quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

ROVERANDOM, J.R.R. Tolkien


ROVERANDOM, J.R.R. Tolkien, 2013, Martins, Fontes, 2 edição, isbn 778-85-7827-776-5



Terceiro livro de Tolkien que leio. Nem bem este é de Tolkien, assim como Silmarillion também não era. Quero dizer: livro concluído ou publicado pelo autor. Tolkien deixou rascunhos a torto e a direito e a família herdeira, que não é boba, após a morte dele, passou a organizar e publicar novos livros.
Em Roverandom (que Tolkien deixou praticamente pronto) não aparecem Michael ou Christhopher, os filhos líderes que organizaram Silmarillion. O trabalho de criar mais uma fábrica de dólares coube a Christina Scull e Wayne Hammond. O que não falta no mundo é especialista em Tolkein, capaz até de produzir um romance "autêntico" sem consultar rascunhos ou rabiscos, que não foi o caso dos dois livros citados.


Rover é um cãozinho que deu azar de atacar o mago Artaxerxes, que passava pela rua, e sofreu as consequências. O mago queria apenas pegar a bola que escapou das patas do cãozinho para devolvê-la na forma de um pedaço de carne ou de um osso. Mas a boa intenção não foi percebida e o cãozinho mordeu a perna do mago, rasgando a perna da calça. O Mago jogou-lhe um feitiço e Rover foi transformado num brinquedo, um bibelot de mesa, um totó, com movimentos restritos demais. “Conseguia se mover só um pouquinho, mesmo estando escondido e sem ninguém vendo.”

Daí à uma loja de brinquedos foi um nada. Uma senhora comprou logo no primeiro dia de vitrine e o deu de presente a um filho, o segundo.
O menino vai passear na praia e, correndo com o irmão, deixa cair do bolso, na areia que afunda, o cãozinho que tentava fugir mesmo. O cãozinho vibra, ganhou a liberdade. Mas, a seguir, chora de tristeza, não havia ninguém na praia a não ser as gaivotas e montes enormes de área solta.

Então, esbarra com outro mago, o feiticeiro Psamatos, aquele que vive sob a areia, mostrando apenas um gravetinho, que é exatamente a ponta de uma de suas longas orelhas. Psamatos tenta retirar a magia e devolver o tamanho natural ao cãozinho, mas não consegue. Artaxerxes, dessa vez, exagerou na porção aplicada.

E Psamatos manda o cãozinho ao mundo da lua nas costas da gaivota, Mew, onde fica sob a guarda do homem-da-lua, para esquecer a desdita por um tempo. E mais tarde, o envia ao fundo do mar, nas costas da baleia branca, Uin, em busca do mago que reduziu o pobrezinho àquela insignificância.

Em um e outro mundo, o cãozinho vive uma grande aventura, que demora anos e anos, um livro inteiro, não apenas um livro infantil, mas um romance de fantasia que adulto ler com gosto.

No mar, a última etapa, encontra o mago Artaxerxes, que desfruta mordomia por ter casado com uma das muitas filhas do Rei do Mar, uma sereia. Rover pede ao mago oque lhe retire o feitiço, implora. Mas Artexerxes é quase um vice-rei e enrola o cãozinho, nega-se desfazer a magia, alega estar ocupado, irritado, sem vontade.

Até o dia em que Roverandom morde o rabo da serpente marinha e provoca um cataclismo. A culpa cai sobre Artaxerxes que deveria aplicar magia e controlar a ira da serpente.

Depois que a serpente quase acaba com o fundo do mar, Artaxerxes fica desacreditado. O povo marinho clama e o rei expulsa-o. O mago arruma sua trouxa, queima os excedentes, joga no quintal da casa o que não consegue queimar. Isso provocará uma desgraça sem tamanho mais tarde. Roverandom mete-se na comitiva em fuga. Outra vez, a baleia Uin, que os trouxera ao fundo do mar tempos atrás, deixa-os em terra firme, agora.

Sem poder e sem equipamentos, Artaxerxes aceita reverter a magia. Mas precisa de uma varinha que não sabe onde socou, ou melhor, julga tê-la jogado no quintal quando foi desaguado pelo Rei do Mar.
A varinha apareceu nas mãos da esposa de Artaxerxes, que recolheu e guardou, para si, alguns souvenirs.

Roverandom volta e ser um cão de tamanho normal. E retorna à casa de sua dona original. Coincidência: ela é a avó do menino que perdeu o presente (o cãozinho reduzido) na areia da praia. Final feliz.

(Aracaju, 26 de fevereiro de 2019, Antônio FJ Saracura)

Obs: A palavra Rover quer dizer, explorador. Random – errante, a esmo, ao acaso.



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

AGRIDOCE MELAÇO DE CANA E JABUTICABAS MADURAS


AGRIDOCE MELAÇO DE CANA E JABUTICABAS MADURAS, Aderbal Bastos Barroso, São Paulo, Scortecci, 2018,111 páginas, isbn 978-85-366-5692-2




Aderbal é o presidente da Academia e artes e letras de Neópolis, nascido em Carrapicho, hoje Santana do São Francisco. Autor de dois livros interessantes, No Remanso do Rio (que li e gostei muito, fala de famílias, de propriedades, de costumes do povo da beirada do Rio)  e que possui um subtítulo instigante: “por onde andei com meus antepassados, da fazenda Carrapicho à Lagoa Funda, passando pelo Curral das Pedras.  E de outro livro, À Sombra dos Oitizeiros, que não li mas do qual ouvi falar bem.  
Agora, está nas livrarias, um livro de poesia, e eu nem sabia que Aderbal era poeta também, além de historiador e memorialista.  


A prefaciadora, Vera Duarte, ilustre do Cabo Verde, do além mar, escreve que “a poesia de Aderbal canta, de forma insofismável, o amor entre um homem e uma mulher com recurso aos elementos da natureza. O amor como substantivo concreto que aquece os enamorados ao anoitecer, o prazer que exalta os corpos dos amantes no calor da paixão, a volúpia do desejo, o pecado do prazer, a liturgia da entrega que se cumpre em êxtase e transe, a libido que se extravasa na visão febril do corpo idolatrado. Mas também um amor amordaçado, estilhaçado, que traz soluções e lágrimas e se devora no seu próprio veneno”.
O próprio autor confessa, na apresentação (que ele chama de prólogo ou prefácio também) que selecionou os poemas em 2003 e, por falta de ousadia, por receio em desnudar-se, despir-se, apenas agora os publica (2018). 
É que as jabuticabas amadureceram e, antes que os passarinhos do céu viessem chupar todas, ele nos convida ao sítio para saboreá-las. Sem medo e sem reservas, conforme garante. Sem medo mais de nada.
Vi o livro lá num cantinho da Escariz passei-lhe a vista como faço com todos que chegam. Gostei da arte da capa (jabuticabas virgens, tentadoras), do título (sabores terra que me fazem um bem danado), da fluidez dos poemas (único alvo para cada tiro certo). São poemas curtinhos, alguns com o sabor agridoce da jabuticaba madura mas tendo sempre a mulher como pano de fundo ou sem pano nenhum que é o trem mais espetacular criado por Deus.
Claro que não percebi (devido a mim mesmo, pois a poesia ronda em volta e teima em fugir do meu alcance) o sabor, o teor, e a melodia de todos os poemas de Aderbal. Mas em um livro de 90 poemas, se apenas 4 encantam o leitor, já valeu a pena os vinte e cinco reais que custou e o tempo que ficou lendo.
Permitam-me citar, a seguir, um dos quatro (houve mais), este da página 29 e chamado: Paixões Clandestinas:

Amar você
É vencer todos os riscos
É permanecer no ar, e sempre em equilíbrio,
Ao atravessar assustadores abismos.

Amar você
É sobreviver a todas as avalanches
É resistir, mesmo sem ser herói,
A inúmeras tempestades.  

Amar você
É reescrever o destino
É despertar os deuses que adormecidos
Velam os amores clandestinos.

   Aracaju, 25 de fevereiro de 2019, Antônio FJ Saracura