sexta-feira, 1 de outubro de 2021

A EXPRESSÃO POÉTICA ESTANCIANA

 

A EXPRESSÃO POÉTICA ESTANCIANA, a contribuição do Clube dos Poetas Estancianos, Maria Salete Costa Nascimento,2020, Artner Editora, 124p, il, Isbn 978-65-990491-6-3.

 


Maria Salete é a rainha do cordel Sergipano, título outorgado pelos colegas cordelistas, não apenas devido ao seu cordel consistente, também pela atuação destacada na divulgação e ensino intensos do Cordel e de outras variações da arte literária que produz: contos, crônicas, poesia clássica, ensaios, história. 

Convive com literatura desde menina e conta que o cordel (o pai gostava) ajudou na sua alfabetização. 

Formada em pedagogia, defendeu a inclusão da poesia nas grades escolares do município de Estância, onde vivia; Salete é natural de Dores, do povoado Gado Bravo Norte. 

Autora e mais de 140 livrinhos em cordel, desde o primeiro “O Triste Fim de Raimundo”. 

Publicou  (além dos cordéis): “Nas Asas do Vento”, poesia clássica de sua lavra; “Vivências Sobrenaturais e Outros Casos”, contos bem humorados e mal assombrados: arrepiam o leitor  tido como valente e faz desmanchar-se em sorriso qualquer cenho sisudo,  pelo inicial medo desnecessário.

Agora, no meio da pandemia, Salete publicou este “A Expressão Poética Estanciana”, um ensaio histórico, compêndio didático de literatura, além da memória da pioneira instituição dedicada à poesia, o "Clube dos Poetas Estancianos".Este Clube atua efetivamente desde a fundação, em fevereiro  de 1991, quando foi criado por um grupo de vates convictos, entre os quais, Maria Salete Nascimento, que morava lá.

Na primeira parte do livro, Salete dá uma aula de literatura bem dada, como as aulas de Alberto de Carvalho no curso de Economia que fiz nos idos de antigamente. Todas as outras salas suspendiam as atividades na velha casa na Praça Camerino, para que os alunos das demais turmas e mesmo os professores (agora com suas salas vazias)  viessem às janelas ouvir, de boca aberta, Alberto inspirado se exceder na arte de instruir de forma cabal. E assim, Salete, didaticamente, mostra a importância de Homero para a Poesia. Passa por Sócrates, Sófocles, Platão, Aristóteles. E acende verdades inquestionáveis como a de que “sem a arte não existe conhecimento, e o homem sem conhecimento é um animal triste e vazio”.  Navega na história da poesia pelo tempo e pelo mundo e  se fixa Brasil. E aqui nos mostra expoentes na arte poética. Em Sergipe, por fim, nos apresenta desde Gregório de Matos até os poetas que convivem conosco nos dias de hoje.  De maneira simples, ensina o significado e características das escolas, dos movimentos literários... são apenas 39 páginas que valem um compêndio da academia.

Por fim, Salete expõe a arte literária estanciana desde os primórdios como o jornalismo: uma fortuna inacreditável de periódicos que circulou em volta do pioneiro “Recompilador Sergipense” de monsenhor Antônio Fernandes da Silveira.

O livro “Expressão Poética Estanciana” revela  a premiada cordelista como autora de um bom ensaio histórico sobre a poesia Estância e um interessante (embora rápido) passeio pela poesia no mundo. .

 

Aracaju, 29 de setembro de 2021, por Antônio FJ Saracura

DAQUI, DALI E DACOLÁ

 

DAQUI, DALI E DACOLÁ, Pequenas Histórias da Vida, José Marcondes de Jesus, 2015, Infographics,260 páginas, Isbn 978-85-68368-37-4

 



Este é  um livro inesgotável, quanto mais se lê mais há o que ler. Poderia enfadar por isso. Mas não enfada. A cada passo à frente, mais curiosidade, mais surpresa, mais prazer. Cada novo caso é uma porção de castanha de caju torrada do Carrilho ou um tablete de chocolate suíço. Gozo contínuo...Frustação apenas no final da crônica 111, na página 260 (Minha mãe, Carta de São Paulo aos Corintos), porque não há mais castanha, o livro acaba.  

A maioria dos contos é construída em dois estágios. O primeiro aborda um aspecto da cultura universal (o resto do Brasil também é exterior algumas vezes, pois parece) e nele embasa o segundo estágio: folclore, jeito de viver, verve Itabaianenses, pois Itabaiana é uma nação à parte sempre, tem personalidade própria. E este paralelo entre os dois estágios enriquece o lado de Itabaiana (que nos é afeto) e mais ainda o lado universal (imagino).

Marcondes conhece o mundo lá fora desde criança. Tem paixão roxa, pedido de paixão. O namoro aconteceu em criança ainda través de cartas. Os destinatários eram achados nos jornais e revistas que passavam à sua frente. O Correio de Itabaiana já sabia que os envelopes tarjados com bandeiras estrangeiras eram para o menino esquisito, filho de seu Ivanildo, que morava na rua do Cisco (hoje 13 de maio), número 61.

“Quando estafeta passava pela calçada de Mané Teles...não tinha erro, tinha correspondência para mim. A cada envelope aberto, a emoção de novas descobertas do mundo de lá longe que só a imaginação do menino abelhudo podia imaginar. Meu pai me alertava para ter cuidado com tanto envelope chegando com tarjas vermelhas (via de regra eram) para não me tomarem por comunista”.

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José Marcondes de Jesus é formado em Medicina pela Ufs, mas sua especialização incluiu instituições internacionais, como a Universidade de Brown nos EUA, o hospital San Jam em Bruges, Bélgica, o Hospital Geral de Massachusets...

E sempre que pode (é médico dos caminhos da respiração difícil e do sono fugidio, e demais requisitado) ele roda o mundo, senão em mais um curso de especialização, mas se deleitando nessa Itabaiana estendida que em todo canto há revelada, com surpreendentes detalhes.

O livro, “Daqui, Dali e Dacolá” é denso, sério e divertido, em cada informação. É bom ler devagar. Como se visita a um grande museu de obras de arte, como o Louvre de Paris, por exemplo.

Não é preciso ter sabedoria especial para gostar do museu ou do livro de Marcondes. Basta ter calma, bom gosto e atenção, e entrar porta a dentro.

“O carboreto é umas pedra que molhada pega fogo”(142, citando o jegue Carboreto que passava o dia inteiro levando barricas de água para a população que não possuía cisterna).

“Assim como os Itabaianenses, os fenícios produziram ligas de ouro e de outros metais, tecidos, grãos, armas e óleos. Mas o seu grande poder estava na frota naval, assim como os caminhões são o poder dos ceboleiros (Página 159, sem citar ninguém).

“As grandes massas cairão mais facilmente numa mentira grande do que numa pequena” (151, citando Adolfo Hitler. Somos um povo faminto por ilusão. A verdade nos causa fastio).

“A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer (151, citando Mário Quintana e a assertiva de que para tudo há sempre um perdão).

“Itabaiana é terra das originalidades” (Página 101, citando dr. Severiano promotor de Justiça em Itabaiana na década de 40 e 50).

E o sobre os galos nas torres das igrejas matrizes   pelo mundo... Há um imponente galo na igreja de Itabaiana, que foi rifado por Carrasco, um dos girentos do lugar. Em Itabaiana, rifam-se caminhões, motocicletas, carneiros, garrotes, perus cevados. .Este povo gosta de riscos. Faz estapafúrdias apostas sobre espirros do vigário alérgico, os votos apurados para a cachorra de Cori na eleição corrente, a hora da chegada do caminhão de Niu do Feijão...  

O ganhador da rifa veio receber o prêmio. 

Carrasco explicou: “Você vai para o pé da torre da igreja, leva uma cuia de milho, esparrama pelo chão, quando o galo descer para comer, você pega e leva pra casa”. 

O ganhador protestou: ”Se eu soubesse que era assim, eu não teria comprado o bilhete”. 

Carrasco então, vivo como era (vendera todos bilhetes), disse: “Não tem problema. Se não está satisfeito, eu devolvo seu dinheiro e fico com o galo”.

E o problema foi resolvido assim. 

Sobre a leitura do livro de Marcondes... O ideal é ler um conto, logo cedo, reler a gosto,  passar o resto do dia revendo detalhes, recolhendo o néctar de cada flor, dando gargalhadas que certamente escaparam logo cedo, pela manhã. 

Mas quem pode se dar ao luxo e ao prazer de gastar tanto tempo com um conto,  se o livro "Daqui, dali e dacolá" tem mais de cem?

(Aracaju,07 de setembro de 2015; recuperada em 01 de setembro de 2021)

TRILHAS DO CIPOAL, Jilberto Rodrigues de Oliveira

 

TRILHAS DO CIPOAL, Jilberto Rodrigues de Oliveira, 2021,Artner Comunicação, 380p,:il Isbn 978-65-88562-19-2.

 



Jilberto de Oliveira  é escritor natural de Malhador, uma das filhas de Itabaiana, e seu romance de estreia, "Trilhas do Cipoal", é ambientado em sua terra natal (com extensões), que troca de nome mas não de personalidade. Os personagens são gente da gente, figuras familiares e as histórias discorridas parecem relembranças, fluem gostosas, segurando o leitor mesmo apressado.

 “Aos quinze anos minha visão do mundo se restringia apenas ao município Pedra da Jacinta e algumas localidades além de seus limites". 

O que era comum em uma época quando os professores eram rudes mestres, limitados à tabuada, ao soletramento palavras e garatujamento dos próprios nomes.

"O bando de Lampião cruzou os caminhos do lugar provocando assombração. O povo trabalhador da Pedra da Jacinta (a cidade fictícia similar à Macondo de Marques) se escondeu onde pode, tentando escapar". 

"Quando o inverno chegou com rigor, o mentrasto tomou conta dos terreiros, os lamaçais inundaram as estradas, os mosquitos borrachudos caíram em cima da professorinha. Aquela pele fina, as pernas torneadas não iriam suportar! O sonho de estudar viraria um pesadelo". 

Ou não? Quem sabe ela resistisse.

"Os rádios de pilhas falavam que o homem andou na face da lua, ninguém acreditou, mentira pura, falar é fácil. Dona Tolentina desviou o fio da discórdia para um ponto que ninguém ainda pensara: Já pensou se esse tal comesse buchada estragada? Coitados de nós, chuva de caganeira emporcalhando as plantações e tudo o mais".

"Sob protestos da molecada, tio Zé pegou a foice e se dirigiu ao campinho dos peladeiros. Arrancou as traves e as cortou em pedaços; pegou o arado e passou sobre o terreno. E falou pra todos nós: campo de futebol plantado de batatas dá mais lucro e menos desavença”.

"Mandaram-me subir num pilar do forno eu eu li o primeiro cordel que me entregaram, A Chegada de Lampião no Inferno. já me preparava para ler o segundo , O Encontro de Cancão de Fogo e Pedro Malasarte, então avisaram que chuva passara e devíamos ir embora". 

"Peguei a marinete para São Paulo, como todos do meu tope e condição faziam. Ao descer na rodoviária de São Paulo, um taxi nos conduziu à rua do gasômetro, no Brás e outra vida se iniciava para mim. Tinha quinze anos e nada sabia de uma cidade grande".

Íamos à festa e o amigo de Gilvan apareceu com um fusquinha. Entramos todos e ele desligou o motor. Gilvan perguntou o que acontecera. Ele falou que não transportava preto. Tivemos que descer e fomos de ônibus".

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Novos amigos, novos valores, outras privações...

E assim, nessa batida bem natural, indo aos mínimos detalhes algumas vezes, ferindo e encantando, o narrador revela um mundo pitoresco, singelo, envolvente.  Que logo logo se transforma em  nosso mundo também.

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Em 1983, Jilberto passou no vestibular para o curso de letras na UFS e pediu demissão do banco, deixando São Paulo onde vivera desde 1972. Estabeleceu-se na terra natal para nunca mais sair. 

Formou-se e foi professor no colégio São José (primeiro grau), no projeto SOMEM e no Colégio Estadual Joaquim Cardoso, onde também foi coordenador Pedagógico. 

Aposentou-se em 2014 e agora lê e escreve livros. 

“Trilhas do Cipoal”, romance autobiográfico, é a epopeia de nosso povo em busca de um bom lugar para viver, nesse Brasil acolhedor e perverso.  

 (Aracaju, 01 de outubro de 2021, por Antônio FJ Saracura)