MÃE DE CASA, Tantão Paiva (Maria d Conceição Ximenes Paiva),
Sobral Ceará, Editora Sertão, 2022, 84 páginas, ISBN 978-65-5421-020-1
Tantão Paiva é professora da rede estadual em Groaíras, Ceará, e seu livro, “Mãe de Casa” foi-me passado por Pascoal, recomendando a leitura.
Ao chegar em casa, caí na página 14, onde começa a arte, com a intenção inicial de apenas ler um pedacinho para sentir o gosto. E duas horas depois, estava fechando o livro, na página 83, o ponto final, batendo palmas silenciosas, comemorando.
Peguei amizade com a gente do ”Vaquejador” e dos povoados em volta. Até viajei clandestino na ônibus da Auto Viação Groaíras fretado para a levar até o Canindé, onde habita o milagreiro São Francisco das Chagas. Misturei-me na anarquia, filando mãos cheias de farofa de toicinho e roendo pé de porco cozido. E na hora de ir ao mato, surrupiava sabugos de milho do saco do seu Abrahão (o distinto convidado da Muriçoca, que cochilava), pois também não me ajeito com estes papeis que mais espalham do que recolhem. Acompanhei, de joelhos nus, as 14 estações da via sacra pela avenida Francisco Cordeiro, desde a Igreja de Nossa Senhora das Graças até o Cristo Rei. Entrei na Basílica de São Francisco e me embasbaquei com o teto tocando no Céu. Ajoelhei-me em frente ao altar do santo e fiz promessas, para ter pé de, no próximo ano, vir outra vez, pagar as graças que alcançarei.
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Mãe de Casa subia a mão pelas coxas e batia de leve nas suas
intimidades dizendo: “Olha aí que pichado bonito”, falava sem pejo e com orgulho.
O viajante pediu um copo de água e, enquanto o bebia, viu que
um cachorro chegou e bebeu diretamente do pote. Reclamou e a Mãe de Casa respondeu-lhe:
“você queria que o pobrezinho morresse de sede”.
Tia Carmélia não lavava os pratos para servir a mesa, passava
um pano seco e espanava o pó. “Pra que gastar água se é a gente que vai comer a
mesma comida, feijão com toucinho e farinha seca”?
Meu pai negociava com frutas e a mesma tia aparecia à noite
lá em casa e tacava a comê-las. Um dia, perguntei-lhe
se não fazia mal comer frutas à noite e ele respondeu: “E a barriga sabe se é noite ou dia lá dentro”?
E tia Nega?
Foi dura com o médico que a mandou fazer regime para sarar das
dores nas costas. “ O senhor quer que eu fique da grossura de um cipó”?
Criei-me nesse mesmo clima lá no meu povoado distante 1200 quilômetros de Groaíras. E pelos livros que tenho lido, o Brasil inteiro canta a mesma toada de sabedoria popular que nos faz parecidos, que nos une mais, estejamos no sertão de Goiás, nos pampas ou nas selvas do Amapá.
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“Mãe de Casa” mostra-nos a nossa luta diária em busca de
melhores dias. E prova que, para sermos grandes, basta querermos com empenho.
O estilo despojado da autora faz do livro uma obra de arte,
que prende e encanta até o último ponto. A história é original nas coisas
comuns, é grandiosa até nos desmantelos. O leitor sai falando bem, agradecido por
ter tido a oportunidade de ler um livro especial.
Peguei tanta amizade com os personagens e aos lugares de Tantão
Paiva, que o povoado “Vaquejador” virou minha distante Terra Vermelha de
Itabaiana, em Sergipe, o cantinho acolhedor que sempre busco e que o bruxo Don
Juan, em Viagem a Ixtlan, de Carlos Castanheda, me ensinou a identificar quando
parasse nele.
Aracaju, 21 de maio de 2023, por Antônio FJ Saracura