sexta-feira, 20 de maio de 2022

CARIRA, João Hélio de Almeida

 

CARIRA, João Hélio de Almeida, Aracaju, Artner, 2022, 2. edição, 150 páginas, Isbn 978-65-88562-72-7

 


Em 16 de maio de 2022, em sessão da Academia Sergipana de Letras, o editor chefe da Artner, editora independente que funciona em Sergipe, Joselito Miranda, me entregou um pacote de 30 exemplares de livros de autores sergipanos editados recentemente. Os livros se destinavam ao Movimento Cultural Maria Pereira, da Academia Itabaianense de Letras, para se somarem aos outros que este movimento leva às escolas públicas como incentivo à leitura e à escrita. 

Entreguei o pacote ao MOC-MAP, mas retive comigo  (havia duas cópias), o livro  "Carira", de autoria de João Hélio de Almeida. Fascinam-me memórias de nossos lugares e de nosso povo. Para compensar a subtração, incluí no pacote meia dúzia de obras de autores sergipanos que já lera. Livros precisam circular.

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"Carira" conta a história do município do mesmo nome, do sertão sergipano,  na região então chamada “Matas de Itabaiana”, onde ceboleiros possuíam soltas de criação. A cidade formou-se em cima de uma aldeia de índios chefiada por uma mulher, a mãe Carira, conforme conta a lenda. E progrediu com as roças  de algodão (o ouro branco) e especialmente com  a pecuária, no que é destaque.  

Sempre muitas brigas, rixas, assassinatos de tocaias. Policiais truculentos abusando de senhoras casadas, prendendo inocentes, matando sem pena. As guerras de famílias dão ao livro a feição de um romance épico de Gogol (Taras Bulba por aí) e que o faz leitura apaixonante da primeira à última página. Vivi a guerra dos Isídios, Brasilinos, Andrelinos, Felix de Souza, Rabelos, Zé Conrado, Martinho de Souza, e muitos outros. Lampião e sanguinários cangaceiros assombravam as famílias. Parece que o progresso de um lugar tem a ver com o sangue vertido pelos pioneiros.  

A professora dona Zinha ensina a meninada em um barracão. Bancos de madeira, as duas pedrinhas redondas que são as chaves dos sanitários atrás das fruteiras. A régua de madeira dura serve mais para endireitar rumos rebeldes. E a palmatória “premia” os perdedores das sabatinas em sala de aula sob o olhar severo da mestra implacável.

Há os padres operosos e, lá na frente, está padre Raul Bomfim Borges, filho de Itabaiana, que ainda está vivo (Deus queira). Aposentado, recolhido ao sítio de seus pais, e celebrando missa todo domingo no Lar Cidade de Deus, onde é capelão. 

Alguns padres deram personalidade própria a lugares quase ermos que se transformaram em importantes municípios.  

O autor nos leva, puxando pelo braço ao mundo mágico das lendas e assombrações: os encantados, os lobisomens, padre Madeira e Maria Tempero. Cultura, tradição, folclore, religiosidade de um povo, com suas crenças, seus poetas populares, como Francisco Lotero, autor de "Fuga do Gameleiro": Adeus Arraial do São Pedro, conhecido por Gameleiro  / Que daí saí corrido por valentões e coiteiros”.

Li o livro com emoção dobrada porque um pouco de mim passou lá. Eu era  chamador de carro de boi e fui à fazenda onde trabalhava um certo vaqueiro chamado Oviedo, em Altos Verdes, buscar esterco com meu pai. Eu tinha 10 anos de idade por ai e gravei indeléveis imagens que depois as fiz eternas no livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura” (página 134-145).

“Muitas vezes, o esterco não estava arrumado, e o vaqueiro Oviedo ainda tirava o leite das vacas ou cuidava de alguma ovelha ferida, ocupando o curral. Papai encostava o carro da melhor maneira, soltava os bois num cercado, preparava uma ração qualquer, com palmas já tiradas, ou ia até a capineira cortar um feixe de capim. As galinhas andavam por todo lado ciscando, cagando. Logo mais, o vaqueiro liberava o curral, e começávamos a encher o carro. Papai reclamava que o esterco estava misturado, não era criação legítima. O vaqueiro explicava que eram só duas vacas de leite, daria desconto no preço. De cesto em cesto, o carro enchia. Papai dava sempre jeito de botar mais um pouco, encaixava palmas grandes no topo da esteira, ou pisava forte apilando a carga. Terminado o serviço, estávamos sujos demais e íamos a um tanque perto nos lavar”.

O livro  “Carira” me surpreendeu em especial pela índole romanceada de cada fato (com diálogos inteligentes) que lhe outorga, a meu ver, sabor literário. 

Aracaju, 16 de maio de 2022, Antônio FJ Saracura

quarta-feira, 11 de maio de 2022

JULHO, Jorge Carvalho do Nascimento

 

JULHO, Jorge Carvalho do Nascimento, Criação Editora, 2021, 112p, isbn 978-65-88593-57-8.



Preocupei-me com eventos e datas e os procurei reter, certamente iriam me fazer falta mais à frente, mas não fez. E lendo "Julho" eu me perguntava por que Vera precisava me dizer tudo que disse até repetir? Sobre discriminar o pai o pai por não ser branco lavado e por lhe despertar desejos estranhos (carnais certamente). Também sobre a avô Celuta,  que batucava com o garfo no prato de comer. Sobre a repulsa que sentia ao marido pelo parentesco suposto com o pai...  (sugestão de implícita concorrência). 

Espantei-me com o testamento no qual privilegiava arianos, reservando parte da fortuna (que nem pareceu grande) para a Ku, Klux Kan, mão impiedosa da insensatez. Precisava mesmo haver no enredo este disparatado testamento? Ouvi as conotações racistas alto demais como se meu pai exemplasse Jaime e quisesse que os dez filhos ouvissem também. Este testamento inverossímil e este racismo exacerbado me pareceram próteses implantadas depois da estátua feita, aquela pincelada extra que pode estragar a tela.  

O capítulo XVII repete parágrafos, que não consegui atribuir à arte literária.  E ninguém sequer tocou nesse ponto. Será que apenas o meu exemplar foi premiado? 

E, dessa forma, claudiquei, até que no capítulo XXII veio o enredo fluente, ritmado, que me segurou firme, fazendo-me esquecer o oxímetro (o Covid-19 mata sem pena)  que me olhava de esguelha na cabeceira da cama.

Não posso, entretanto, deixar de registrar pontos que atordoaram minha serenidade de leitor curioso:

. “As acusações são também dirigidas à mamãe e à Marisa... Essas pessoas são responsabilizadas pelos erros cometidos pelo papai...” Que erros? (página 71).

. “Argumentou que inconscientemente eu atribuía todos os meus insucessos a ele (meu pai?) e a minha irmã”. Como assim? Se o pai foi descrito sempre como pessoa de sucesso e que a protegia? Sobre as irmãs, há apenas referências soltas em momentos como nas páginas 21 e 102.

. “Eu queria que meu advogado argumentasse que papai me ameaçou de morte...”. Não vi na parte anterior da trama essa colocação sequer subentendida. Um personagem, mesmo insensato, não tem o direito de plantar argumentos insensatos nem de propor que alguém os use (página 94).

. “Os que mataram meu pai e minha mãe queriam colocar a responsabilidade em cima de mim. Eles sabem que sou a parte mais fraca, a pessoa de menor prestígio social e econômico...”. Vera disse antes (e o narrador ratificou com seu silêncio) ser uma pessoa de sucesso (página 21). E constou (não houve nem sugestão contrária) que a mãe teria morrido de morte natural (página 94). 

“Todos que cercavam papai e Myrna sabiam que eles viviam em um vale de lágrimas. A infelicidade de todos nós não conhecia limite”. Não foi bem isso que Vera (ou alguém) disse na primeira parte do livro (página 89).

Assim eu fico doido também...

Estou aqui transcrevendo anotações de pé de página) em 08 de julho/2021 quando, pelo menos, cem personalidades de nobre estirpe, teceram sobre o livro de Jorge Carvalho, loas. E nenhuma delas sequer anotou, de longe mesmo, o que senti e registrei. Isso me obriga a reler o livro ou me internar Clínica São Thiago ou São Marcelo espontaneamente. 

Então o reli.

E me somo aos demais leitores que se expressaram festivamente à novela de Jorge. 

Nunca mais vou ler livro se estiver infectado com o vírus corona, ele faz a gente ver tortura na reta. 

(Aracaju, 15 de julho de 2021, Antônio FJ Saracura)

 

 

 

 

SEIS ANOS DE ILUSÃO, Jailton Filho

 

SEIS ANOS DE ILUSÃO, Jailton Filho, 2021, Artner Aracaju, Isbn 978-65-88562-61-1

 


Acho que os romances devem difundir doutrinas sutilmente dentro da trama. Que o leitor capte mais por osmose do que gastando tempo lendo. O ritmo é essencial nesse gênero literário e o autor precisa se preocupar em não o quebrar, sob pena de perder o leitor.

Ricardo, professor universitário, solteiro de origem humilde, conhece Ester, jovem médica, que enfrentara uma tragédia recente (morte do esposo e do filho gestado). 

Surgem o amor, a paixão. Casamento, felicidade. Gravidez, parto prematuro... Internamento, recuperação demorada.

Ricardo, solitário, conhece Eugênia, jovem cientista em busca de aventura e de cultura. Amor, paixão, gravidez.

Ester recupera-se e vem buscar seu marido evasivo. Choque e muita dor.

Ricardo e Eugênia vivem felizes.  De súbito, um acidente mata Eugênia. Dor, remorsos.

 Ricardo enforca-se e morre.

Só isso, em seis anos.

A trama é singela e um tanto óbvia. Conquista, paixão, estabilização. Nova chance, traição, nova paixão, tragédia, caminhos truncados, suicídio.

Pareceu-me muito mais um conto (pelo tamanho). No máximo, novela. Entretanto, cada autor nomeia o seu trabalho de acordo com o gosto. Mas corre o risco de provocar discordância, o que pode provocar percalços dispensáveis na vida da obra. A não ser que seja uma obra genial e, nesse caso, ela muda os paradigmas, ou melhor, cria novos. E incluo aqui “ A Morte de Ivan Ilitch” de Leon Tolstoi, com apenas 86 páginas, mas que valem as 1220 de “Guerra e Paz”, do mesmo autor (há controvérsias).

Achei interessante a entrada do narrador em duas partes do livro, deu maior dimensão à narrativa, trouxe o leitor para perto. 

Gostei da escrita útil, sem abusar da inteligência do leitor e sem gastar o tempo dele  inutilmente. 

Posso dizer, sem qualquer favor, que “Seis Anos de Ilusão” é uma boa estreia do jovem escritor e professor  dorense, Jailton Filho.    

 

 (Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 2022fev19)


terça-feira, 10 de maio de 2022

LAMPIÃO E O CANGAÇO NA HISTORIOGRAFIA DE SERGIPE, Archimedes Marques

 

LAMPIÃO E O CANGAÇO NA HISTORIOGRAFIA DE SERGIPE, Archimedes Marques, tomos I, II e III, 1. Edição, Editora Real, Cajazeiras Paraiba,2017, 2018, 2021 páginas: 376, 387 e 408.Isbn: três.

 


Livros sobre o cangaço têm leitores cativos pelo Brasil e pelo mundo inteiro. Lampião é o mais cantado santo desse país devasso, cruel. Há livros sobre os cabras, os apelidos, as valentias, as covardias, as malvadezas, sobre até outros livros ou sobre jornais que abordaram o cangaço e o rei dos cangaceiros. Neste último conjunto estão os três tomos publicados pelo presidente da Academia Brasileira de Cangaço, o delegado Archimedes Marques, cujo título é “Lampião e o Cangaço na Historiografia Sergipana”.

 Me pegando no tema explicitado acima e para salientar o valor de Lampião...

Há o caso daquele cordelista, meu amigo, que esculachava Lampião e os cangaceiros, dizia ser um absurdo se gastar tanta poesia com o marginal. “Escrevo sobre Jesus, Nossa Senhora, os santos da igreja, sobre as mães e o Santíssimo Sacramento”. 

Perdi contato com o poeta. Alguns anos depois, o encontrei em sua banquinha na Feira de Livro da orla de Aracaju. Aproximei-me. Quase todas as obras expostas tratavam do cangaço, de Lampião. Obras de autores consagrados e de autoria do cordelista amigo. Olhei pra cara e falei: Oxente!

E ele nem esperou, já foi falando. “Ou o poeta escreve sobre /o bandido lampião / ou morre de fome pobre / se ficar na profissão. / Esta é minha agricultura / Cuido bem da freguesia / santo aqui não tem procura / Nem Jesus e nem Maria. / Lampião é o campeão /Depois vem os cangaceiros /eu não acho outra razão / preciso ganhar dinheiro...

 

O primeiro tomo do livro de Arquimedes mostra as referências aos protetores de Lampião em Sergipe: de Aquidabã em dias de terror; de Capela mansa e de Capela braba; dos cangaceiros nas terras dos Enforcados; de Anápolis em polvorosa; de como Lampião pariu uma cidade; das pisadas de Lampião na Boca da Mata; da rápida passagem pelos Campos do Rio Real...

O segundo tomo trata das referências às vidas sofridas das cangaceiras.

O terceiro Tomo (de que falo agora) trata das referências na imprensa e na literatura sergipanos sobre o cangaço: no Saco do Ribeiro; no poço Redondo de Alcino Costa; na terra dos buraqueiros; em muitas outras paragens, pois o cangaceiro gostou tanto de Sergipe, que sua família foi criada aqui.

Nessa última parte é que eu entro com “Os Tabaréus do Sítio Saracura”. Arquimedes refere-se ao cordel “A Família Saracura (O Cangaceiro Lampião, página 258) e ao  capítulo 21 (Lampião no oitão da tenda, página 124), reproduzimos excertos a seguir: 

"O Cangaceiro Lampião"  

"E o cangaceiro Lampião?

Mamãe sempre nos contou

De uma vez em que o bando

Lá pelas Flechas passou...

A família amedrontada

Pra acidade se mudou.

 

As ferramentas da tenda

O gás e os mantimentos

Foram enterrados no pasto...

E pai Totonho atento

 No olho de uma árvore

Estudava o movimento.

 

O bando chegou cantando

Não matou, não destruiu.

Passou um mês arranchado

Perto da beira do rio...

A família só voltou

Depois que o bando partiu.

 

Por conta dessa visita

Algo estranho aconteceu.

Se lampião foi embora

Não foi o que pareceu...

Escondida no riacho

Alguma trouxa esqueceu

 

Mesmo após a sua morte

Muita gente aqui garante

Que o vulto do bandido,

Como um condenado errante,

Assusta de noite as casas

E persegue o viajante.

 

Pode até ter ido embora

Naquela ocasião

Mas retornou em seguida

Pra fazer assombração...

Se vivo metia medo

Que dirá sua visão!"

 

(Lampião no oitão da tenda)

"Bandidos organizados em bandos cruzavam as estradas em busca de uma fazenda mais rica, de um sítio mais abastado, dos quais haviam escutado falar. Muitas vezes, eram bandos famintos de Alagoas, de Pernambuco, da Bahia, vagando ao léu, apenas para não morrerem parados. O Nordeste inteiro ficou unido pela fome. As divisas foram apagadas pelo sol quente demais, abrindo passagem a Zé Sereno, Lampião, Corisco e outros que não lograram tanta fama.

Corria a notícia de que um bando de cangaceiros estava vindo. As famílias se apavoravam, algumas corriam até a cidade. Mas os cangaceiros passavam longe, não chegavam às Flechas. Pelo menos, não haviam entrado ainda no sítio dos Ferreiros.

(Leia o restante no livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura).

(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 10 de maio de 2022)

(Leia os livros de autoria de Antônio FJ Saracura, estão nas livrarias da cidade e no Amazon).

 

segunda-feira, 9 de maio de 2022

MEMÓRIAS DE NOSSA SENHORA DAS DORES – uma cidade centenária.

 

MEMÓRIAS DE NOSSA SENHORA DAS DORES – Uma cidade centenária, 2021, organização de Jailton Filho e outros, 124 página, isbn 978.65.5730.050-3.

 



Venho acompanhando Dores e sua cultura, gratificado desde quando mantive o primeiro contato com o grupo “Projeto Memórias”, acho que no ano em 2003, já lá se vão quase uma vida. Dores se parece com a Itabaiana que criei para mim, lugar venerado pelos filhos. Em qualquer canto, seja nos cafundós do judas, o povo se orgulha ao falar o nome de sua terra: Itabaiana é a bandeira sempre desfraldada que conduz esse exército de abnegados soldados. Dores também, pelo que sinto.

O livro (Memórias de Nossa Senhora das Dores - uma cidade centenária),  que acabo de sorver, fala desse amor que o dorense chama  "Dorensenidade", e que faz os chumaços das minhas têmporas  arrepiarem.

A primeira parte do livro foi escrita pelo historiador João Paulo Araújo e mostra o reino dos enforcados desde a origem aos dias de hoje:  o povo, os  costumes, a terra, a economia, os homens de valor (e as mulheres também), a história...

Na segunda parte, patati pererê, Ari Pereira, em  versos singelos, canta sua terra melhor do que qualquer outro poeta poderia fazer: “Sou dos pincéis e tons / verdadeiramente das telas / sou encanto de cores / das Dores de Adauto Machado, de Hortência Barreto, de Luan, de Bruno e de tantos magos da arte”.  

Luiz Carlos de Jesus, presidente da Academia Dorense de Letras, trata do projeto Memórias que revela a alma de Dores ao mundo. O projeto foi criado em 2003 por três cavaleiros da Távola Redonda cultural: João Paulo, Luiz Carlos e Manoel Messias Moura.

Jânio Vieira, na quarta parte do livro, faz um percurso na literatura dorense, que tem uma plêiade jovem de autores respeitáveis,  e uma velha guarda brilhante, como o capitão Teodomiro Alves de Campos que deixou um bom livro de crônicas “Olhando meu caminho”, de 1966. E tem meu amigo (que nunca vi mas comentou livros de minha autoria) Manoel Cardoso,  do impagável “Translúcido Silêncio”, finalmente um livro de poesias que me calou, além de outras obras gestadas no sul mas sangrando da saudade de sua terra. E me encontro com o padre José Lima Santana, um dos responsáveis pela minha entrada na Academia Sergipana de Letras, ele publicou artigo conclamando os tácitos imortais a votarem em mim. Zé Lima é poeta de projeção universal, romancista de alto quilate e cronista fora de série. O padre sempre me dá a bênção, quando contrito peço. 

(...)

Agora vem  a sétima parte (se já não for a oitava) com Viviane Cardoso constatando que todo tempo é pouco para falar bem de  Dores. Valtênio Santos Santana (outra parte do livro) traz o museu caipira do povoado Cachoeirinha, obra de sua lavra, resgate antropológico de um povo e atração que os turistas do mundo adorariam, se nosso governo preguiçoso abrisse caminhos no mapa do mundo para as belezas que temos. José Aldo Souza abre seu diário íntimo, expondo reminiscências de um intelectual. João Vitor retorna com o tema Literatura, que é minha cachaça, enfoca a revista Enforcadense, uma excelente publicação que tive o prazer de receber a última edição das mãos de Jailton Filho, o redator-chefe. 

 O livro é encerrado com a iconografia de José Arnaldo Barreto, mostrando as belezas do lugar e com o professor Jailton a jogar sementes para o próximo centenário da cidade, que nem ele e nem eu conseguiremos assistir.  

Já que me estendi além da conta, vou encompridar mais um pouco e falar, rapidamente, de outro livrinho sobre Dores (Nossa Senhora das Dores, este escrito em versos de cordel. São 53 estrofes e escolhi duas para prestar homenagem  a grande dorense e autora, Salete Nascimento, justificadamente chamada de "rainha dos cordelistas sergipanos”.


“Tem um pirão caipira

Feito com molho e farinha

Lá no Gado Bravo Norte

Que é a terra de Saletinha

Se a fome vier com jeito

Com carne frita de peito

Coma até sair da linha.

 

Muito rica a culinária

Aconselho que confira

Tem lugares tentadores

Quem vai lá se admira

Não se poupe em degustar

Com certeza vai gostar

Do restaurante Traíra”.

***

Eitha quanto livro bom! 

Acabo de receber do grande João Paulo de Araújo, que responde pela glória de Dores, outro livro: Efemérides da Terra dos Enforcados.  Como o nome sugere, comemora fatos da origem histórica (1606), da emancipação política (1859),  da elevação á categoria de cidade (1920), dos equívocos históricos... Dei uma corrida de olhos e guardei ao alcance de minha mão. 

Aracaju, 09 de maio de 2022, Antônio FJ Saracura.


sexta-feira, 6 de maio de 2022

HISTÓRIA DE SÃO MIGUEL DO ALEIXO, Edivan Santos

 

HISTÓRIA DE SÃO MIGUEL DO ALEIXO, Edivan Santos e Rivaldo Goes, 2022,Arter Editora, 176 páginas, Isbn 978-65-88562-59-8

 


Uma pequena e bucólica cidade, muito mais campo que rua, está à esquerda de quem vai de Aparecida à Glória entrando um pouco por caminhos fazendeiros cheirando a esterco de gado.

Estive lá, algumas vezes, participar de Encontros de Escritores e lançamento de livros, que Edivan Santos, filósofo de renome e professor dedicado, todo ano realiza.

Caminhei pelas ruas, no meio da uma tarde, o evento que acontecia em um clube na entrada da cidade parara para respirar. Conversei com moradores que tomavam fresca à frente de suas casas e me bati com os pais do vigário da igreja do Sagrado Coração de Jesus de Aracaju (recentemente virou bispo), que eu nem sabia que moravam lá. Eles, já bem idosos, afastados da lida da roça que começava no quintal, aceitaram minha abelhudice e me deram uma cadeira para sentar. Pronto! Esqueci do tempo  ouvindo a história de um povo valoroso. Fragmentos dessa história que ouvi são gora publicados em um livro que me chegou às mãos e sobre o qual direi algumas palavras.

Como louvo o aparecimento desses livros que falam dos nossos lugares e de nossa gente! É uma malvadeza termos tanto a contar e ficarmos calados, com vergonha ou achando que ninguém merece saber além da gente, ou que história de gente simples não merece ser contada em livro. 

Aleixo, na intimidade muito mais do que São Miguel, pode ter sido uma das filhas de Itabaiana no passado longínquo; o  povoado Caienda (uma história esquecida) consta da carta que o vigário de Itabaiana (que o livro mostra), Francisco da Silva Lobo (pai de um monte de lobinhos que engrandecem nossa terra), mandou ao rei de Portugal, Dom José I. Este padre é reconhecido como o fundador da orquestra sinfônica que hoje se chama Nossa Senhora da Conceição, isso em 1745. Pois então! Caienda está na crônica que o padre escreveu  assim, “Notícia sobre a frequezia de Santo Antônio e Almas de Itabaiana” que assim diz: "a parte norte desta freguesia tem os lugares chamados Pião, Cuité, Salgado, Baquiteré e Cayendas (esta dista oito léguas de Itabaiana)”.

O livro nos brinda com muito mais desse gostoso lugar. 

O Aleixo foi emancipado em 26 de novembro de 1963 e provem da vizinha Nossa Senhora das Dores com alguns povoados de N. S. da Glória. O nome homenageia o cônego Miguel Monteiro Barbosa, vigário de Dores na época, e um andarilho de Alagoas, de nome Aleixo, que a lenda narra ter vivido no lugar.  Na emancipação, o Aleixo (que se chamava Lagoa do Aleixo) tinha 130 residências e 580 habitantes. 

As pessoas de destaque (alguns falecidos) que a obra dá conta são: Domício José das Graças, Jairton das Graças (prefeito) , José Almeida Santos, Manoel Barreto dos Santos, Ananias Correia de Andrade, Pedro Barbosa de Souza (Prefeito), dona Laurinha rezadeira, Zé Fotografo, Zé da Graça, entre outras.

Entre os párocos, consta padre Padilha (meu colega de seminário e meu diretor em “A Cruzada”) falecido recentemente conforme li nas redes sociais. Terá mesmo? Frei Fidélis Maria de Itabaiana, primo carnal de minha mãe. E o padre José Aleixo Kunrat, que foi vigário de 1955 a 1964 mas não tem culpa nenhuma na denominação do município, pois já era Aleixo antes do vigário. 

A Pedra da Sereia é o ponto turístico mais divulgado. Se bem que uma grande enchente do rio em 2019, a  derribou no leito e dorme submersa quando o rio pega água. Habita apenas as memórias de poetas e historiadores, como é o caso de Robério Santos, que a  canta em seu livro "O Vendedor de Sereias".  Foi nesta Pedra que seu personagem deixou um saco preto e o narrador caiu da besteira de abrir. Por isso, ainda hoje corre com medo. Tanto corre que achou, recentemente, uma das minas de Belchior Dias Moreia, na principal encosta pedregosa da Serra de Itabaiana. Quase um milhão de interesseiros passaram a seguir Robério, que precisou ressuscitar os mitológicos cangaceiros, para protegerem o valioso segredo.   

Tenho a impressão que saí do tema...  

E já que me misturei a rica história do Aleixo com gente da redondeza e de  sucesso, puxei a aba da camisa do autor da “História dos Municípios Sergipanos contada em versos”, publicada em 174 fascículos simultâneos, o intelectual lagartense Zezé de Boquim. Ele me encarou brabo. Para o  apaziguar, pedi que declamasse versos sobre o Aleixo. Cabra sem pabulagem nenhuma, tascou: 

 

O seu povo é bem unido

Tem sua luta diária

Os que já são fazendeiros

Vivem de sua pecuária

Tem outros na capital

Que eu  li em um jornal 

São donos da  funerária". 

O livro “A História de São Miguel do Aleixo” é um rico capítulo da historia de Sergipe.  

(Antônio Saracura, Aracaju, 06 de maio de 2022).

 


TARAS BULBA, Nicolai Gógol

 

TARAS BULBA, Nicolai Gógol, Abril Cultural, 1982 São Paulo, tradução de Francisco Bittencourt, Isbn (sem).




A epopeia de um povo ainda em formação, de sangue nômade, mas passando ao sedentarismo, os Cossacos, que são a raiz da grande nação russa, nascida a partir da Ucrânia. O mesmo jeito de viver de outros bárbaros como os Vikings que saíam de seus fiordes e devastavam a costa da Inglaterra, da França e chegaram até a América conforme reza a lenda.

Após gerações de saqueadores, agora, os filhos dos Cossacos estudam em seminários ou trabalham na agricultura, Os pais já idosos, entretanto, ainda sonham com o passado épico. A situação de guerra contínua e eterna com os vizinhos (especialmente os poloneses, turcos e árabes) está resolvida, tratados de paz foram assinados. 

Os Tártaros, agora, vindos da Criméia, assumiram o lugar dos Cossacos, assaltam e saqueiam a Ucrânia em incursões ligeiras.

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Taras Bulba foi um filme ao qual assisti na juventude e sobre ele devo ter escrito resenha publicada no jornal "A Cruzada" quando atuei no jornalismo aqui da terra. O filme é de 1962, ganhou o Oscar de melhor trilha sonora e é dirigido pelo inglês por J. Lee Thompson. Estrelado por Yul Brynner (no papel principal), Tony Curtis, Christine Kaufmann e mais uma dezena de estrelas. Lee dirigiu filmes de grandes bilheterias, entre as quais, Os Canhões de Navarone, Planeta dos Macacos, Justiça Selvagem. O filme me marcou de forma indelével. Nunca esqueci dos lances heroicos que mostrou com maestria e magnetismo. Pela mesma época, um pouco depois, li o livro pela primeira vez, e revivi o mundo épico no qual meus antepassados certamente também viveram, seja aqui na América primitiva, na África, ou nas estepes eslavas.

Recentemente, me bati com  o pequeno romance de autoria de Alexei Gogol, companheiro de outras boas caminhadas, em um sebo dessa Aracaju de pouca leitura. 

E acabei de ter o prazer de reler 

O velho Bulba vive numa monotonia que dá pena. Seus tesouros enterrados, frutos dos últimos saques aos turcos e aos poloneses, devem estar enferrujando, se perdendo. Tem quem cuide de seu gado e de seus campos de trigo...

Seus dois filhos homens, rapagões com a barba despontando, chegam do seminário, onde estudam, para passar dez dias com os pais. A mãe baba os meninos, quer que eles durmam em seus braços nesses dez dias de folga.

“Como um cossaco pode ser homem de verdade sem um batismo de fogo?”. Taras se martiriza ruminando. E inventa uma viagem para Stieth, a cidade fortificada que é a sede da nação ucraniana, onde vivem velhos companheiros de aventura embriagados. E leva os filhos junto, para desespero da esposa, que chora e nem tem o direito de protestar.

Em Sietch, Taras deflagra uma revolução. Consegue substituir o Kochevoi (uma espécie de rei) por outro que aceita quebrar o tratado de paz com os poloneses.

Em expedição, ao estilo de tempos passados, cavaleiros armados e  filas de carroças vazias, partem para os saques. Os cossacos de todos os cantos sentem o cheiro de sangue e pólvora e seguem o rastro de Bulba, formando um exército sedento de ação. Saqueiam mosteiros, vilas e cidades em toda divisa da Polônia.  Enchem as carroças, sequestram boiadas. A ganância aumenta. Atacam uma cidade que resiste e não abre os portões. Montam certo ferrenho até que a fome obrigue a cidade se render.  

Na calada da noite, enquanto os cossacos bebem e dançam comemorando a iminente vitória, divisões do exército polonês entram solertes  na cidade e se entrincheiram.

Quando parte do exército cosssaco avança para a tomada, bate-se com canhoneiras mortais. Recua, Muitos morrem ou ficam prisioneiros.

Nesse ínterim,  tempo, um mensageiro chega de longe ao acampamento cossaco dizendo que os Tártaros, aproveitando as fazendas e as lavouras desguarnecidas. Queimaram tudo, roubaram os tesouros enterrados. Mataram os velhos, sequestraram moças e rapazes e descem para a Criméia em uma caravana e de carroças carregadas.

Os Cossacos então se dividem em dois exércitos. 

Um parte para atacar os tártaros antes que sumam no mar com seus navios e vendam os prisioneiros aos traficantes de escravos no Oriente Médio. E o outro, comandado por Taras Bulba, fica para libertar os companheiros e saquear a cidade, uma presa fácil agora, considerando que a fome volta a castigar a cidade. As provisões trazidas pelos poloneses aparentemente se acabaram. 

Os Cossacos que vão caçar os Tártaros são dizimados ou feitos prisioneiros.

Os comandados por Taras Bulba caem numa armadilha. Taras e alguns guerreiros escapam milagrosamente e, no dia seguinte, escondidos na mata, veem  seus companheiros triturados a torniquetes  pelos poloneses  e depois degolados.

Bom! 

Acho que me estendi além da conta...

Vou deixar que o leitor (todos os livros do mundo estão nos sebos brasileiros) se interesse e saiba o que aconteceu com os dois filhos de Taras Bulba: Ostap e Andrei. E com o judeu Yankel, que sobreviveu milagrosamente até o final do livro. 

Há um romance eletrizante aguardando o leitor. E outro, em segundo plano, que vez por outra sobe sanguinário para o primeiro, e trata da sina dos judeus que tentavam sobreviver na Ucrânia daquele tempo.

(Aracaju, 05 de maio de 2022, Antônio FJ Saracura).