terça-feira, 12 de dezembro de 2023

A MULHER QUE SE CASOU DEZOITO VEZES , Edleide Santos Soza

 A MULHER QUE SE CASOU DEZOITO VEZES  (Cordel, letramento literário e verbo-visualidade),  Edleide Santos Roza, Criação Editora, 2022,142 pag, il, Isbn 978-65-88593-78-3.

 


02/09/2023, 06:52:12] Antônio Saracura para Edleide in wsapp:

‘’Li o primeiro capítulo e pedaços ao longo do texto de “Cordel Letramento Literário Verbo-visualidade” agora. Estou fazendo festa. Os meus pontos de vista (que são um tanto gerais mas absurdamente contestados por muitos) foram consolidados em palavras claras e argumentos incontestes pela professora. Obrigado pelo presente com dedicatória e tudo”.

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(Voltando ao livro...)

A autora, professora Edleide Santos Roza, de Escola pública em Riachão do Dantas, traz-nos uma boa surpresa em sua dissertação de mestrado de conclusão do curso de Profissional em Letras da UFS. A poesia de um cordelista chamado Valeriano Feliz dos Santos, com quem nunca tive a chance de me encontrar, mesmo vivendo, como eu vivo, intensamente, o dia a dia literário. Nem João Firmino Cabral, nem Pedro Amaro, nem Zezé de Boquim, que conviveram com Valeriano e comigo, me falaram do poeta, que me lembre. Certo que Valeriano já era falecido (em 1996) e eu apareci na literatura apenas em 2008, com a publicação do livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura”.

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Valeriano nasceu em 1926 no Riachão do Dantas, povoado Palmares. Viveu na Bahia a idade madura, em Simões Filho, onde foi funcionário público e se aposentou. Consta ter exercido o jornalismo.

A professora usou, em sua análise, apenas um livreto de Valeriano: “A mulher que casou 18 vezes”.

Um bom livreto. Tem rimas naturais, visco na trama, tem humor, chacota, a melhor verve. Valeriano não é um poeta qualquer, conhece a arte, domina a ciência do sentimento, manobra o amor e a morte com segurança. 

Cria versos e estrofes, que são tiros certeiros.

Valeriano é autor de muitas obras.

80 livretos dele foram encontrados no acervo da biblioteca da fundação Rui Barbosa no Rio de Janeiro e mais 43 constam na bibliografia escrita pelo próprio autor na sua obra “De volta ao ninho antigo”.

Foi poeta integrado ao meio cultural do tempo. Seus livros eram impressos no Rio de Janeiro e São Paulo, boa parte pela Editora Luzeiro, pelas Visual Books e DocReader.

E teve projeção nacional. O livro “O Encontro de tia Policarpa com o seu destino”, foi transformado em série, exibida na semana de 10 a 14 de janeiro de 1993, no programa Caso Verdade da TV Globo.

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E a professora navega pela teoria literária e pelos seus naturais mares de saber, consolida conceitos, disseca os versos de Valeriano nos 18 casamentos da mulher singular. Faz uma cuidadosa avaliação técnica literária do romance que tomou como foco. Não lhe escapa nada, desde as editoras que o publicaram, às capas que o ilustraram... Tece considerações sobre cada componente, validando-o, seja verbal, seja visual. E enriquece a dissertação ao oferecer aos colegas professores de Língua Portuguesa, roteiros lúdicos de aulas “que podem ser usados, de imediato, em qualquer série de educação básica”, conforme observa o mestre em Letras pela UfS, Lucas Santos Silva, na contracapa.

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Catei meia dúzia de estrofes de  “A mulher que casou dezoito vezes” para ilustrar esta resenha.

 

E naquele cemitério,

uma cova existe aberta,

pois quem casar-se com ela,

 Perde a cama e a coberta,

Não comerá mais pirão,

pode levar o caixão,

que tem a morte por certa (Página 4).

 

 

Mas em cada sepultura,

Há de deitar uma flor,

Dizendo: Durma feliz

o meu décimo oitavo amor...

Que a terra lhe seja leve,

e outro irá dentro em breve

aliviar sua dor (página 5).

 

Soluçando inconsolável

Disse consigo: Eu não acho

um homem que seja homem,

Um macho que seja macho.

Escuto roncar trovão

chove tanto no sertão

Vive seco o meu riacho (Página 9)

 

Na verdade, não sou feia

sou rica, dengosa e bela

Todos olham para mim

se vou até a janela...

Tenho os cabeços compridos,

já tive tantos maridos

mas continuo donzela... (página 10.

 

Eu me caso com você,

-Disse o rapaz destemido -

nem que morra logo após

engasgado ou entupido,

está selado o assunto,

me considero defunto

mas hei de ser seu marido. (página 10).

 

Aracaju, 19 de novembro de 2023, por Antônio FJ Saracura.

 

 


sexta-feira, 6 de outubro de 2023

LIVRO SOBRE LIVROS, coleção, Eneas Athanázio,

LIVRO SOBRE LIVROS, coleção, Eneas Athanázio, 2023 desde 2019, editora Minarete, Camboriú, Santa Catarina, Sem Isbn e CDC.

 


Os livros de Eneas, e não são poucos, saem sem cdc ou isbn; não vão ao mercado literário, brindam amigos e instituições. Amigos como eu, que tive o prazer de receber a visita deste ilustre senhor aqui em Aracaju.

Eneas escreve sobre Santa Catarina muito, que é sua pátria e merece. Tem publicado contos, novelas, ensaios (o Contestado é o tema recorrente), costumes e manias do catarino, viagens pelo Brasil (sua maior cachaça), coletâneas de artigos que saíram em revistas e jornais.

Duas ou três vezes por ano eu recebo pelo correio um novo livro de Eneas. Também envio os meus quando saem do prelo. Ele escreve resenhas e as publica nas colunas que mantem na mídia. Eu não consigo acompanhar o ritmo do infernal barriga verde.

“Livro Sobre Livros” (são quatro volumes) falam de livros, de autores e, aqui e acolá, inclui contos de sua lavra. Uma boa lavra. 

No volume 01 (artigos), publicado em 2019, há Ranulfo Prata acolhendo Lima Barreto em Mirassol; há Anita Mafaldi, André Malraux, Câmara Cascudo, e outros. Há Simenon, que é meu relax também, com os inteligentes romances policiais para serem lidos de uma sentada.

Eneas comenta o livro “Os ditadores mais perversos da história” e, ao concluir, levanta o cartão vermelho e conclama-nos: “A grande lição do livro é simples e direta: a vigilância democrática nunca pode afrouxar e precisa ser barulhenta como os gansos do Capitólio.”

No volume 02 (Autores Catarinenes), de 2020, apresenta um apanhado da literatura de Santa Catarina, que é rica. Alguns dos nomes por aqui ainda não chegaram, o Brasil é formado por nichos isolados. 

No volume 03 (Ernest Hemingway), também de de 2020, dedica 119 páginas a Ernest Hemingway. E recorda a tragédia literária que se abateu sobre o grande Hem. A esposa quis fazer-lhe uma surpresa (ele a chamara para pequenas férias no interior da Suiça onde encerrara a participação em um congresso) e botou os originais do livro em que o marido trabalhava há anos (também a cópia, por engano) em uma valise. No trem, a valise foi roubada e ninguém achou mais nunca. Hemingway ficou enlouquecido: “Eu tinha escrito aquilo tantas vezes para chegar aonde eu queria... Não há como escrever o livro outra vez.”

O volume 4 (Contos e artigos), que saiu em 2023, traz seis contos, no início e, a seguir, artigos sobre grandes nomes da nossa literatura: Humberto de Campos, maranhense, que entrou na Academia Brasileira com 40 anos e viveu apenas mais 8 anos... A destruição de João do Rio. As colunas sociais de João eram replicadas por Humberto, no dia seguinte, mostrando os podres dos personagens louvados. Guerra sem trégua nem quartel. Quem quereria ser louvado por João para Humberto esculhambar? 

Gilberto Amado, sergipano e orgulho de todos daqui, tem 12 páginas para si. “Sacou a arma e atirou em Aníbal que o provocava. Dois tiros certeiros, Anibal morreu na hora. Nem Gilberto acreditou ter acertado. "A História de Minha Infância”, só a li quando já havia publicado “Os Tabaréus do Sítio Saracura”. Foi a sorte de meu livro, porque não existiria se eu tivesse lido Gilberto antes.

Guimarães Rosa, mineiro que deu nova vida a literatura brasileira, então exangue, ganha 32 páginas. Eneas vasculha a imensidão dos Gerais e se retém onde reside a essência de um povo esperto. “Quem qualquer daqui jura que ele tem um capeta em casa, miúdo satanazin, preso obrigado a ajudar em toda ganância que executa razão que Zé Simplício se empresa em vias de completar rico.”

Depois vem Vargas Vila, neste mesmo tomo, de quem eu já esquecera totalmente. Foi sucesso na segunda metade do século XX, unanimidade. "Na obra de Vila, a realidade e a ficção se envolvem de tal forma que é difícil separá-las”. Bateu-me aquele sentimento de inutilidade: o que estou fazendo? Não adianta escrever muito, escrever bem, será esquecido.

Stefan Zweig me deixou ainda mais assustado com o absurdo da guerra, com a maldade desse animal que se diz superior.

O inspetor Maigret elucida mais crimes e empata com Poirot e com Holmes. Não fica atrás de ninguém. “Grandalhão, meio pachorrento, envergando o inseparável sobretudo com gola de lã, usando chapéu preto e sugando o cachimbo...” Toda minha coleção, formada com zelo, emprestei ao velho jornalista Carlito Conceição, que vivia muito só. Após sua morte, encontrei o filho na rua João Pessoa e perguntei pelos meus livros. “De quem? Não vi livro nenhum desse tal Simenon”.

(Aracaju, 06 de outubro de 2023, por Antônio FJ Saracura)

 

 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

SOBRE LIVROS LIDOS, O BLOG

 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

SOBRE LIVROS LIDOS, O BLOG, Antônio FJ Saracura

 SOBRE LIVROS LIDOS, O BLOG, Antônio FJ Saracura, escritor da Academia Itabaianense de Letras, afjsaracura@gmail.com)


Fui, outro dia, ao lançamento do livro, “Aracaju meu Encanto”, de Perolina Mariani Bensabath, na igreja Batista da Coroa do Meio, em Aracaju. Uma cerimônia familiar, íntima. A autora é uma senhora de 87 anos, e, frequentou, tempos atrás, as reuniões da Academia Sergipana de Letras, divulgando outro livro, que falava de sua vida, uma pequena epopeia. Rascunhei, na época, rápida resenha sobre o livro dela. Nunca mais soube de Perolina, até ser surpreendido com o convite ao lançamento de que falei acima.

 

Escrever resenhas... Uma missão espinhosa...

Mas muito importante para o autor do livro resenhado.

 

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Como fez dona Perolina à mim, faço-lhes um convite. Visitem o blog: “Antônio Saracura sobre livros lidos”. Ele acaba de nascer. Tem meladinha, como convém à casa de mulher parida. E vocês podem dar uma cachimbada, com direito a limpar na barra da saia ou na perna da calça, o sarro do cachimbeiro anterior.

 

O blog acaba de nascer, mas já possui algumas dúzias de resenhas, a maioria sobre livros de autores sergipanos vivos. Talvez sejam mesmo simples considerações de um leitor compulsivo, confuso e acossado por uma multidão destas considerações (ou resenhas) geradas numa vida inteira. Acossaram-no com toda razão. Viram-se na iminência de se perderam na “broquice” do autor (a idade é malvada!) ou na insensibilidade (sempre provável) dos herdeiros, em fogueiras no quintal, após a morte dele, como se fossem “nutilidades”.

 

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Nos meus velhos diários, agora delidos, há relações de títulos de livros lidos. Seriam para marcar ponto numa competição individual ferrenha? Talvez para não recomprar o mesmo livro, ou não reler começos.

 

Numa fase seguinte, eu anotava também os pontos principais dos livros lidos. E até publiquei alguns destes no jornal “A Cruzada” nos idos de 1966, 67 e 68.

 

Quando estive na faculdade, eu elaborava fichários (benditos fichários!), organizados alfabeticamente. Um professor passou-me o know-how ao ver minha aflição, perdido em cadernetas desmolongadas e em folhas soltas.

 

Há alguns anos, o computador chegou e mudou meus métodos. O word ficou meu amigo, anjo da guarda, assessor contínuo, inseparável. E toda aquela parafernália manuscrita anterior, eu pude congelar, “abandonar”. Passei a fazer minhas anotações sobre livros lidos eletronicamente. E até publiquei algumas dessas anotações, que as chamei de resenhas, na Revista Perfil de Itabaiana, nos últimos cinco anos.

 

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Escrevo resenhas às carreiras, a partir de rabiscos nas bordas dos livros que leio. Chamo-as inicialmente de anjinhos sujos. Do bem ou do mal. Arquivo-as brutas, com palavras truncadas, em um limbo seguro ao meu alcance. Faço resenhas porque preciso. Como uma defesa. Não nasci com a memória fotográfica de meus parentes das Flechas e da Matapoã, a exemplo de Sizino de Candinho, Florita de Totonho ou Genário Ferreiro. Genaro está no youtube com cerca de vinte declamações geniais. Impressionante!

 

Além do que, aprendo mais copiando do que lendo ou ouvindo. Mesmo quando o professor proibia, eu anotava, camuflado, os pontos principais de suas aulas. Problemas de matemática ficavam claros ao copiá-los em meu caderno de dever.

 

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Reitero o convite para visitarem o Blog: “Antônio Saracura sobre livros lidos”. Ele é filho dessa última fase, a digital, a eletrônica.

 

Quando me sobra um tempo, vou ao limbo pegar um desses anjinhos sujos. Converso com ele, dou-lhe um banho, boto-lhe uma roupinha branca, um par de asas e trago-o ao blog. Cada anjinho desses é uma nova resenha. Há um problema que estrou tentando evitar. Quando vou ao limbo buscar um anjinho, outros querem vir também. Mas eu só consigo aprontar um por vez. É o meu limite. O diabo é que eles estão ficando espertos. Um clandestino, escondido em alguma dobra do papel ou embaixo das notas de rodapé do editor de textos, vez por outra, vem junto. Inconveniente, apressadinho. Eu percebo tarde demais. Brutinho como foi feito, sem nenhum acabamento literário, ele pula dentro do blog logo que pode, misturando-se, escondendo-se atrás dos outros. Demoninho! Por isso é que algumas resenhas estão mal acabadas. Até ofensivas. Peço a vocês que, em as vendo, me avisem para que eu as arrume adequadamente.

 

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Autores precisam conhecer a opinião dos leitores de sua obra e podem até morrer com o silêncio do público. Eu mesmo só sobrevivo porque as pessoas falam, aqui e acolá, sobre os livros que publico. E viveria bem melhor, se mais falassem.

 

Além de visitar o blog, digam coisas (boas ou ruins) sobre o que viram. Critiquem! Não se sintam pejados nem constrangidos. E não relutem em dedurar os inconvenientes sujinhos.

 

É bom para a nossa literatura que o blog viva. Arrisco supor! E que nasçam outros blogs (ou seções em revistas e jornais) com resenhas dos livros que publicamos.

 

Observação

Trazido do blog “Sobre Livros Lidos” em 04/10/2023 com 1909 leituras.

 


O CAPITÃO SAIU PARA O ALMOÇO..., Charles Bukowski

 

O CAPITÃO SAIU PARA O ALMOÇO..., Charles Bukowski, LPM Pocket, Porto Alegre, 2019, ficção americana, novela, ISBN 978-85-254-1210-2

       

Jack Kerouac e Charles Bukowski são dois autores "marginais" americanos que dão gosto ler. Quando nenhum livro estabelecido me satisfaz, quando vou perdendo a esperança do inusitado na leitura, pego qualquer livro de um ou do outro e o leio por ler, despojado, sem obrigação de prestar conta. Viajo sem bagagem e sem dinheiro, nem levo meu vidrinho de comprimidos no bolso. 

E me recupero. 

Como estes dois autores, somente Geoges Simenon, em outro estilo, mais rigoroso, para ocasiões especiais, e Saracura, que sou eu mesmo, cuja releitura me incendeia de fogo novo, mas nem uso muito porque disponho dele na hora que eu quiser.

O livro “O Capitão saiu para o almoço...” é formado de trechos do diário do autor nos últimos anos de vida (29/08/1991 até 27/02/1993, faleceu em 1994), quando nem mais ligava para o prêmio que lhe pagava o cavalo vencedor no Hipódromo. O livro é considerado pela crítica como o testamento literário e filosófico do velho Buk.

E eu, como busco mas não consigo escrever igual a Bukowski, uso, a seguir, trechos de seu livro, para concordar com a crítica, pegar parte do que me coube neste testamento e para seu deleite, se tiver bom gosto, que acho que tem, pois está comigo até agora. 

(Sobre o passado e o futuro):

“Tive pouco na maior parte da vida. Sei o que é morar em um banco de praça, e sei o desconforto de o proprietário bater na porta cobrando o aluguel.”

“Uma noite, eu dormi, bêbado, em cima de uma lata de lixo. Em New York. Fui acordado com um enorme rato sobre minha barriga. Nós dois, de uma só vez, pulamos quase um metro para cima. Eu estava tentando ser um escritor.”

“O suicídio é como uma luz que pisca. No escuro. Alguma coisa que faz você continuar? De outra forma, seria apenas loucura. Cada vez que escrevo um bom poema, é mais uma muleta que me faz seguir em frente.”

(Sobre outros escritores):

“A criatividade da maioria dos escritores tem vida curta. Ouvem os elogios e acreditam neles. Quando é influenciado pelos críticos, editores ou leitores está acabado. Quando for influenciado pela sua fama e por sua fortuna pior ainda."

“Poucos escritores gostam do trabalho de outros escritores Eles só gostam dos outros quando morrem ou se já morreram há muito tempo. Não gosto nem mesmo de falar com escritores, de vê-los, ou, pior, de ouvi-los.”

“Depois de décadas escrevendo (escrevi um monte), quando leio outro escritor acho que posso dizer exatamente quando ele está fingindo, a mentira salta aos olhos. Posso adivinhar qual será a próxima linha, o próximo parágrafo. Não há brilho, emoção, risco. (Escrever) é uma tarefa que eles aprenderam, como consertar uma torneira que pinga.”

 (Sobre leitores e jornalistas):

“Um escritor só deve ao seu texto. Ele não deve nada ao leitor, exceto a disponibilidade da página impressa. E muitos dos que batem à porta do escritor famoso não são nem leitores, só ouviram falar alguma coisa sobre a obra do escritor. O melhor leitor é o que me recompensa com sua ausência."

“Eu simplesmente disse que o trabalho de escritor é escrever. Não ficar dando entrevista. Se eu for queimado por estes fajutos (repórteres), a culpa é minha.”

(Sobre o meu trabalho de escritor):

“Ao escrever, você deve deslizar. As palavras podem ser distorcidas e instáveis, mas, se deslizam, há um certo deleite, que ilumina. Sherwood Anderson foi dos que melhor brincou com as palavras, como se fossem pedras, ou pedaços de comida para serem comidos. PINTAVA as palavras no papel. E elas eram tão simples que você sentia fachos de luz, portas se abrindo, paredes brilhando. Mas também eram como balas de revólver. Te atingiam em cheio.”

“Se estou sendo dilacerado pelo stress, olho para meu gato dormindo ou meio dormindo e relaxo. Escrever é também meu gato. Escrever me faz enfrentar coisas. Me acalma. Por um tempo, pelo menos. Não consigo entender os escritores que decidem parar de escrever. Como podem esfriar?”.

“Para eu escrever, gosto de assistir lutas de boxe, ver o incessante jab,direto de direita, o gancho de esquerda, o uppdercut, o counter punch. Gosto de vê-los (os pugilistas) lutarem, sairem da tela. Existe algo a ser aprendido, algo a ser aplicado à arte de escrever, à maneira de escrever. Você só tem uma chance, que logo desaparece. Se não aproveita, sobram páginas, que você pode queimar.” Sobra a lona.

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E assim são todas as páginas (150) do pocket, misturam operação de catarata, música clássica, show de rock, beijos em Linda, impaciência com os pedantes poetas mantidos pelas mães bajuladas. Tiradas espirituosas... E palavrões, palavrões, palavrões embalando as lições de um velho safado e escritor de mão cheia. 

Por Antônio Saracura, em 03 de outubro de 2023

 


terça-feira, 3 de outubro de 2023

ENCAIXOTANDO MINHA BIBLIOTECA, Alberto Manguel


 

ENCAIXOTANDO MINHA BIBLIOTECA, Alberto Manguel, 1 edição, São Paulo, Companhia das Letras, 2021, tradução de Jorio Dauster, isbn 978-65-5921-088-6.

 

Era um final de tarde de sábado, eu estava na Escariz Jardins cumprindo minha missão de “O Escritor na Livraria”, quando chegou Adélia Mota, cronista fina de “À Sombra da Mangueira e outros contos”.

Conversamos até noitinha de livros, de autores daqui e do mundo, de Itabaiana que é nossa pátria comum. Quase não encontro Adélia, ela é professora em vários colégios e eu vivo fechado na minha caverna. E quase ela não fala quando nos cruzamos: “Oi eu, oi ela”. Mas hoje Adélia está elétrica, espiritada, como em sala de aula. E eu presto atenção e emito, somente, esporádicos runs-runs.

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Eu já estava no caixa pagando um livro encomendado pela minha netinha Pietra, e Adélia, que ficara fuçando prateleiras, deu um psiu e me mandou aguardar, com a mão espalmada. E veio com um livro na mão: “Compre e leia! Sei que você não conhece este argentino porreta.”

Em casa, vi que era  um livrinho 12 por 18, de cantos abaulados, de autoria Alberto Manguel, intitulado “Encaixotando minha biblioteca”. 175 páginas de letra de tamanho bom de ler. E que o autor, na juventude, prestou serviço de leitor de livros ao já cego Jorge Luís Borges (que você sabe quem é); e que  morou em vários países e, em cada mudança, carregava uma biblioteca de 35 mil exemplares, daí o título do livro.

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O livro compõem-se de elegias (um texto poético melancólico) e digressões/reflexões sobre livros e eventos correlatos. Comecei a ler, mais por obrigação.

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Três meses depois (o livro andou comigo em salas de espera de consultórios médicos, em reuniões maçantes, até mesmo aqui em casa, tentando me enfadar para agarrar no sono), acabei de ler e não descobri porque a professora me passou este dever de casa.

Talvez ela não soubesse que sou um leitor rude que precisa soletrar para entender palavras compridas, talvez achasse que eu merecia um bom castigo por viver cercado de livros bancando intelectual sem o ser

Mas já que naveguei nos mares, trago para você que é teimoso e ainda me segue, algumas especiarias das Índias (fora do contexto, o qual você pode criar na imaginação ou eu teria que reescrever o livro todo aqui). Algumas das especiarias que me agradaram, nas quais Manguel se pareceu, a meu ver,  com Saracura:

“Um homem não teria o menor prazer em descobrir todas as belezas do universo, mesmo do céu, a menos que tivesse um parceiro com quem compartilhar suas alegrias.” (Página 8).

“Quando a Mona Lisa foi roubada do Louvre em 1911, multidões foram contemplar o espaço vazio com os quatro pinos que sustentavam o quadro, como se a ausência estivesse impregnada de sentido. De pé na minha biblioteca vazia senti o peso dessa ausência num grau quase insuportável.” (Página 14).

“Eu tinha nas estantes dezenas de livros muitos ruins que eu não jogava fora, caso algum dia precisasse de um exemplo de livro de má qualidade.” (Página 15).

“Se eu desejava que alguém lesse determinado livro, que havia em minha biblioteca, eu comprava um exemplar e o oferecia como presente. Emprestar um livro significa incitar o roubo.” (Página 15).

“Por mais que seja minha intenção inicial de ler ou de escrever algo, me perco no caminho. Para admirar uma citação ou ouvir uma historinha; distraio-me com questões que não têm nada a ver com meu propósito, sou carregado por um fluxo de associação de ideias.” (Página 17).

“Desejo a materialidade das coisas verbais, a sólida presença do livro, seu formato, tamanho e textura. Compreendo a conveniência dos livros imateriais e a importância deles na sociedade do século XXI, mas para mim eles equivalem a relações platônicas.” (Página 24).

“Apertos de mão e abraços, debates acadêmicos e esportes de contato, nunca são suficientes para romper nossa convicção de individualidade. Nosso corpo é uma burca que nos protege do resto da humanidade. E não há necessidade alguma de que Simeão Estilita, o antigo, suba no topo de uma coluna no deserto para se sentir isolado de seus semelhantes. Estamos condenados à singularidade.” (Página 25).

“A busca pelos outros - enviando mensagens falando pelo skipe ou procurando parceiros para jogar - estabelece nossa própria identidade. Somos ou nos tornamos porque alguém reconhece nossa presença. Ser é ser percebido.” (Página 29).

“Bradbury explica que teve o primeiro vislumbre do pavoroso mundo de Fahrenheit51 no começo da década de 1950, ao ver um casal caminhando de mãos dadas numa calçada de Los Ângeles: cada um ouvia um rádio portátil. (Página 37).

“Se vale a pena fazer alguma coisa, vale a pena fazê-la mal.” (Chesterton, página 170).

Especiaria sem nada a ver com o que faço.

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(por Antônio FJ Saracura, em Aracaju, 02 de outubro de 2023)

Nota:

Alberto Manguel é escritor, tradutor, ensaísta e editor argentino, nascido em 1948, Buenos Aires. Atualmente é cidadão canadense. Autor de vários livros de não-ficção e análise literária, a maioria deles em inglês. Prêmios: Alfonso Reyes International Prize, Bolsa Guggenheim para Artes Criativas, Estados Unidos e Canadá, Prix Formentor.