sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

MURAL DE IMPRESSÕES, João Oliva Alves

MURAL DE IMPRESSÕES, João Oliva Alves, Criação editora, 254 pag., Isbn: 978-8562-576249


João Oliva é uma pessoa de quem gosto desde a adolescência quando foi meu chefe por um tempo na redação do jornal “A Cruzada”. Nos idos de 1965. Foi quem me ensinou um pouco da arte da escrita útil, sem perfumaria desnecessária. Pelo menos tentou me ensinar.
Uma vida inteira, mais de noventa anos de observação científica da nossa vida social, política, religiosa e o que seja mais, faz de João um autor respeitável. Cada crônica (ou ensaio) desse seu livro, carrega dentro uma sabedoria imensa. Eu li compulsivo, precisando reter o mais que pudesse desta crônica, correndo em busca da próxima, com medo que fugisse de mim ou que eu me acabasse antes.

O poeta  precisa apenas de um bom o poema para se consagrar, para que o chamemos de Grande. E João tem mais de um. Mas bastava este Amor de Outono, que começa assim:

“Um amor outonal, cuja beleza calma
Tem o doce langor de um final de tarde,
De folhas a cair, de brisa que acalma,
De sol que ao declinar já não queima nem arde.”

O livro é dividido em três partes. A primeira fala de personalidades sergipanas. A segunda, de literatura e jornalismo (como lamentei não ter publicado meus livros antes para ganhar também uma resenha; ganharia?). A terceira compõe-se de ensaios e memorialística. E o foco das três partes é Sergipe. E a que o autor faz abordagem é muito pessoal, pois João testemunha o que viu, não fala por ter ouvido falar.
Reencontrei-me com meu amigo do tempo de jornal, nos idos de 1965, Acrísio Torres Araujo, quebrando caranguejo nos bares de Atalaia ou visitando um lote perdido no meio dos cajueiros onde hoje é o bairro Jardins. E José Amado Nascimento, que sempre o vi de longe, mesmo quando foi meu professor na faculdade de economia nos idos de antigamente... Sabia do seu valor mas não tinha uma ideia certa da dimensão, que agora consegui.
Em um ensaio, este de abordagem generalista, João fala sobre o desprestígio do pecado. Essa perda de sentido do pecado, que tem a ver com a moral e os costumes, vai nos levar outra vez ao barbarismo. Não se obedece ás leis de Deus, que são as leis naturais, e, na sequência, questiona-se e transgride-se as leis dos homens. Valei-me Senhor São Bento!
E sobre o centenário de Clodoaldo de Alencar. O Ceará é o grande exportador de talentos, inclusive para Sergipe. Clodoaldo, de cepa ilustre, descende de José de Alencar (O Guarani, Iracema) foi trazido por Gracho Cardoso em 1922 e produziu uma plêiade de intelectuais genuinamente nossos.
O Riachão não poderia ficar de fora. Que terra é essa que produziu tantos filhos ilustres? Inclusive João. Os tipos folclóricos desfilam como se fossem os mesmos de Itabaiana na minha infância. O cronista João Oliva os ressuscita o contador de histórias (Pai Jocundo), o poeta popular (Gino Costa), o vendedor de quebra-queixo (Martinho Caga-pilar) o Ceguinho Marcelino.
E o caso acontecido sobre José Araujo Nascimento... Uma decisão insólita e corajosa de ir à casa do desafeto com as mãos estendidas pedindo a paz, sentar-se à mesa, e rezar um padre nosso. É loucura ou é absoluta sanidade?
João Oliva apresentou-me pessoas decentes, que eu precisava conhecer para que minha vida melhorasse muito, como Ursino Ramos e muitos outros. Leia o livro e comemore. Não é sempre que podemos desfrutar um livro tão bom.


Mural de Impressões, João Oliva Alves,Criação editora, 254 pag. João Oliva é uma figura simpática para mim desde a adolescência, quando foi meu chefe, por um tempo, em 1965, na redação do jornal “A Cruzada”. Foi quem me ensinou um pouco da arte da escrita útil, sem perfumaria desnecessária. Pelo menos tentou. Uma vida inteira, mais de noventa anos de observação científica à nossa vida social, política, religiosa e o que seja mais, faz de João um autor respeitável. Cada crônica (ou ensaio) desse seu livro carrega dentro uma sabedoria imensa. Eu li compulsivo, precisando reter o mais que pudesse desta, correndo em busca da próxima, com medo que me fugisse ou que eu me acabasse antes. A começar com o poema de abertura em homenagem à sua esposa, simples e belo, uma lição aos jovens poetas. (Corra ao livro!). (Perfil ano 17 numero 2)




terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O CAVALO INVEJA E A MULA MANCA,Enéas Athanázio

O CAVALO INVEJA E A MULA MANCA, Enéas Athanázio, contos, Minarete, 2001, 69 páginas, sem isbn



Há cerca de um mês, eu fui convidado pelo jornalista Clarêncio Martins Fontes para uma entrevista na Associação Sergipana de Imprensa, com um intelectual que visitava nossa terra. Era seu amigo de algum tempo com quem se correspondia intelectualmente. O visitante queria conhecer autores da atual literatura sergipana.

Cheguei atrasado e o escritor catarinense (o amigo de Clarêncio) já estava de saída. Reteve-se alguns minutos ainda, em consideração à minha chegada cheia de desculpas esfarrapadas. Conversamos sobre literatura, trocamos endereços e livros. Dei-lhe “Os Tabaréus do Sítio Saracura” e ele deu-me “O Cavalo Inveja e a Mula Manca”, que acabo de ler.

Contos curtos, úteis, ricos em raízes de nosso povo que é o mesmo povo, esteja em Santa Catarina ou aqui em Sergipe. Alguns contos pareceram-me autobiográficos, ou pelo menos com ranços, assim como os contos que produzo. Enéas resgata casos pitorescos, o linguajar peculiar, o espírito irônico de um povo simples e de boa fé. É o que eu tento fazer aqui com minhas garatujas.

João Banha mesmo não existindo, inventado como bode expiatório, causou uma zueira em Poço Preto, aquela pacata comuna que vivia de saudades dos bons tempos da erva mate e do pinho serrado. Até a velha mula manca, vendo o cavalo Inveja marchando ao som da música, garboso e de orelhas empinadas, ensaiou uma dancinha de mangação. Um arremedo para dissimular a admiração que sua inveja não podia reconhecer. Sentimento bastante comum entre nós, humanos. Vinte e três saborosos causos saídos de uma pena comprometida com a boa qualidade da escrita.

Agradeço a Clarêncio Martins a oportunidade que me deu de conhecer Enéas Athanázio e sua boa e leve literatura.

Em compensação... Na verdade uma descompensação, porque paguei um nadinha e, em troca, recebi um mundão de belas palavras sobre “Os Tabaréus do Sítio Saracura”.  Gostei tanto do que escreveu Enéas Athanázio, que publiquei a resenha integralmente em Os Ferreiros, meu novo livro de contos. Está lá no apêndice. 

Eu prefiro que você leia em Os Ferreiros, que lhe envio por esses dias. Aproveite e leia também o livro, que está sendo muito elogiado pela crítica formal e informal.  Por isso, não a incluir aqui.   


(Aracaju, em dezembro de 2014) 

sábado, 13 de fevereiro de 2016

HISTÓRIAS DE VÁRIOS TEMPOS, FATOS E PESSOAS, Artur Oscar de Oliveira Deda

HISTÓRIAS DE VÁRIOS TEMPOS, FATOS E PESSOAS, Artur Oscar de Oliveira Deda, J. Andrade, (2012), 375 páginas, Isbn: 978-85-60075-81-2~



Mesmo as crônicas mais técnicas, que tratam de leis e política, trazem em seu conteúdo uma citação espirituosa, uma revelação interessante, que cativam o leitor.
É um livro de leitura agradável... Seja abordando reminiscência da infância (Crestomatia e Radagásio Taborda), a aldeia bucólica (que mistério envolve com tanta graça Simão Dias?), os amigos inesquecíveis, que ficam também nossos (José Amado, Manoel Cândido), curiosidades sobre expressões/termos falados no dia a dia e de que nem ligamos à origem: “ok” e tchao” (leiam a “Viagem de Volta”, na página 330).

E quanto a José Amado Nascimento, já que o citei de passagem sob a inspiração de Artur Oscar? Foi meu professor na histórica Faculdade de Economia. Hoje é um velhinho lúcido, dá gosto ouvi-lo, beira os 100 anos. Mas fale alto, pois pouco ouve bem. E não vê... quando Deus fecha uma janela, abre mil portas. Veja que poema duro, Artur Oscar reproduz:

“Nasci em dia de treva
Não vi meu pai como era
Há tanta treva no mundo
Rondando o berço dos pobres.
Há tanta treva nas ruas
Na hora dos enjeitados.

Papai é feito de pedra
 Não ouve, não ri, não sente
Não sabe o que é o passado,
Ausentou-se do presente
Desmanchou-se no futuro
Não deixou saudades não...

O pai dos abandonados
De todos os enjeitados
Dos que são filhos do acaso
É o Deus que ama os pequenos
E mandou seu filho um dia
Para consolo dos tristes
Neste vale de aflição...”

Parte do poema “Menino Enjeitado”, de José Amado, apenas para mostrar até onde vai o livro de Artur Oscar, ao âmago.

xxx

Em Réquiem Para um Cão (que também não sou muito chegado a cachorro), o último parágrafo é antológico, e gostaria de citá-lo inteiro aqui, mas é longo, e redigitá-lo daria um certo trabalho. Mas, começa assim (para o leitor localizar facilmente) “Uma vez, tarde da noite, estava eu sozinho, a cismar, balançando-me na rede.” Eu peço perdão pelo aposto, preso entre parênteses, no início deste trecho, eles  (os cães) muito do bom que nós humanos temos.

Independente de bairrismo, pois não o sou (Deus me perdoe), a melhor crônica do livro é: “A Predição da Cigana”. Fala de uma personalidade itabaianense, teria que ser. De uma maneira que apaixona. A crônica (ou conto, que me pareceu ser mesmo) é um filme inteiro. Li de um único fôlego.

Você quer saber do que trata?
Melhor buscar o livro original, que ainda existem alguns exemplares nas librarias dos shoppings.
Há algumas coincidências entre Artur Oscar e eu, Antônio Saracura, além de não sermos, os dois, muito chegados a cachorro. Abominados conferências, especialmente as longas. Ele não gosta de pompas, de títulos, do culto à celebridade.
Como eu também.

Não deixem de ler a Crônica “Conferências”, da página 89 e “Curiosas Tradições da Justiça”, página 133. Ou melhor, não pule nenhuma desse HISTÓRIAS DE VÁRIOS TEMPOS, FATOS E PESSOAS.

Sala de Leitura (Publicada na revista Perfil ano 17 / 2)
Histórias de Vários Tempos, Fatos e Pessoas, de Artur Oscar de Oliveira Deda,Editora J. Andrade (2012) Isbn: 978-85-60075-81-2, 375 páginas. A melhor crônica do livro é “A Predição da Cigana”. Espetacular! Fala de uma personalidade itabaianense, fala de uma maneira que apaixona. Li de um fôlego. Há mais oitenta companheiras que não lhe ficam atrás. Tornei-me amigo dos personagens de Artur Deda e viajei ao seu passado que parece com o meu. E agora, depois do livro, tenho o autor como íntimo (ele nem desconfia), compartilhamos até nas restrições que a vida nos impinge: cães, longas conferências, pompas, solenidades... Não pulem as crônicas: “Conferência” (pág 89) e “Curiosas Tradições da Justiça” (pág 133).



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA CRÍTICA DO CORDEL BRASILEIRO, Aderaldo Luciano

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA CRÍTICA DO CORDEL BRASILEIRO, Aderaldo Luciano, Adaga, Luzeiro, 96 páginas, ISBN – 978-85-66161-00-7~


Conheci Aderaldo na II BIenal do Livro de Itabaiana, em outubro de 2013. Há pouco tempo. Ele veio fazer uma palestra, por indicação de Anderson Almeida , o músico e gerente da Sofiva. Inicialmente, eu relutei em incluir mais uma palestra na grade já saturada. Mas vendo as postagens no Facebook do professor Aderaldo e a acolhida festiva e geral (o Brasil inteiro já o conhecia) não pude fazer-me de esquecido. Além do mais, era doutor da UFRJ, especialista em cordel, e não cobrava nem a passagem para se deslocar à Itabaiana. Possuía um patrocínio oficial. Quanto à hospedagem, Anderson o acolheria numa rede, na sua casa em Campo do Brito.


O professor Aderaldo foi uma festa para o público que, a cada minuto explodia diante das colocações do mestre. Índio, mignon, informal, mas de um brilho evidente. “Quando vocês convidarem cordelistas ou violeiros para suas festas, pague um bom cachê. Eles vivem de sua arte, que tem muito valor.”
O livro de Aderaldo, adquiri depois, pois Aderaldo retornou a Sergipe (a convite da UFS Itabaiana) para proferir palestra para os alunos de Letras. Sabendo, encomendei um exemplar do livro que anunciou na Bienal, mas não dispunha de nenhum pois sua mala foi extravida na companhia aérea.
O livro compõe-se de apontamentos consistentes: informações e conceituações. Um passeio no mundo do cordel, desde os mais remotos e suspeitos inícios, passando pelos clássicos, alcançando os atuais.
Alguns pontos que não pude evitar de sublinhar enquanto lia: Analisando o poema matuto de Zé da Luz, Vingança do Cabôco,) Aderaldo afirma que “não é cordel, tanto pela irregularidade estrófica como pela imitação da oralidade... No cordel jamais encontraremos esse falar matuto se não por pura ignorância do cordelista”. E aí? Vamos parar com essa falácia de simular o jeito de falar tabaréu achando que abafa. Escreva seu cordel com a melhor cultura de que dispõe.
O cordel não é poesia apenas sertaneja, como muitos a chamam. É a forma poética brasileira mais bem sucedida. É o mais nobre de todos os gêneros poéticos praticados no Brasil, o que trem mais vitalidade. É genuinamente brasileiro, o que conta muito. E é poesia autêntica (não torçam o bico!).
Pablo Neruda, Fernando Pessoa, Carlos Drumond de Andrade, Leandro Gomes de Barros, Silvino do Piruá, Manoel d’Almeida Filho, Manoel de Barros. Todos são mágicos da poesia, divergem apenas na forma da escrita. Estão no mesmo patamar, encantam com palavras.
Sala de Leitura (Perfil ano 17 / 1)
Apontamentos para uma História Crítica do Cordel Brasileiro, Aderaldo Luciano, Editora Adaga, Luzeiro, 96 páginas, ISBN – 978-85-66161-00-7 - O livro compõe-se de apontamentos consistentes, ricas informações e conceituações. Um passeio no mundo do cordel, desde os mais remotos e suspeitos inícios, passando pelos clássicos, alcançando os atuais. O cordel é a forma poética brasileira mais bem sucedida. É o mais nobre dos gêneros poéticos praticados no Brasil. É genuinamente brasileiro, o que conta muito. É o gênero de maior vitalidade na literatura. E é poesia autêntica (não torçam o bico!). Pablo Neruda, Fernando Pessoa, Carlos Drumond de Andrade, Leandro Gomes de Barros, Silvino do Piruá, Manoel d’Almeida Filho, Manoel de Barros... Todos são magos da poesia, divergem apenas na forma da escrita. A II Bienal do Livro de Itabaiana ficou muito mais rica com a presença de Aderaldo Luciano. O seu é um curso (inteiro) de literatura.



quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

ANVERSOS, Cléa Maria Brandão de Santana

ANVERSOS, Cléa Maria Brandão de Santana, Infographics, 184 páginas, 2013,ISBN 978-85-916442-0-9


Conheci Cléa nas reuniões da Academia Sergipana de Letras., eu como convidado por mim mesmo e ela membro efetivo do movimento Antônio Garcia (pre-academia). Colocações comedidas, sempre primando pelo lado bom das coisas. Nada de polêmicas, contestações, muito pelo contrário.
Eu sabia de uma obra de sua autoria, “Casa de Farinha”, mas esgotado há muito. Soube pela mania de corujar bibliotecas... Eu fazia isso na pequena biblioteca de Walfredo Benigno, enquanto ele editava um de meus livros (acho que Meninos que não queriam ser padres) e vi o a Casa de Farinha. Depois de muito atanazar, Valfredo me emprestou por cinco dias. O livro compunha-se de um texto de memórias tratando de uma casa de farinha e outros agregados que não me entusiasmaram. Mas da “Casa de Farinha” de Clea eu nunca mais esqueci. Tanto pelo conteúdo (ao meu gosto) como pelo jeito peculiar da escrita, encompridando as frases com um rabinho buliçoso e instigante, que eu algumas vezes também uso, falando ou escrevendo.

Acabei de ler Anversos, o segundo livro de que tenho notícia de Cléa Brandão.

São crônicas e ensaios, no meu modo de entender. Alguns de cunho religioso, pois Clea é evangélica histórica, outros abordando aspectos históricos, da mitologia, da literatura e da filosofia.

Quando consigo chegar ao final de um livro, ele valeu a pena ser lido. Quando chego satisfeito, comemoro, como estou fazendo agora com Anversos. Prosa leve, culta, útil. O texto denominado “ Etnias” é um estudo interessante que tenta demostrar que todos descendemos dos judeus. Verdade? “O Livro de Ester” me fez voltar à minha velha Bíblia amarelada e me deliciei com a Ester integral. Quanta poesia! A ”Catedocracia Judaica” é um instigante ensaio sobre a persistência do povo judeu no mundo. “Masada...” muito revelador.

A algum tempo atrás havia um jornal (o Globo do Rio de Janeiro, acho) que indicava a cotação de filmes com bonequinhos: bonequinho cochilando indicava que o filme era um saco. Bonequinho sentado, que o filme era sem nada de especial. Bonequinho em pé, que o filme era bom. Bonequinho em pé e aplaudindo – que o filme era muito bom. Eu dou a Anversos o ultimo bonequinho.

Sala de Leitura (publicada em Perfil ano 17 /01)

Anversos, de Cléa Maria Brandão de Santana, Infographics, 184 páginas, 2013,ISBN 978-85-916442-0-9 - Quando consigo chegar ao final de um livro, acho que ele valeu a pena. Quando chego satisfeito, comemoro, como estou fazendo agora no final de Anversos. Prosa leve, culta, útil. O texto denominado “ Etnias” é um estudo interessante que tenta mostrar que todos descendemos dos judeus. Verdade? “O Livro de Ester” me fez voltar à minha velha Bíblia amarelada e me deliciei com a Ester de corpo inteiro. Quanta poesia! ”Catedocracia Judaica” é um instigante ensaio sobre a persistência do povo judeu no mundo. “Masada...” revelador. 

ALMA BRANCA, Maria do Carmo Xavier Costa

ALMA BRANCA, Maria do Carmo Xavier Costa, infographics, 2012, 104 pag, Isbn: 978-85-914382-0-4


Li Alma Branca numa manhã. Minha intenção era apenas começar a ler, mas não pude parar.  Até no Pronto Socorro do hospital São José, onde tive que levar minha mãezinha de 92 nos para uma consulta urgente, não larguei o livro. As pessoas na sala de espera olhavam-me sem entender como um homem madurão enxugava tanto os olhos e apertava o nariz fluindo. Por que não ia ao banheiro munir-se de um chumaço de papel?   Estaria com conjuntivite? E afastavam-se, prudentes, com medo de pegar.

Minha esposa leu, em seguida, de um fôlego só. Ao terminar, veio-me dizer que o achou “muito, muito bom”.  E eu nem perguntara nada.


Prosa leve, linguagem essencial, enredo envolvente, doses generosas de forte emoção em cada palavra escrita. É a história crua da autora. Ou melhor, a história de uma fase sofrida e vitoriosa. Maria do Carmo narra dores e revezes, e o leitor não se sente acabrunhado, mas engrandecido. É uma história de gente vitoriosa, de gente que infatigável persegue os objetivos com inabalável fé.

Se a Primeira Bienal de Itabaiana (evento realizado em outubro de 2011 e citado pela autora como o motivador para sua decisão de publicar o livro) só tivesse esse crédito a favor, teria valido à pena. Mas fez muito mais. Além de Maria do Carmo que, por si só, valeu o evento, cativou muito mais gente para ler livros, escrever suas histórias e as histórias de seu povo, e, especialmente, publicar. Sim, publicar!  Pois publicar parece que deixou (ou está deixando) de ser tabu.  Quem sabe, não seja o fim dos inéditos (calhamaços e mais calhamaços) que iam ao lixo ou à fogueira, como se fossem devaneios inúteis, após o falecimento do relutante escritor.

Graças a Deus, graças a Primeira Bienal de Itabaiana (a Segunda está sendo organizada e será nos dias 25 a 27/10/2013) Maria do Carmo decidiu publicar seu livro, dando-nos uma bonita história, agregando um valor inestimável à cultura de nossa terra.

O livro Alma Branca vai ser lançado em festa no hall da Biblioteca Epifânio Dórea, no bairro 13 de Julho, em Aracaju, no próximo dia 14/dezembro/2012, a partir das 18:00 horas.
Não deixe de ir!  Sua presença fará a festa muito mais bonita. O livro merece!

(publicada na Perfil 15/08)



ÁGUIA SEM ASAS e outros, Fausto Joaquim Moreira da Silva

ÁGUIA SEM ASAS e outros, Fausto Joaquim Moreira da Silva, Infographics, 2011 (2 edição),Isbn: 978-85-912776-0-5


Tem aquela fábula que conta a desdita de uma águia criada num galinheiro desde pequenininha. Ao ficar adulta, comporta-se como uma galinha. Poderia voar pelo céu azul, varar as nuvens, mas nem sabe que pode. Vive ciscando o monturo, sendo bicada pelo galo tirano, humilhada pelas outras galinhas, e conforma-se.
Ela, então, não passa de uma galinha recalcada, como tantas que nos contentamos em chafurdar no lugar comum sem fazer o que temos direito e até o que temos obrigação de fazer.

Há outra águia que não pertence a nenhuma fábula, pelo menos que eu saiba. Ela, ao contrário da anterior, tem plena consciência de sua capacidade de voar, de varar o céu azul. Mas nasceu atrofiada, sem asas, acometida por uma paralisia cerebral quando ainda gestava no ovo.
Mesmo vítima de madrasto destino, essa águia voa.
Seu corpo defeituoso não decola do chão, mas seu espírito descola-se do corpo e ganha a imensidão azul do céu.
Não seria um mero defeito orgânico que a impediria de agir como uma águia autêntica!

Está confuso, amigo leitor?
Ainda me segue, por acaso?
Procure conhecer Fausto Joaquim, deficiente físico, acometido de paralisia cerebral peri-natal porque lhe atrasaram em demasia o nascimento... E a suposta confusão acabará.
Fausto é um homem que tinha tudo para não ser nada, e hoje é um cidadão útil. Faz muito mais do que teria obrigação de fazer. É conferencista (e apenas expele ruídos como voz), é jornalista, poeta e escritor (e nem consegue segurar uma caneta para escrever), é pesquisador (e nem consegue se locomover sozinho).
Acabei de ler seus três livros publicados:
“DIGA AO MUNDO QUE SOU DEUS” (infographics, 2011 – 2.edição) - Conta sua história, suas crenças, sua luta, suas derrotas, suas vitórias. Não há como não marear os olhos de emoção aqui e ali. Não há como não concordar que a possibilidade de dependência eterna é pior do que a morte definitiva (página 15).
“CASCATA DE POEMAS” (sem editora, 2008) – Lavagem da alma, cantigas de um amor acima de qualquer barreira, louvação à vida como um dom espetacular.
“AGUIA SEM ASAS” (Infographics, 2011, 2. Edição) - Pedagógicas crônicas, todas girando em torno da valorização do homem, falando de superações, confessando sonhos, comemorando vitórias.
Os três livros revelam o tamanho da lenda chamada, “Águia sem Asas”, conhecida também como Fausto Joaquim.
Fausto e seus livros dão uma lição de vida a todos nós que, mesmo tendo asas, vivemos uma vidinha medíocre, como aquela águia da fábula que pensa que é galinha e toma bicoronhadas, e acha bom.
(Publicada na Perfil 15/05)



terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

ACADEMIA LITERÁRIA DE VIDA. Lígia Pina, e outras


ACADEMIA LITERÁRIA DE VIDA.  Lígia Pina, e outras, Infographics, 2012


Você já ouviu falar?

Uma academia de mulheres geniais de Sergipe. Em dezembro de 2012 completou 20 anos e editou uma bela revista, pela Infographics, que tem o mesmo nome. 

Li a revista, que me encantou. 

A imortal Maria Madureira Pina (autora de “A Relíquia – Crônica e Contos”) comanda o grupo e é a grande estrela da nossa cultura. Ela sempre me tratou com extrema distinção, tendo escrito resenhas antológicas sobre alguns livros que publiquei, haja visto a que escreveu  sobre “Tambores da Terra Vermelha”, que reproduzo onde me dão espaço.

Cumpre-me informar que Lígia Pina faleceu em 18/08/2014. Lamentei muito, era alguém que valorizava meus escritos, um dos poucos que me liam religiosamente. O presidente da Academia Sergipana de Letras, José Anderson Nascimento, fez publicar no Jornal da Cidade um artigo de sua lavra que precisa ser lidos por todos (está no final desse resenha, se tiver tempo não o pule).
Mas, retornando à revista da Academia Literária de Vida, ela traz belos poemas e crônicas de alguns de suas imortais:
Yvone Mendonça de Souza (“Trajetória de uma Vida”) que já falou bem de meus livros e até fez um rsgado elogio aos “Tabaréus do Sítio Saracura”.
Cléa Maria Brandão de Santana (“Casa de Farinha e Outros Escritos”) que sempre encontro na Academia Sergipana de Letras nas tardes das segundas-feiras. Casa de Farinha é um belo texto que encanta sem favor.
Adelci Figueiredo Santos (“Geografia de Sergipe”) que foi minha professora de Geografia Econômica na UFS nos idos de 1968. Sempre deu-me notas boas. Talvez por isso tenho-a em um altar de ouro no templo de minhas lembranças gratas.  
Ângela Margarida Torres de Araujo, Maria Conceição Ouro Reis, Maria Hermínia Caldas, Josefina Cardoso Braz , Shirley Maria Santana Rocha, Marlaine Lopes de Almeida...
Ainda há na revista poemas e matérias de figuras ilustres da nossa urbe literária: Martha Hora, Avany Torres de Souza, Leyda Regis, Therezinha Belém, para citar apenas alguns.
E, agora, leia o artigo que prometi reproduzir:


18/08/2014 ÀS 10H00 - ARTIGOS
A escrita de Maria Lígia Madureira Pina

Por: José Anderson Nascimento
A escritora, poeta, professora e acadêmica Maria Ligia Madureira Pina, falecida em 14 de agosto de 2014, era uma ilustre sergipana que se dedicou ao ensino e às letras, tanto na composição de belíssimos poemas, como na escrita de ensaios historiográficos e de crônicas. Filha de Affonso Pinna e de D. Alexandrina Madureira Pina, Lígia Pina, como era mais conhecida no meio acadêmico, nasceu em Aracaju, Sergipe, a 30 de setembro de 1925. Fez as primeiras letras com a Professora Carlota Sales de Campos, no Colégio Frei Santa Cecília, em Aracaju, transferindo-se depois, para o Grupo Escolar Manuel Luiz e, em seguida, para o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, onde concluiu o curso primário. Cursou o secundário no Instituto de Educação Rui Barbosa, quando iniciou com as suas atividades literárias, muito incentivada pelas professoras Maria Conceição Melo Costa, Julia Teles e Dalva Costa.


Já professora, graduada pela Escola Normal, tentou fugir do magistério, para atuar como comerciária, na firma Cabral Machado & Cia., tentativa esta frustrada diante da sua vocação pelo magistério, principalmente porque havia conquistado no curso do Instituto de Educação Rui Barbosa, um amadurecimento social e cultural, capaz de transmitir aos adolescentes aracajuanos, os conhecimentos obtidos naquela modelar instituição de ensino público, formadora de uma plêiade de profissionais do ensino, que se destacaram no cenário educacional do Brasil. 



No curso superior, muito incentivada pelos professores José Silvério Leite Fontes, Maria Thetis Nunes, Josefina Leite, Lucilo Costa Pinto, Felte Bezerra, Gonçalo Rollemberg Leite e D. Luciano Cabral Duarte, Lígia Pina dedicou-se ao estudo da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia, da Geografia, da Literatura e, principalmente da História, dando início, assim, aos ensaios publicados nesse campo, além de outras pesquisas com o foco na Pedagogia. 



Graduada em História e Geografia, na Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, firmou-se no magistério, por mais de três décadas, lecionando aulas de História, Geografia e Sociologia, com atuação, desde 1959, em colégios da capital sergipana, entre eles o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, o Instituto de Educação Rui Barbosa, o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe; e, também, no Colégio Estadual de Sergipe e no Colégio Tobias Barreto. 



No decorrer da sua carreira no magistério estadual, a intelectual  que subitamente nos deixou, transferindo-se deste Oriente para o Oriente Eterno, participou de vários eventos educacionais, tanto no Brasil, como no exterior, valendo destacar as suas experiências internacionais no Curso de Sistemas Educacionais a que frequentou em Israel, no ano de 1989. 



Paralelamente à sua atividade no magistério, Lígia Pina, muito produziu textos literários e trabalhos didáticos para a orientação de adolescentes, como: As Riquezas do Brasil, em 1969; O Poema Histórico da Ordem Sacramentina, em 1970; O Viajante do Tempo, em 1977; o Ponto Ômega, 1979; Patrícios e Plebeus, entre outros, que tiveram grande repercussão nos meios educacionais do Estado de Sergipe. 



Ao lado de tudo isso, a intelectual aqui referenciada, no seu livro de poemas Flagrando Vida, publicado pela Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, em 1983, demonstrou os seus pendores literários, despertando o sentimento do belo. De igual forma, no seu livro Satélite Espião, produziu poemas com extrema qualidade lírica. 



Mas, foi na prosa, especialmente no livro A Mulher na História, que a acadêmica Maria Lígia Madureira Pina veio a se notabilizar, no cenário intelectual de Sergipe. 



A Mulher na História é um repositório de preciosas e importantes informações, pois adotando o método de pesquisa bibliográfico, com algumas incursões no método empírico, ela narra toda a trajetória da mulher, desde a mais longínqua Antiguidade até aos dias atuais.

Nesse livro, começa por analisar as origens da discriminação da mulher, a partir da função biológica, própria do sexo feminino; dos tabus que passaram de geração a geração e a sua segregação bíblica. Mostra, ainda, a submissão da mulher na Antiguidade Clássica, sob o regime do patriarcado, quando era submetida a uma capitis iminutio perpétua: o marido podia repudiar a mulher; era legal a subordinação total da mulher à autoridade marital.



Ao recebê-la na Academia Sergipana de Letras, quando tomou posse na Cadeira número 27, numa memorável sessão acontecida em 13 de maio de 1998, concentramo-nos na análise do seu livro, A Mulher na História, que apresenta um elenco importantíssimo das representantes do sexo feminino, em todas as áreas do conhecimento humano, valendo destacar Rosa de Luxemburgo, líder socialista e uma das grandes expressões da Economia Política; Simone de Beauvoir, romancista e feminista, autora do livro O Segundo Sexo, que trata da emancipação feminina; Coco Chanel, que revolucionou o mundo da moda; Agatha Christie, romancista mundialmente conhecida; Virgínia Wolf, escritora que introduziu o romance psicológico e lutou contra os padrões literários da Era Vitoriana; Dolores Ibárruri (La Passionara), líder operária espanhola, que lutou contra a opressão do Generalíssimo Francisco Franco; Golda Meir, fundadora do Estado de Israel e Madre Tereza de Calcutá, que dispensa comentários, diante da sua trajetória em benefício dos menos afortunados. 



A Lígia Pina, na sua obra literária, exibe-nos um formidável painel das mulheres que se projetaram no balé, no teatro, no cinema, nas artes, e focaliza as mulheres brasileiras que tiveram uma maior participação na política, na literatura, na música, nas artes plásticas, na aviação, na filantropia e beneficência, exemplo de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Joana Angélica de Jesus, Ana Néri, Anita Garibaldi, Princesa Isabel, Cecília Meireles, Raquel de Queiroz, Dinah Silveira de Oueiroz, Cora Coralina, Madalena Tagliaferro, Bidu Sayão, Chiquinha Gonzaga, Alice Tibiriçá, Tarcila do Amaral, Carmem Miranda, Anésia Pinheiro Machado, Irmã Dulce. 



Na sua escorreita escrita, a professora Lígia Pina dedicou um especial capítulo à mulher sergipana, dando ênfase especial às educadoras laranjeirenses Possidônia Bragança e Zizinha Guimarães. Ressalta a atuação das intelectuais Etelvina Amália de Siqueira, Leonor Teles de Menezes e Cezartina Régis, ex-alunas da Escola Normal e pioneiras do Movimento Cultural Feminino, em Sergipe. 



Nesse mesmo sentido, a acadêmica Maria Lígia Madureira Pina, abriu páginas indeléveis fincando a participação de Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro, professora e política; da jurista Maria Rita Soares de Andrade e da poetisa Carlota Sales de Campos. 

Genésia Fontes (D. Bebé), na filantropia; Flora do Prado Maia, no romance; Leyda Regis, na contabilidade, Rosa Faria nas artes plásticas e Yvone Mendonça e Celina de Oliveira Lima, no magistério, receberam especial registro no livro A Mulher na História. 



No destaque final da sua obra, Lígia Pina dedicou-se ao estudo da vida e da obra das acadêmicas Ofenísia Freire, Maria Thetis Nunes, Núbia Marques, Carmelita Pinto Fontes e Gizelda Morais, escritoras, cientistas sociais, poetisas e romancistas, todas elas dedicadas, também, ao magistério e responsáveis pelo desenvolvimento moral e cultural do homem sergipano.


A VIDA É UM TREMENDO MISTÉRIO, Daniel Fernandes Reis (Carlos Tadeu)

A VIDA É UM TREMENDO MISTÉRIO, Daniel Fernandes Reis (Carlos Tadeu), J. Andrade, 2001)


O livro custou-me cinco reais, em uma mini feira montada na biblioteca Epifânio Dórea por ocasião de um evento sobre literatura infanto-juvenil em março de 2013. Ufa, que frase comprida! Tão baratinho que resolvi comprar. O preço me fisgou. Acontece às vezes. Por isso, não pratico preços fixos para meus livros. Qualquer oferta, topo na hora, e, com isso, eu ganho um leitor em débito comigo, afinal impôs sua barganha e, lá no seu íntimo, vai procurar retribuir. É a lógica da natureza.  Há uma grande chance de ele ler o livro e, melhor ainda,  ler desarmado. E, depois do livro lido, ele vai achar que deve mais ainda. Pois o livro, ele descobre, vale muito mais do que o escritor inicialmente pediu por ele. Então eu ganho um aliado, alguém que certamente divulgará o livro por aí, bom demais para qualquer autor nessa, talvez, terra impenetrável à sua literatura nativa.


Voltando ao livro de Daniel Fernandes....

Comprei também porque achei que o autor e o livreiro estavam se esforçando para me ganhar. Não seria justo decepcioná-los. Eu tinha o dinheiro e livros sempre me atraíram. Mesmo que fosse um livro ruim, o valor cobrado era tão pequeno, que justificava o investimento apenas pelo papel incorporado ao produto.

Em casa, constatei que o preço nada tem a ver com a qualidade da obra. Assim como o salário pago pouco tem a ver com a operosidade do empregado.
Crônicas singelas e interessantes, tratando de temas variados: Jesus Cristo, de Santa Ana, Lampião, Estância, Marcelino Pão de Vinho, Rosas da Caridade (onde santa Isabel arrasa a soberba de Dom Diniz). 

O autor é um velho guerreiro da imprensa e da leitura.  Escreve sem embromação. Escrita leve mas que conta o que tem a contar.

( Escrita no final de 2013 e publicada na revista Perfil ano 16 número 8)



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

A VIDA CHEIA DE VÉUS, Wagner da Silva Ribeiro


A VIDA CHEIA DE VÉUS, Wagner da Silva Ribeiro, Sercore, 2006,136p – Sem isbn

Pensei que Wagner da Silva Ribeiro fosse um homem da cidade, pouco tendo a ver com o mundo rural.  Seu avô Silva Ribeiro e seu pai Silva Ribeiro Filho foram intelectuais de destaque, poetas da cidade. Wagner sempre me pareceu um ateniense ilustre por conta de seus poemas mitológicos que gosto de ler. Mas este seu livro “A Vida Cheia de Véus” trata quase sempre do ambiente rural, seus patriarcas, seus matadores, sua gente esperta. 

Mas há também contos da cidade como o espetacular “Uns olhos Verdes”, uma obra prima, a meu ver. A descrição do fracasso sexual de Dr. Mateus requer dons que só poetas têm. 

Há outro conto que me pegou: “Serviço só requer cuidado”. Imprevisível, inflexível, excelente em todos os aspectos e com um final terrível. Eu gostaria muito de ter escrito esse conto.  

Como não tenho visto o livro nas livrarias, o leitor vai ter que apelar para as bibliotecas Epifânio Dórea ou Clodomir Silva.


 (Perfil ano 17 número 3)

A PENA DE MORTE EM SERGIPE E OUTROS RELATOS DA HISTÓRIA, Pedrinho dos Santos

A PENA DE MORTE EM SERGIPE E OUTROS RELATOS DA HISTÓRIA, Pedrinho dos Santos, 2010,Infographics, 325 páginas, sem isbn


Pedrinho dos Santos é meu professor (de banca) nessa delicada matéria chamada História e sempre me trata com distinção. Até citou “Os Meninos que não Queriam ser Padres” na dedicatória do livro. Ajuda e muito a divulgar meu trabalho literário! Ribeirão (persistente difusor de meus livros e da boa cultura) também ganhou um merecido cantinho no capítulo “Conversando com os Amigos”´. O moleque da rua do Roque hoje é o “caga-palácio” mais itabaianista que eu conheço.

Sempre que acabo e ler um livro registro minhas impressões (algumas impublicáveis). Sobre “A Pena de Morte...” arrisco divulgá-las:


Achei o primeiro capítulo (Pena de Morte em Sergipe) com muita informação junta, pelo menos para o meu pouco preparo. Meio à la Saramago (se bem que mais ameno), não estabelecendo paradas estratégicas (sub-títulos) para o leitor asmático tomar fôlego, descansar um pouco. Mas deu para saborear bem e ainda refestelar-me com as citações picantes bem encaixadas aqui e ali. “Bastava a negrinha mostrar o bico do peito para fora, furando o vestido, para Frederico (personagem do caso) sair salivando como o Cão na Moita (JSL) raivoso, com 69 intenções” (Página 83). Só um exemplo.
Assisti os enforcamentos pelo Brasil desde a colônia e mundo a fora. Conheci José da Natividade Saldanha, um poeta como poucos e que lembra Augusto dos Anjos e Gregório Boca do Inferno. E li escondido “O Corsário”, peça rara do aguerrido Apulcro de Castro, que deveria ser o patrono dos jornalistas intrépidos. Até à Espanha Pedrinho dos Santos me levou, onde fiz um ligeiro estágio com o ladrão madrilenho Luiz Candelas, que caiu na besteira de furtar os aviamentos da costureira da rainha. Depois de preso, não teve choro que o livrasse da forca.
Envolvi-me na revolução em São Leopoldo do Rio Grande do Sul, misturei-me aos fanáticos religiosos (Cristussin) e aos debochados (cheira-batinas e poder legal omisso). Os fanáticos levaram a pior, para variar. Só “padim” Padre Cícero prosperou em semelhantes empreitadas!
Apesar de falar de FORCA (ainda bem que acabaram com essa desgraça), a leitura é agradável e ilustrativa, com destaque para os diálogos (ou monólogos) inteligentes colocados pelo autor na boca de seus personagens, alguns na língua crua do povo matuto, que com a disseminação da televisão, já quase não se escuta mais. Quanta música que têm! Outro ponto alto do livro é a rica e coerente iconografia.
Onde Pedrinho consegue cavar tanto ouro?
(Publicado na Perfil 6 /24)


A PEDRA AZUL, Jorge Luiz Pinheiro Souza


A PEDRA AZUL, Jorge Luiz Pinheiro Souza, Infographics,2011, 111 páginas, Isbn: 978-85-912554-0-5


Sergipe tem muitos poetas. Vejam as gôndolas específicas das livrarias da cidade, as festas de lançamentos que acontecem, a bibliografia de nossos vultos literários do passado, e do presente. Até quem faz prosa tem (ou pode ter) poemas no computador ou em cadernos manuscritos. Somos caçadores de sonhos, mágicos do belo, e encontramos doçura até no amargo sofrimento.

Também somos desprendidos, desapegados do vil metal, pois livro de poesia vende pouco aqui. Até um poeta lúcido e útil como Jeová Santana, sofre o dissabor de ter seus livros devolvidos pelo livreiro, por falta de compradores.
A verdade é que nenhum livro sergipano, seja de prosa ou de versos, vende bem aqui. Parece que os conterrâneos fazem complô para só comprarem “siliconados” americanos, mesmo ruins de amargar. Como quem diz: “se é nosso, nós já conhecemos, para que gastarmos tempo lendo!”
O que há de chique em dizer que leu um livro de Antônio Saracura, de Vladimir Carvalho ou de Robério Santos?
Poucos privilegiados ferem essa indiferença, e graças a eles (também) é que ainda bruxuleia a frágil chama da produção literária. Entre esses poucos estão os fiéis amigos do autor.   
Alberto de Carvalho, emérito poeta falecido em 2002, na introdução de “Leonardo, Benini e Outros Poemas” (1999), questiona se seus poemas melhoraram desde o livro anterior, e esclarece em seguida que “só os meus desejados quinze leitores (é que) avaliarão”.  O vate estaria apenas ironizando o sucesso injustamente limitado de sua obra?

Evito comentar poesia, porque temo ser injusto. Quem vai captar todo o sentido de um simples verso?  Ou o real sentido?  Algumas vezes, nem o próprio autor. Outro dia, na roda de Leitura da biblioteca Epifâneo Dórea (que procuro não perder!), um poeta (que não me recordo se foi Araripe Coutinho, Hunald Alencar, Jozailto Lima, Jonadson ou Jeová Santana - quanta riqueza roda nessa roda!) dizia estar surpreendido pela interpretação que alguém fazia de certo verso seu.  Nem pensara em algo tão profundo ao escrevê-lo. Poesia é como pintura, arte, então. Uma tela pode suscitar emoções diferentes em cada nova pessoa que a olha.
Retornando aos poemas de Jorge Pinheiro...
Peço licença para usar parte de um texto que circulou na Internet, de autoria de Jorge Trindade (que não tive ainda a honra de conhecer pessoalmente) e que pode dar ao meu leitor (ainda tenho?) uma ideia do que seja a poesia do Itabaianense:

“A Pedra Azul” de Jorge Pi é um livro de muitas leituras e estilos. Pode-se lê-lo como quem lê a bíblia, interpretando parábolas e preenchendo os vazios humanos que exigem a “religação”; como quem observa às escondidas os desajeitados modos pueris do aprendiz que procura imitar seu ancestral; como quem acompanha a descrição da vida que passa; como quem se desprende das coisas e salta para a vida com a mesma leveza do desfazer dos “laços”, “soltos”, ouvindo “linda melodia linda”; (...).


(Publicada na Perfil ano 15/07)

A MUDANÇA COMEÇA EM VOCÊ, Domingos Pascoal de Melo



A MUDANÇA COMEÇA EM VOCÊ, Domingos Pascoal de Melo, Infographics, 201 páginas,2011
Isbn: 978-85-907719-1-3



De uma hora para outra, bastou que eu publicasse o meu primeiro livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, para começar a conhecer muita gente ilustre na cidade, a exemplo de Domingos Pascoal, o que me deu uma imensa satisfação.  Ele vive a literatura. Está em todos os cantos que laboram letras, debatendo ideias com dedicação integral, solícito, cordial, amigo.  Como se fosse o grande e bom gerente da jovem literatura sergipana que, ousada, tenta mais uma vez, colocar a cabeça de fora, querendo ser reconhecida. Comparece aos lançamentos, até em remotos burgos, prestigiando, indistintamente, todos os tecedores de palavras, que também o é.



Conheci-o pessoalmente agora, mas já o sabia imortal da Academia Sergipana de Letras e autor de artigos que me lembravam os mestres Marins, Lair, Içam e Shinyashiki.  A revista Perfil publicava suas crônicas e, por isso, eu achava até que ele fosse itabaianense, já que a revista, pelo seu intestino, parecia-me ser. Sabia também que era autor de um livro intitulado “Experimente Mudar”, que via no mostruário das livrarias da cidade e que compulsara algumas vezes, gretando o conteúdo.  

“A Mudança Começa em Você” é o segundo livro de Domingos Pascoal. A exemplo do primeiro, a que me referi, é composto de lições descomplicadas para se andar melhor nesse vale de lágrimas, sempre se baseando em casos vividos ou estudados em sua vida de palestrante e cientista social. As lições calam sem machucar. Como a do padre (“Podemos colaborar com o Destino”) que morreu trinta anos antes do seu dia marcado porque não quis escutar os recados que Deus lhe mandava. Como a eterna luta dos Perdedores (perder-dores) que são derrotados por qualquer golpe irrelevante; e os Vencedores (Vencer-dores) que, diante das adversidades, permanecem confiantes na vitória.

Albert Einstein (citado na página 19 do livro) diz que a “vida não se comove nem se apieda. Tudo que faz é retribuir e transferir aquilo que nós lhe oferecemos”.  Para que, então, ficarmos lamentando as pequenas mazelas do dia a dia?  Basta abrirmos os olhos para que as mazelas se transformem em oportunidades de sucesso.

Maria das Graças Monteiro diz na contracapa: “Precisamos encarar a vida positivamente, ser otimistas, falar coisas boas, louvando este dom especial que recebemos de Deus”.

A vida merece e certamente vai nos retribuir adequadamente. 

Os textos de Domingos Pascoal prendem o leitor em suas tramas, e ensinam o jeito certo de pensar e fazer bem feito.
E conseguem!

(Publicado na revista Perfil 2012) 




MAIGRET E A MULHER DO LADRÃO, Georges Simenon,

MAIGRET E A MULHER DO LADRÃO, Georges Simenon, LPM pocket, 2012, 176 páginas, isbn 978-85-254-2560-7



Há personagens que ficam eternamente na nossa memória. Nem precisam ser do bem, ficam como se o fossem, uma grata lembrança. Rememorem Lisbeth Salander da saga Milenium de Stieg Larsson, um destes.

Pode-se esquecer o nome Alfred (Fred), o Triste, neste Maigret e a Mulher do Ladrão, nunca sua imagem de arrombador “honesto”, de princípios justos, que sonha como todos nós sonhamos, e os sonhos dele, também, como os nossos, não passam de sonhos.  Se possuirmos um cofre da marca Planchard, ficaremos satisfeitos em sermos roubados por Alfred. Tudo por conta da poesia e lirismo deste personagem triste. Indelével!


Neste livro, Maigret tem muito mais trabalho em pegar o criminoso. Quase escapa-lhe. Acho até que os dois comprimidos de atropina serviram como artimanha do autor para terminar com dignidade uma história que teimava em desmoralizar Maigret. A equipe da polícia judiciária já sentia pena do chefe e esperava as desculpas esfarrapadas a qualquer momento. Talvez a primeira humilhação na vida do investigador.


O bom em Simenon é que ele entra na alma de seus personagens, e, aqui e acolá, o leitor surpreende-se com trechos impagáveis, desnudando características dissimuladas, como esse trecho abaixo, no qual Maigret reencontra, dez anos depois, uma cliente de suas investigações, prostituta escrachada que tomou juízo e deixou de rodar bolsinha:  "Ele (Maigret) a reconheceu de imediato. Era como se ela não tivesse mudado com os anos na vida. Viu seu longo rosto pálido, as pupilas desbotadas, a boca larga maquiada em excesso, dando a impressão de uma ferida sangrenta. Viu, nos olhos dela, a tranquila ironia dos que viram tanto que nada mais tem importância a seus olhos."

Gostei do livro, como gosto de quase todos simenons que li. São livros curtos, servem de refrigério para o enfado de romances longos ou livros sonolentos, que consomem o juízo mas que temos que ler. Não porque haja ordem expressa externa, mas por uma questão de foro íntimo, de consciência: como não ler um livro da moda, do qual todos falam?

O simpático comissário da Polícia Judiciária de Paris topa desafios, segue pistas perdidas, capta no ar denúncias vagas e mergulha na busca incansável da solução do enigma que muitas vezes nem havia. Apenas ele sente que há. O faro do perdigueiro belga é antológico.