GARIMPANDO LEMBRANÇAS, Euclides
de Oliveira Santos, 2017, J. Andrade, 192 páginas, isbn 978-85-8253-233-1
Euclides Oliveira é meu
companheiro de viagens pelo interior sergipano, à aberturas de Academias de
Letras, à sessões de posses e até a festa de aniversário de escritor amigo. Ele,
representando a Lagartense e eu, a Itabaianense. Meu companheiro nas minhas idas constantes
à Itabaiana para participar de eventos culturais em escolas, em praças ou seja
lá onde fosse. Euclides ia comigo até para eu não viajar só. Quando podia (e podia quase sempre), ou agregava-se à
trupe de Domingos Pascoal, o incansável semeador e regador de academias
literárias para correr esse mundo imenso que é Sergipe palmilhado.
Em todas as viagens, Euclides é a grande atração, narrando histórias do Lagarto de sua infância e juventude, dos tipos folclóricos, de
quando vendia fumo no mercado de Aracaju para garantir a manutenção da família
órfã de pai, do tempo em que foi chefe de gabinete de nada menos que cinco
governadores do Estado, de suas aventuras na imprensa baiana onde atuou como
colunista por mais de vinte anos, no Jornal da Tarde...
Cada história que saia da memória
privilegiada de Euclides tem o poder de prender o ouvinte, até fazê-lo esquecer
do volante do automóvel, que sobe às nuvens, bem acima dos perigos triviais que uma
entrada sempre oferece.
A residência de Euclides, ali na
subida da rua São Cristóvão, é uma biblioteca de obras sergipanas
(especialmente) publicadas em todos os tempos. Até meus livros estão lá, ao
lado de lombos grafados em ouro, trabalho que encomenda aos artesãos
encadernadores quando compra em sebos calhamaços apodrecidas.
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A febre que assola a
intelectualidade sergipana de publicar livros, nesses últimos anos, pegou
Euclides também. Graças a Deus! Quem o mandou aceitar o convite
para entrar na Academia Lagartense de Letras?
Apertou o cinto, gastou economias
de anos (publicar livros é muito caro) e nos deu “Garimpando Lembranças”. Quarenta
e oito crônicas falando de Lagarto, de tipos inesquecíveis, de momentos de
emoção.
O coração do autor extravasou, verteu poesia e história. O livro é um presente impagável
aos lagartenses e a nós, nascidos na periferia:
A molecada chamava o reizadeiro de
Zé Pereira, de corno, e Zé, retrucava, que mais corno era quem vinha apreciar; Ludugero elegante no trajar,
suspensórios de couro com reluzentes fivelas e a sua caminhada sossegada com
destino à igreja Matriz; “Eu não tenho pressa na minha vida”;
Quincas Piru pegou fama de
ensinar papagaio falar rápido mas, sempre incluía pornografia como matéria
obrigatória. Alguns donos, escandalizados, desistiam das aves e Quincas as
vendia para as cidades vizinhas; O padre de Lagarto (Mons. João de
Souza Marinho) na luta sua luta contra o avanço dos protestantes: “É mais fácil
convencer um sábio do que um ignorante, que povinho de cabeça dura!"; Um exemplar da revista Cruzeiro
embaixo do braço e maçãs enroladas em papel roxo eram a prova de que a pessoa
que chegava de marinete estivera na capital do Estado, sinal de status superior; Saudades das bombas de parede
que estrondavam na ruas o São João inteiro, estremecendo a paz de um passado
cada vez mais silencioso; O débeis mentais, que em toda
cidade tem... Palco Formiga, Marinheiro e Distinta faziam com que todos fechassem
as portas da casas temendo alguma surpresa sem juízo...
E Bastos Tigre surge de repente com
o soneto Envelhecer (quem não se recorda?):
“Entre pela velhice com cuidado /
pé ante pé, sem provocar rumores...”
E Jenner Augusto, com raízes profundas
em Lagarto, primo de Euclides, conta, em uma crônica bela, solidarizando-se com Euclides de
Oliveira, o tempo em que viveu em Lagarto porque sua mãe, professora do Estado,
fora transferida, à revelia, pelo mandachuva de Itabaianinha...
Dona Hulda, Joaquim Prata, Mestre
Bedóia, dona Maria Teles, Junot Silveira, Coronel João Machado, Coronel Acrízio
d´Ávila Garcez, Antônio Martins Menezes, Dionízio de Araújo Machado, Pedro
Devoto...
Tantas lembranças! Sinto-as como
minhas também.
A memória de um povo que não pode
se perder!
Entendi “Garimpando Lembranças”
como a apresentação da grande obra de Euclides que a Academia Lagartense de
Letras dará um jeito de publicar a partir de agora, mesmo que precise buscar as
botijas perdidas nos velhos casarões da nobreza lagartense.
(Aracaju, 14 de janeiro de 2018)
Nota triste:
Euclides faleceu em 23 de abril de 2021 por conta da Covid, que segue matando sem pena. E não publicou mais nenhum livro além deste. E possuía, eu lia com ele, em pastas bem organizadas, ouro puro para muito mais.