro e disparando a flor.
Oração. Aqui também me ajoelhei e rezei. Eu sou um rapaz latino americano como Belchior. E um velho ermitão a morar numa gruta, talvez a mesma onde São João escreveu o Apocalipse. A importância de um talo de capim açu e a velha vereda torta que ajudou o poeta andar a vida inteira na linha. Seria? Não há quem aguente essa maldita roda vida que não leva a nada, e apenas nos deixa tontos. Eu também enchi o saco, e quero a calma dos jabutis, se for possível, senhor! Muito bom, porque é direto e objetivo. Surpreende até pela obviedade.
Flores de Vidro. A raiz é forte, o homem precisa de referência para andar por aí.
Em carpintaria o poeta acha que nunca será ele, mas já o é. A busca por outro é uma perda de tempo. Fomos aprisionados na origem, é lá nosso porto de retorno.
Tear das eras está na mesma linha de busca da identidade perdida, ou esquecida, ou que pouco a pouco parece que é-nos estranha.
Retratos lembra os poemas reportagem de Luduvice José. O rufar de tambores leva ao passado, aos ancestrais, à ciência dos feiticeiros que habitavam nossa aldeia primitiva.
Também sertão assume o poema descritivo/reportagem e levanta pedras. Há demais nesse caminho de matilha. Aquele “mofino jamais” sobrou no meu bocapio, tive que jogá-lo num redemoinho que passava quente com o diabo dançando dentro. Eita sertão cerne da aroeira, não come carne que é tenra e revela mundos amenos. A não ser que fosse carne de pescoço.
Elegia antiga dedicada à João Oliva. E acabaram a aurora, por acaso? Vamos amanhã de madrugadinha ao sítio Saracura de Itabaiana ou a qualquer rincão desse Brasil bucólico que o poeta esqueceu. Mesmo em Aracaju, no conjunto Inácio Barbosa, o poeta canta a aurora e ouve os galos tecendo um novo dia.
Uma questão de fé. Há um link (sempre há) ao passado que teima em sobreviver. E aí ressurge o fazendeiro de terras curtas, de sete vacas magras, que era uma graça de Deus. Obrigado também por ter a chance de ler livros de poesia, que muitos acham que não passam de um pasto de malva branca que o gado não come.
Flores de vidro, o poema faz apologia às sutilezas que apenas os puros percebem. Esse retorno ao passado, onde dez irmãos, como os dez de lá de casa, abrem a boca abismados ante a benção do céu sobre uma mesa sortida de feijão, cuscuz, leite e luz.
O rio e o pai. Que bonito: “E que, por vezes, ela apanha um pouco de água no chapéu e a guarda na algibeira. E brinca com ela, como se fosse um mar particular”. Versos antológicos, ou será que, finalmente, embarquei nessa nave. O link entre o sonho da água pouca e o homem seco, encanta. Vale um livro inteiro, um bom cantor nacional precisa gravar essa canção.
Para mim, o poema “O Rio e o Pai” foi suficiente mas, na página seguinte, brota Árvore Impossível. Outra ode às raízes, à origem. Pequenos gestos remotos observados geram um poeta, até. Eu senti que estes poemas poderiam ser meus, se Deus me desse o dom que deu a Jozailto.
Gravura familiar. Dois é bom mas três é demais; então vejam a força desses cinco versos: “o melhor lugar do domingo / era o congote do pai // dali, eu via a aurora / tecer a luz // e o horizonte inventar larguras”. Talvez Aracaju, que nem existia na geografia do guri, aparecia envolta em uma nuvem cor de rosa, tentadora! Estou agora andando em admiráveis momentos. Pois, por mais duro que tenham me criado, cedo-me à beleza de palavras. Aqui elas não estão para em ganhar ninguém, são seres reais com vida, com sentimentos, como eu sou.
Um avô. E prossegue o poeta aparentemente esgotado, mostrando o surpreendente acervo que a vida guarda para nós e que muitos nem querem ver.
Flores de Vidro, a meu ver, é a parte imperdível do livro. Encanta o nicheiro sabido, o leitor desprevenido, até os catecúmenos, como eu.
E na mesma linha dos poemas que citei atrás, estão (talvez menos lúcidos só um pouquinho): Augusto: palavras fortes, figuras vivas que saem do livro e se postam à frente do leitor querendo conversar; Carpintaria: o final glorioso; terra serás; Fatalismo: Todas as camadas sedimentares dessa montanha mostram-se concisas, completamente claras, imprescindíveis. Em uma terra dessa, eu moraria sem medo nenhum; Infância – o medo do desconhecido, “no além das nuvens e seres que devoram mais que o bicho papão?; Ausência de um rio. Por que um rio faria tanta falta? Só por causa de Pessoa? Um pé de mandacaru hirto pode valer muito mais; Réquiem para seu ninguém. Desde quanto há ternura em um espinho? Tão profundo que nem consigo ir ao fundo.

xxx

Ao final de tudo isso, só me cabe dizer que “Ainda os Lobos” é como um salão do Louvre, onde você visita e sente-se gratificado: telas se desnudarão e o pegarão, de imediato. Outras, muito depois ou jamais. Mas em todas, você sentirá que há muito mais a ver. Nem todo tempo do mundo, provavelmente, seja suficiente para percebermos a beleza de cada pixel. E ainda há a necessidade do clima íntimo adequado. Onde achar esse tempo e esse clima?

Todos sabemos que o Museu do Louvre interessa à pouca gente, apenas a alguns abençoados, entre os quais eu estou. Mas poucos destes abençoados jamais o desfrutarão como ele merece ser.

xxx

Independentemente do valor de cada poema, em um livro, todas se parecem. Pela forma, pelas imagens trabalhadas. Cada um segue um mesmo padrão geográfico: constata, avalia e conclui. Por isso e pelas cortinas que os protegem ou os cobrem, podem levar, vez por outra, ao enfado do leitor. Belas telas perdem-se nessa monotonia. No caso dos livros de Jozailto, a desobediência às regras basilares da escrita, pisando os sinais de pontuação, posicionando-os aleatoriamente, abaixando as caixas ao rés do chão, apenas confunde o trânsito, não agrega qualidade nenhuma além das que os poemas têm por conta própria. Deixa um ranço de afetação e de certa prepotência. Além do enfado, provoca antipatia.
Pode ser que a poesia de Jozailto tenha poucos leitores. Consumir poesia requer tempo, serenidade. E todos vivemos em contínuas correrias. Uma civilização de comida pronta. Talvez o autor diga que isso não importa. Drumont é eterno.

Eu penso que a poesia precisa cavalgar o vento e, como a chuva e o sol, ser universal. Nada de enrolar-se em figuras convexas, rodar em volta de si como a mariposa ao lampião. Nada de espalhar enigmas, especialmente, se a poesia tem a alma das alturas, e esta tem.

Eu queria me assustar, me surpreender, morrer aturdido se preciso fosse, a cada verso.

(Não deixe de ler a réplica de Jozailto às considerações que fiz acima. No anexo integral, a seguir).

(Aracaju, 23/09/2016, Antônio Francisco de Jesus Saracura. Agora, em 04 de março de 2019, corrigi os erros gramaticais que vi e arranquei rabinhos que nem sei porque estavam grudados inconvenientemente aqui e ali).

Anexo (A réplica de Jozailto Lima)

Meu caro caríssimo Saracura,

Antes de qualquer coisa, quero lhe agradecer pela leitura de Ainda os lobos e pelo trabalho da breve exegese de alguns dos poemas dele e, sobretudo, pela emissão escrita desses pontos de vista. 

Isso é muito simbólico em face de que muitas pessoas leem os livros e se silenciam diante deles e dos seus autores. Você não: você abre a boa torneira verbal e emite seus juízos. Muitos desses juízos, demasiado pertinentes, como os das visões dos poemas da secção Flores de vidro. 

Noutros, ao meu ver, calcado em equívocos e preconceitos - e, ainda assim, longe de mim censurar-lhe por isso. Cada leitor é um universo livre diante da leitura e do que lê. Com o amigo não seria diferente.

Se eu pudesse lhe sugerir algo, lhe recomendaria que lesse mais sobre poesia e que, sobretudo, lesse a própria poesia em si - afinal, você é um escritor e movido por uma extrema boa vontade diante da palavra escrita. E que lesse os bons poetas, - não os Jozialtos da vida: Drummond, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Borges, H. W. Auden, etc.

Senti, na sua leitura, uma certa confusão entre o que é a escrita e o que é escritor. O que é o poema e o que é o poeta. Um poema é uma obra de arte e de ficção - eu nunca tive trinta irmãos, como fala o poema Mágoa (colina alta).

Não tenho Tio Romão na família, nem leão, o cão caolho, com o faro cego e sarnento, surdo, “rosnando e bufando nas horas mortas”. Sou um criador. As vezes biográfico, às vezes puramente inventivo - como manda o manual mínimo de literatura. Não é de tudo recomendável que misturemos o poema e o poeta. O poema é autônomo, indevassável. Deve “comunicar-se” por si mesmo e por si só. 

Não existe, na poesia, no chamado eu-lírico, “idolatria ao eu”. Existe, Saracura, a fundamentação, teórica, prática e científica, do lirismo, segundo a qual quando um autor fala do “eu” está falando da espécie humana como um todo. Não da figura pessoal de si mesmo.

Já falamos sobre o assunto ao telefone e volto a dizer aqui que acho lamentável a sua visão diante de alguns aspectos estéticos, como o do uso da caixa baixa, na qual acha o amigo que “deixa um ranço de afetação e de ilusória prepotência”. Creio que “afetação e ilusória prepotência” possivelmente passasse qualquer autor que escrevesse tudo em caixa alta. Isso sim. Seria querer gritar contra a espécie humana.

“Não podemos ignorar, entretanto, que o Museu do Louvre, interessa a pouca gente, a um nicho de abençoados entre os quais eu estou”. Não se iluda. A poesia, a linguagem dela (sobretudo a canônica), nunca foi de multidões, irmão. 

Os livros de poemas dos grandes autores do seu país não passam de três mil exemplares. Uma novela da Globo atinge 80 milhões. E antes que você me acuse de boçal, o problema não está na poesia e nem nos poetas. Está na configuração da educação do mundo inteiro, onde a poesia nunca foi uma prioridade. 

No mais, pela sua visão de escrita, de vida e de mundo, creio que valha a pena uma sessão de pingas e conversas literárias num bar fregemosca, daqueles em que os bons bêbados tropecem na nossa fala longa e sem pressa. Afinal, não há cachaça forte que não mate as bactérias kkk de determinados preconceitos.

A propósito das suas observações aos poemas, faço aqui breves ponderações.

O poema “Poética II” faz uma apologia à liberdade. E pede a abolição de toda palavra em estado de dicionário, a que não comunique. Se você fosse por aqui, estaria indo bem. É uma proposta ousada e em nome de uma fala livre: “abolir o dicionário e todos/ os farfalhares insólitos/ que façam da fala calvário” A fala não merece calvário. 

“Particular”: tem interpretação profundamente equivocada. O amigo não viu a caracterização das individualidades humanas no poema. Quando o poema diz

nem vê como vejo
a grafia daquela nuvem
que se inscreve e se desfaz
no meu horizonte particular

está dizendo que cada ser tem um olhar único. Cada homem/espécie tem seu horizonte especifico, daí o título.

“Não menospreze os alguéns na vida”: isso é gravíssimo na análise literária. Um poema é ser livre. Não “menospreza” ninguém.

XXX

O “pode ser” de “Distâncias”, amigo, está corretíssimo. As duas palavras ressaltam, com precisão, a dificuldade de comunicação de nós falantes da língua portuguesa, praticada por menos de 250 milhões de pessoas num mundo de 7,5 bilhões de falantes.

XXX
Em “Jó”, acho que a imagem não foi bem captada por você. Não lhe atingiu. Não há pedantismo nenhum nele. Por acaso, amigo, a lua nos está perto? Logo ali na serra de Itabaiana? Claro que não. Nem ela e nem os seis objetos nominados pelo poema._

No poema, são contabilizados como os seis objetos a própria lula, a águia imaginada, mais jorge, o dragão, o cavalo e a lança.

Num poema tudo tem lógica, irmão das almas: o verso “Os seis num tão longe” serve de contraponto para o imediato “perto” de

perto, 
só a noite ampliada 
sob o clarão do ouro dela 
e a paz de uma pomba 
sem ramo algum no bico,
apascentada aqui no chão comigo.

Usado pelo poema numa evocação da pomba da arca de Noé, “apascentada aqui no chão comigo”.


XXX
Não posso fazer nada se esse “os de Adão”, de Gênesis, não lhe convenceu. A poesia é também questionamento filosófico e existencial. A mim, como poeta, me é dado o direito de dizer que os filhos de Adão são bons bandidos. Me desculpe: não carece mesmo de você concordar. Ainda mais se fores um positivista juramentado.


XXX
Ficou patente que o amigo não captou o extremo afeto, a ternura, em forma de protesto, que o poema “Ao rés da Fera” traz e revela. Ele é um poema que beija os olhos desse Brasil dilacerado por corruptos e corrompidos.


XXX
Em Seiva, o “Da árvore ao chão e do chão à árvore”, é uma apologia oriental de que toda folha caída ao chão volta à arvore em forma de insumo, de adubo. De vida nova. É mais ou menos como na visão do kardecismo.

XXX
O misterioso: por que “dois riscos” seria uma imagem óbvia. E num poema, muro pode ser, sim, tronco de árvore e pode ser entalhado.

XXX
Creio que o amigo levou a leitura de Carpintaria (A busca por outro é uma perda de tempo) ao demasiado pé da letra e não captou o lirismo existencial do poema. As garras das raízes. Releia-o.

XXX
Repare como você é leitor-literal e ao pé de letra em Elegia antiga: “E acabaram a aurora, por acaso?”. Claro que não acabaram com a aurora, fidapeste. Mas o poema é feito numa perspectiva urbana. E quem num apartamento de SP, Londres ou Aracaju ouve galos?

XXX
Que belas visões você teve dos poemas O rio e o pai, Árvore Impossível, Gravura familiar, Um avô, Augusto, Infância. Não tiro e nem ponho nada. Este modo de escrever, com olhos para trás, contamina minha poesia de uma forma radical. Eu gosto e não sei me desfazer desse modo. 


XXX
Jesus: você leva as coisas bem ao literal em demasia. Como uma criança.

persigo-o, 
na ternura do espinho,
no entornar do sangue,
na fraqueza da parábola.

Leia o drama de Cristo no poema com olhos mais abertos e você sentirá a pulsação.
Você é o cara. Bom lhe ter como interlocutor.

Um abraço ciboleiro
jozailto lima, em caixa baixa, e jamais boçal.



ÁGUA BRANCA HISTÓRIA E MEMÓRIA, Edvaldo Araújo Feitosa


ÁGUA BRANCA HISTÓRIA E MEMÓRIA, Edvaldo Araújo Feitosa, Edufal (Editora da Universidade Federal de Alagoas), 2014, 153 p. :Il, Isbn 9 788571 778412

Bom seria se cada município tivesse o seu biógrafo. Um pelo menos. Filho de sangue ou adotivo, que recolhesse a memória do povo e dos documentos e desse-lhes corpo em um livro que jamais se perderia.

Como fez e faz Edvaldo Feitosa em Água Branca das Alagoas.

Conheci Edvaldo no que se chamou Primeira Bienal do Livro de Paulo Afonso, na qual não houve leitores, apenas autores de livros. Iniciei o escambo como saída para manhãs e tardes de pura monotonia. Ele, como eu e cerca de quarenta escritores, trocamos livro por livro, divulgando nossa literatura com o que havia à mão. Plantamos nossas sementes em nosso próprio quintal. Depois, na Bienal de Alagoas, voltei a encontrar Edvaldo, lançando outro livro de História, não sei se sobre Água Branca ou sobre Delmiro Gouveia, que são lugares onde transita. É que Edvaldo era um destaque no stand de lançamentos da Universidade de Alagoas, cercado de ilustres, solicitado por fãs, e eu, apenas, o cumprimentei de longe, pelas gretas entre as pessoas. Por sorte, escutei, em um discurso pronunciado, acho que pelo reitor da Ufal, referências à obra ovacionada.
   
Sobre os meus livros, os que entreguei aos escritores por conta do escambo, até hoje, nenhuma ressonância houve que chegasse aos meus ouvidos.

 Quanto aos livros que recebi, li as poesias, os contos, as histórias de gente e de lugares. Os demais, 
levei-os à gelatecas (geladeiras usadas, transformadas em pontos de distribuição ou troca de livros) de ou à escolas públicas. Livro é como sangue, têm que circular ou talha, dá gangrena. Faço isso até com os livros que leio e não tenho onde guardar na minha minúscula biblioteca. Retenho apenas os que me amarraram de tal forma, que eu teria que ir também junto.  

Água Branca História e Memória fala da terra, uma zona amena do sertão do são franciscano. Fala das famílias que habitam o lugar, desde os remotos tempos, sua genealogia. Fala da política com seus mandatários; da igreja com seus vigários, do povo atual na sua luta do dia à dia para fazer ali um bom lugar de se viver.

(Aracaju, 17 de dez de 2014. Recuperada dos alfarrábios em marco de 2019)

domingo, 3 de março de 2019

ABSOLVO E CONDENO, Gizelda Morais


ABSOLVO E CONDENO, Gizelda Morais, Editora Vertente (2000),Isbn: 85-86345-73-3






Um juiz de Vara de Família encontra na vida uma mulher muito mais jovem e se envolve até a raiz do cabelo.  Sobe ao Céu, redescobre sentimentos que já haviam morrido, há muito, nele. O íntimo do magistrado entra em convulsão. Dúvidas estraçalham seu discernimento. Os conflitos se intensificam com a família original. Desencontros, tramas, tráfico, emails desviados, Brasil, Japão, polícia, escamoteios, prisão, duplos personagens. Uma filha demonstra-se a grande amiga nessa encruzilhada, ajudando o pai a recuperar a paz que a idade requer.



Li dois livros distintos dentro de Absolvo e Condeno.

O primeiro (Entre as Próprias Paredes) é monótono. Estive a ponto de abandonar a leitura algumas vezes. As ruminações do doutor João não me cativaram absolutamente. Foram 136 páginas de sofrimento, porque eu não podia parar a leitura. Afinal, era um livro de Gizelda Morais, a grande intelectual sergipana.

O segundo livro (Entre as Paredes do Mundo) é eletrizante, impossível parar de ler. Excelente pique
narrativo mantido o tempo todo, deixando o leitor agoniado, querendo sempre ler mais, saber mais um pouco. Nenhuma palavra fora do lugar, nenhum fato desencaixado. Até resolve incoerências que o primeiro livro deixou plantada, como no caso do email solitário de Akiko reclamando da falta de notícias.

Depois de concluída leitura do livro inteiro, fiquei considerando se não deveria reler o primeiro. Poderia ter sido culpa minha. Meu santo podia ter me abandonado naquelas 136 páginas. Nenhum escritor abriria mão de cativar o leitor logo no início de um livro. Ou melhor, no início no meio ou no fim, em toda trama. Mas muito mais no começo, que é a hora de cativar o leitor. De que serve um final espetacular se nenhum leitor o alcança?

Mas não reli o primeiro livro. Preferi guardar a impressão sombria. De qualquer jeito, eu não o abandonei. Mesmo sofrendo o clima de deserto, avancei e alcancei o oásis.

Mesmo estando dentro do segundo livro, o que elogiei, o finalzinho (o fecho da história) pareceu-me mediano. Bastava que o autor desse a notícia de que o equívoco fora esclarecido. Gastaram-se páginas e trama para trazer um homem para nada.

Achei o título inadequado ao romance, poderia se chamar A Última Paixão. Do mesmo jeito que Ibiradiô poderia se chamar Guerra injusta. E a Procura de Jane, O Retorno de Jane.

Mas título de livro é um de meus traumas. Como sofro para achar os meus!

(Aracaju, 13 de julho de 2014. Recuperada em 03 de março de 2019. Antônio FJ Saracura)


A VINGANÇA DE WINNETOU, Karl May


A VINGANÇA DE WINNETOU, Karl May, Editora; Vila Rica, sbn: 85-7344-493-2



José Augusto Viana, o Gustinho de meu romance “Meninos que não Queriam ser Padres” (está em muitas passagens), ex-colega de seminário, mandou-me o livro de São Paulo, achou acidentalmente na estante escondida de uma livraria. Calculou que eu iria gostar muito de rever meus heróis juvenis, "Mão de Ferro" (Old Shatterhand), devido as suas habilidades com os punhos e que narra suas próprias aventuras, e "Mão de Fogo" (Old Firehand), devido as habilidades no manejo das armas, que ele sabia pelo meu entusiasmo ao narrar aventuras espetaculares nos oitões proibidos do seminário.
E gostei mesmo!


Bastou eu abrir o pacote (uma surpresa não anunciada) e retirei de minha frente, Cadernos de Ruminações, de Francisco J. C. Dantas. Também afastei a um lado os poemas de Jeová Santana e de José Ronaldson, que havia trazido da última Roda de Leitura da biblioteca Epifânio Dórea. Depois, se Deus me der folga, retornarei aos meus ídolos tupiniquins, aos clássicos da boa literatura produzida aqui.

A Vingança de Winnetou é um pequeno romance, juvenil, arrebatador. A exemplo de toda bibliografia de Karl May.

Quem já leu esse alemão que varou o mundo em pensamento: Pelo Kurdistão Bravio, Winnetou, Através do Deserto, e muitos outros? 75 milhões de livros somente na Alemanha, foi traduzido para quase 100 países, onde vendeu 200 milhões de livros. Os seus romances incendiaram a juventude dos anos 60. Escreveu mais de 75 livros. No Brasil a editora Globo traduziu 30 livros.

Montei no meu cavalo xucro e retornei às pradarias do oeste americano. Enchi os olhos de lágrimas, emocionado. Subi serras, cavalguei campos sem fim em boa companhia. Fiz justiça, matei índios sanguinários e caras pálidas mau-caráter. Ri das estratégias inventadas nos momentos críticos, quando, aparentemente, tudo estava perdido. Sangue frio, serenidade. Se a morte parece inevitável, tem-se mesmo é que relaxar. E se não tiver jeito, “precipitar-se na eternidade com um sorriso nos lábios”:

- Já fez as pazes com Deus?
- Por que pergunta isso, coiote?
- Porque chegou a sua hora.
- Mas não me recordo de haver brigado com Ele! Não vejo porque então tenha que fazer as pazes.

É uma pena que os livros de Karl May, como também de Júlio Verne, Emílio Salgari, Edgar Wallace, Alexandre Dumas, Mark Twain, Jack London, entre muitos outros. não estejam mais, facilmente, disponíveis. Sumiram das livrarias e até das bibliotecas. Eles me formaram leitor para a vida toda, totalmente enfeitiçado pelas aventuras e amores puros. Eram livros fáceis de ler, de entender. Divertidos, emocionantes, instigantes. Quem se batia com um deles, certamente se transformaria em um leitor contumaz.

Hoje, entretanto, a maior parte dos livros que nos cercam são complicados. Mesmo os escritos em nossa língua exigem dicionário para serem entendidos. Ou cursos preparatórios de filosofia, de medicina, de psicologia, de uma ciência qualquer dominada pela elite metida. As histórias contadas são enigmáticas, sejam em romances, em contos, em crônicas, e especialmente, nos poemas. Poucos falam de nosso povo, de nossos costumes, de nossa terra, da simplicidade das nossas coisas. Os autores talvez pensem alto demais. Achem que falar da gente é descer ao barbarismo.

Deve ser por isso que as estatísticas registram cada vez menos leitores de livros entre a juventude. Quem vai deglutir tanto sabedoria acadêmica? Tanta aparente baboseira? Quem vai se arriscar a uma travessia tão sombria?

Gostei muito de rever meus heróis do tempo de menino. Obrigado Gustinho, José Augusto Viana, lagartenses intelectual, que assumiu o Estado de São Paulo como sua terra, Santo Amaro como sua casa, e o “Curintha” como sua religião pagã cheia de deuses bons de bola.

(Aracaju, 13/07/2014, Antônio Francisco de Jesus. Recuperada dos alfarrábios em 03 de marco de 2019).

A VIDA GLORIOSA DE CASTRO ALVES, Américo Palha,



A VIDA GLORIOSA DE CASTRO ALVES, Américo Palha, coleção Enciclopédia Histórica: volume 05


Direto da biblioteca de Euclides Oliveira, a exemplo de outros livros que tenho lido.
Euclides é um amigo irmão que ganhei por conta de Os Tabaréus do Sítio Saracura, nos idos de 2008 ou 2009. Havia um recado na caixa postal (Ribeirão replicava quando me via) para que eu passasse em um casa, e informava um endereço fácil de achar, na rua São Cristóvão, na subida da ladeira, no centro da cidade.  Relutei, ameacei ir, mas temia nem sei o quê. Assim, passaram-se meses, até que, ao subir, um dia, a rua, vi duas pessoas conversando à porta da dita casa. Havia uma vaga de estacionamento em frente. Nem fui eu quem parou, o carro tomou-me o controle e encostou. Então começamos uma amizade que jamais se acabará.


Euclides é um homem erudito, cheio de memórias, contador de histórias. Manteve colunas políticas no Jornal da Bahia por mais de trinta anos, possui livros de crônicas espetaculares à publicar, e um publicado, que se chama, Garimpando Lembranças. Lê compulsivamente e mantem uma pequena biblioteca que é ouro puro, da qual cato pepitas para me reconfortar.   

A Vida Gloriosa de Castro Alves é um livro destinado ao público juvenil, que ainda o sou, apesar quase setenta que tenho. Faz abordagem ufanista dos principais fatos na vida do poeta baiano que, morto aos 24 anos apenas, deixou, entre outros, o livro, Espumas Flutuantes, que deveria estar em cada escola, em casa lar.

Enriqueço essa resenha com um texto de autoria de Elaine Barbosa de Souza, Graduada em Letras (Português e Inglês pela FMU (2002, denominado: biografia, obras e estilo literário: 

“Antônio Frederico de Castro Alves foi um importante poeta brasileiro do século XIX. Nasceu na cidade de Curralinho (Bahia) em 14 de março de 1847. No período em que viveu (1847-1871), ainda existia a escravidão no Brasil. O jovem baiano, simpático e gentil, apesar de possuir gosto sofisticado para roupas e de levar uma vida relativamente confortável, foi capaz de compreender as dificuldades dos negros escravizados. Manifestou toda sua sensibilidade escrevendo versos de protesto contra a situação a qual os negros eram submetidos. Esse seu estilo contestador o tornou conhecido como o “Poeta dos Escravos”. Aos 21 anos de idade, mostrou toda sua coragem ao recitar, durante uma comemoração cívica, o “Navio Negreiro”. A contragosto, os fazendeiros ouviram-no clamar versos que denunciavam os maus tratos aos quais os negros eram submetidos. Além da poesia de caráter social, este grande escritor também escreveu versos lírico-amorosos, seguindo o estilo de Vítor Hugo. Pode-se dizer que Castro Alves foi um poeta de transição entre o Romantismo e o Parnasianismo. Castro Alves morreu ainda jovem, antes mesmo de terminar o curso de Direito que iniciara, pois, vinha sofrendo de tuberculose desde os seus 16 anos. Apesar de ter vivido tão pouco, este notável escritor deixou livros e poemas significativos. É considerado um dos grandes nomes da terceira geração do Romantismo brasileiro: Espumas Flutuantes, 1870; - A Cachoeira de Paulo Afonso, 1876; - Os Escravos, 1883; - Hinos do Equador, em edição de suas Obras Completas (1921); - Navio Negreiro, 1869; - Tragédia no lar; Gonzaga ou a Revolução de Minas (teatro, 1875).”

Xxx

O seu mais conhecido poema, “Navios Negreiros”, foi um dos primeiros que decorei e que declamei, ainda no seminário. Não sou de decorar nada, nem de reter na memória o que não seja essencial ao meu dia-a-dia. Mas algumas estrofes de Navios Negreiros teimam em se manter vivas na minha mente.
Li o livro em uma hora e chorei de emoção aqui e ali. Tocam-me o entusiasmo das pessoas pelas causas humanitárias.
O livro aborda, se bem que de maneira breve, o embate com Tobias Barreto, condoreiro como ele também.

Permitam-me reproduzir a visão do próprio Castro Alves sobre o conflito com Tobias em (http://www.projetomemoria.art.br/CastroAlves/memorias/memorias_amor.html:

“Durante algum tempo, aliás, minha sina foi entrar em conflito com Tobias. Começamos como amigos - temos inclusive poesias dedicadas um ao outro; passamos a colegas, tornamo-nos rivais e acabamos inimigos. Intrigas pessoais e literárias. O Tobias era feio, velho, escrevia mal e declamava pior ainda. Nos recitativos ficava nervoso, tinha um jeito desastrado, não controlava a voz. Já eu, que possuía domínio cênico, entrava vestido de negro, com uma flor na lapela, óleo nos cabelos, madeixas minuciosamente espontâneas e pó-de-arroz no rosto, para parecer mais pálido. Por modéstia, não direi que frequentemente as moças ficavam tão próximas do delírio quanto os rapazes, da inveja. Mas nem depois de morto eu descansei do Tobias: um historiador literário, Sílvio Romero, sergipano como o poeta, resolveu promovê-lo postumamente às minhas custas, afirmando a superioridade do conterrâneo sobre mim. Até hoje, todos só se lembram de Barreto por isso, naturalmente para discordar de Romero (aqui, sou o primeiro da fila)”.

(Aracaju, 20 de maio de 2013, Antônio FJ Saracura; resenha recuperada dos alfarrábios em 03 de fevereiro de 2019).