segunda-feira, 11 de setembro de 2023

VILA NOVA PARA SER LEMBRADA

 

VILA NOVA PARA SER LEMBRADA, um retrato falado de sua gente, Aderbal Bastos Barroso, JAndrade, 2022, Aracaju, 280 páginas, ilustrado, ISBN 978-6589836-73-6

 

Mais um bom e útil livro publicado pelo escritor Aderbal Bastos, este também, como os outros, tratando do povo ribeirinho do São Francisco, Neópolis e vizinhanças.

E o livro traz na abertura, escrito com letras de destaque o provérbio chinês (que eu não conhecia): “Esquecer os ancestrais é como ser um riacho sem nascente, uma árvore sem raízes”.

Talvez seja uma lição a quem não liga a história e ignora os parentes (mesmo de destaque) que se foram ou mesmo os que estão vivos e até moram perto. Ou seria pedido de desculpa por fazer literatura falando da própria  família e de figuras de sua terra?

Há intelectuais que criticam Carlos Drummond de Andrade por falar de Itabira: “como dói”. Outros criticam Saracura: “talvez estejam certos”.

***

Tenho 75 livros na fila de leitura, muitos há mais de dois anos, e eu, furo a fila, abro Aderbal, me desculpem os outros livros, e não me furtarei em dizer meia dúzia de palavras sobre o novo livro de Aderbal. Especialmente porque trata do que muito me toca: origem, ascendência, família. Fala da Vila Nova do autor, que merece demais ser lembrada. O livro é o retrato falado da gente de Neópolis esquecida, mas que ferve, como se fosse outro Sergipe separado.

***

o livro conta a história do lugar, os fatos que a fizeram cidade importante. Freguesia em 1679, vila em 1733, comarca em 1835, visita do Imperador em 1859, cidade em 1910, troca do nome de Vila Nova para Neópolis em 1960. E no meio desse turbilhão me encontrei com um velho amigo, Tio Ioiô Pequeno, que se chamava Agesilao Batista Martins Soares, nascido em 1880. Viajamos juntos pelas páginas do belo livro “Ioiô Pequeno da Várzea Nova”, de autoria de Mário Leônidas Casanova, editado em 1979, pela Editora Clube do Livro de São Paulo, e do quem mantenho uma cópia xerox ao alcance da mão. 

Foi uma inesquecível viagem: Ioiô Pequeno me levando pela mão como se eu fosse um curumim amarelo.

Aderbal Barroso que, pelo que entendi, é sobrinho de Agesilao fala das pessoas que fizeram Neópolis grande e boa, no seu modo de ver. Alguns destes até conheci, como o padre Evêncio Guimarães, que diziam ter sido coiteiro de Lampião e é pai de imensa prole. O padre comentava com amigos chegados que o voto celibatário, que lhe impuseram como padre, não era natural.

Conheci padre Evêncio em visita ao seminário de Aracaju. Os padres vinham do interior resolver problemas da paróquia e se hospedavam numa ala especial que o seminário possuía. Nenhum dos seminaristas conversou com o padre Evêncio nesta única vez em que o vi, mas todos o olhávamos, balbuciando interjeições: um baixinho vermelho que criava seu próprio regulamento e possuía três amásias carregadas de filhos. Para uns, era o próprio Satanás, e para mim, um pequeno Deus. “Quer dizer então que padre pode também?”

Há o monsenhor Moreno que ficou 50 anos como pároco. 

Há Jorge Adalberto de Souza, comerciante conhecido como “Jobesa”, nome da empresa quase uma multinacional. Adalberto era filho de Itabaiana como eu. Há barqueiros, comandante de navio, professores, políticos, enfermeiros... Boa parte desses heróis tem laços de sangue com Aderbal (o autor) porque Neópolis é muito sua família, desde os primórdios.

E, por fim, é apresentado o município sob o olhar do jornal “A Defesa”, que circulou (com períodos ausentes) de 1932 até 1987. Uma epopeia invejável.  

Aderbal Bastos Barroso, que é o presidente da Academia de Letras de Neópolis, publicou (fora as obras coletivas) os bons:

No Remanso do Rio (2014),

À Sombra dos Oitizeiros (2017),

Agridoce, Melaço de Cana e Jabuticabas Maduras (2017),

Carvão Aceso (2019),

A Casa que só tinha Janelas (2021).

Fiz resenha de alguns destes, leia-os em: Antônio Saracura Sobre Livros Lidos, basta pesquisar no google.

 

Aracaju, 2023set11, por Antônio FJ Saracura.

 

domingo, 3 de setembro de 2023

O POETA GAUCHINHO, por ele mesmo

 

O POETA GAUCHINHO, por ele mesmo em 15 livrinhos de cordel.







Luiz Alves da Silva (Gauchinho) nasceu em 1964, no povoado Baixa Limpa, em Nossa Senhora da Glória. Conversei com ele por uma hora na praça de Escritores da Flig (Festa Literária de Glória) 2023, na noite de 30 de agosto.

Gauchinho escreve poesia aprumada de quem sabe o que diz e conhece a arte de dizer bem. Manoel D’Almeida Filho, poeta paraibano que morou em Sergipe quase a vida toda, foi quem ensinou-lhe o Abc literário. E João Firmino Cabral, o maior cordelista sergipano, foi seu professor na universidade de poesia.

Gauchinho tem quase 60 anos, mora em sua terra natal, é locutor de rádio e propagandista em feiras livres onde vende sua obra.

 

Vou correr pelos livrinhos que obtive por troca com meus “O Menino Amarelo” e “Minha Querida Aracaju Aflita”, quando me encontrei com Gauchinho na FLIG.

“A Moça que foi ao inferno e dançou com “Nem tô aí”: Um “Inferno de Dante” sertanejo com 19 estrofes somente, todas do nível desta que vem a seguir:

 Mãe que só cuida dos filhos

Depois que finda a novela

Vive traindo o marido

Do jeito que vê na tela

Aqui já tem preparado

Um lugarzinho pra ela.

 xxx

 “Briga de Antônio Silvinho com o negrão desonrador”: Quarenta estrofes que contam a briga de dois valentes do sertão, um justiceiro, Antônio Silvino, e o outro, desonrador de mulher casada. Vejam o que sobrou para o desonrador e não tenham pena, porque esta é a lei amena de lá.

 Pegou comer a galinha

Com pena e osso por osso

Não deixou nenhum pedaço

Depois fez um alvoroço

Silvino com pena dele

Cortou-lhe fora o pescoço.

 xxx

 “O debate do padre Simão com Satanás”: 50 estrofes nas quais a história flui equilibrada. E em um momento, o diabo mostra ao padre Simão, a verdade que o padre até conhece, mas não usa nos sermões que faz contra o pecado. E argumenta o fedorento, cheio de razão:

 Se não houvesse o diabo,

Não tinha a religião

Nem padre ou pastor pregando

Mensagem de salvação

Não tinha céu nem inferno

Castigo ou condenação

 

xxx

 “A volta de Camões e novas perguntas do Rei”: Nunca mais eu havia visto os livros de Bocage e Camões, que me divertiram na infância nas Flexas de Itabaiana. E Gauchinho me presenteia com este Camões, de 79 estrofes, das quais apresento, para encerrar, três:

 

Um dia camões estava

Bastantemente feliz

O rei perguntou-lhe: “O que

Mais cheira neste País?”

Camões disse: “Não é rosa

E nem cravo. É meu nariz.”

 

Camões então me responda

Aqui perante o povo

Este problema que eu trago

Não é velho e não é novo

Não se quebra com marreta

Mas se quebra com um ovo?

 

Camões disse: Senhor Rei

Esta pra mim é comum

Durante o ano tem muitos

Mas eu nunca guardei um

Digo com toda certeza

Que é um dia de jejum.

 

 xxx

 Fiz um rápido passeio pela boa poesia de Gauchinho. 

Eu tenho comigo apenas alguns livrinhos mas o poeta tem mais de cem obras publicadas, que vende nas feiras e por aí.

Em nossa conversa, ele me contou porque tem este apelido: “Cantei sempre meus versos no ritmo do “Churrasquinho de mãe” do cantor gaúcho Teixeirinha. Foi em Itabaiana, quando apresentava um programa na rádio Princesa da Serra. Você é de lá e sabe o tratamento de “carinho” que o povo reserva a seus artistas.”

E um pouco triste com as mudanças que tem sofrido o cordel puro do sertão, fez  uma avaliação em versos da melhor qualidade:

 Tenho notado mudanças

Nos cordéis de hoje em dia

Depois que deixou as feiras

E foi para academia

Se encheu de vaidade

Perdeu a simplicidade

E também a autonomia

 

Já não pode mais dizer

Qualquer coisa abertamente

Já lhe botaram coleira

Para puxar com corrente

O cordel do meu sertão

Nunca foi escravo não

Sempre viveu livremente

 

Como se faz um romance

Sem colocar personagem

O homem branco e o negro

Os animais a paisagem

Um sertanejo valente

Uma mulher diferente

Saci diabo e visagem

 

A bíblia diz que a mentira

Ela tem por pai o cão

Também chamado diabo

Um assassino e ladrão

Por apelido é Lusbel

Mas eu digo que cordel

Não é filho dele não

 

Cordel nunca foi mentira

São poesias versadas

Contando histórias e lendas

De maneiras engraçadas

Servindo de diversão

Depende a ocasião

Faz o povo dá risadas

 

Estou pensando na vida

E no pouco que me resta

Ir perto de quem me ama

Longe de quem me detesta

Só buscar o que é certo

E fugir do que não presta. 

 

 

(por Antônio FJ Saracura, em 2013set02, Aracaju/Sergipe)

 

Nota:

Outros títulos que tenho aqui em minha biblioteca:

“O Itabaianense valente ou Juarez e Guiomar”,

“Desventuras de João Tolo aprendendo a ser sabido”,

“A morte de 16 negociantes na estrada de Porto da Folha”,

“A Briga de Lula com o dragão da Inflação”,

“Satanás confessa que criou o Corona Virus”,

“O doido que ficou rico com a botija do calango”,

“O casamento do diabo e a sorte do camponês”,

“João Valentin e a lenda do Labisomem”,

“As proezas de seu Lunga o rei da ignorância”,

“O casamento do diabo ou a sorte do camponês”.

“O poder da fé”.