sexta-feira, 12 de agosto de 2022

HISTÓRIAS QUE ME CONTARAM, Valfran Soares

 

HISTÓRIAS QUE ME CONTARAM, Valfran Soares, Edise, Aracaju, 2021 isbn 978-6586004-47-2

 


 

No lançamento do hino “Cidade Serrana”, o canto de louvor à querida Itabaiana, Valfran me mostrou alguns textos que escrevera para um futuro livro a publicar, dedicado às crianças. Encantei-me e viajei ao meu tempo de menino, tempo sofrido que hoje me mata de saudade já que não matou de dor no passado. O lirismo de “Cidade Serrana” estava entranhado naqueles contos curtos, como está nas canções que Valfran compõe e que enriquecem o nosso cancioneiro. 

A literatura infantil e a criançada (pequena e grande, eu no bolo) ganham com este livro um presente inestimável. 

Mais ou menos, foi o que escrevei a seu pedido de Valfran, que incluiu no apêndice do livro, na página 49, acho que é, pois, essa parte do livro não tem numeração. 

Além de meu texto, alguns ilustres da terra fizeram considerações que estão no mesmo bloco, como a poetisa e presidente de muitas academias, Cris Souza; a poetisa e autora de belos livros, Martha Hora; a escritora e contadora de histórias, Isabel Melo; Há, por último, o simpático depoimento da filha do autor, Dilayne que cita Valfran, um cara destemido:  ”Nunca encontrei um problema sem solução, sociedade sem preconceito e política sem corrupção”.

O livro tem o formato mignon, cabe bem na mão de uma criança, e usa papel couchê liso que confere doce manuseio. E compõe-se de dez pequenos contos/causos/lições de vida, com destaque para “A Carreira do Cágado”, “A Escada que vai dar no Céu” e "Lua de São Jorge”, para não me estender além da conta.

Antônio FJ Saracura, Aracaju 12 de agosto de 2022.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

ARACAJU REMINISCÊNCIAS E DEVANEIOS, Murillo Melins

 

ARACAJU REMINISCÊNCIAS E DEVANEIOS, Murillo Melins, Aracaju J. Andrade, 2020, isbn 978-65-992287-2-8

 


Murillo Melins é autor de dois outros livros, sucessos de venda:  “Aracaju Romântica que Vi e Vivi”, publicado inicialmente em 2000 e que sofre atualizações em novas edições desde então. Trata do viver cotidiano de Aracaju nas décadas de 1940 e 1950, com destaque para a vida boêmia, o mundo de Murilo. E “Aracaju Pitoresco e Lendário”, publicado em 2015, composto de crônicas que saíram em periódicos dos anos 20, 30, 40 e 1950 (e bem antes), e mais curiosidades, fatos soltos, causos da oralidade, gravuras, etc. e traz, de graça, como surpresa ou brinde, apêndice impagável sobre poetas conterrâneos.

 “Aracaju Reminiscências e Devaneios”, o novo livro que acaba de sair, segue a mesma picada dos livros anteriores sem se repetir e, mesmo o fazendo aqui e ali, o novo texto se veste de novidade absoluta e encanta como se o leitor estivesse vendo o filme pela primeira vez. São alentadas crônicas, a maior parte não caberia nos periódicos comuns, daria uma novela se o autor fosse romancista. São momentos vividos pela cidade, são personalidades marcantes da sociedade: boêmios, artistas, músicos escritores, etc. com os quais o autor desfrutou da intimidade.

Murillo alcançou os 93 anos de idade, lúcido e expedito como um adolescente. Declama de cor poetas do Brasil e de fora. Relembra fatos de quarenta anos atrás com nomes de personagens e contexto real. E tem argumentos irrefutáveis para debater cultura; e sobre Aracaju, nem se fala.

XXX

“A sociedade frequentava o cine Rio Branco, do elegante e solícito Juca Barreto, visto constantemente sentando ao lado da charmosa e bonita companheira na obrigatória passagem dos cinéfilos. Todos cumprimentavam Juca e muitos arriscavam um olhar lascivo e disfarçado àquela elegante e bela senhora”.

 “A população viu, indignada, arrancarem a placa indicativa da rua Japaratuba e fixarem outra com o nome de rua João Pessoa, homenagem imerecida ao caudilho paraibano, que nenhum vínculo teve com a nossa cidade”.

“Eu tive cadeira cativa no hall do Cacique Chá, ponto de encontro dos românticos, refúgio de amigos festeiros, local predileto do meu apaixonado e boêmio coração. As festas sempre eram muito concorridas. E quem não conseguia vaga para o salão, ficava no SERENO, ou seja, na aglomeração em frente, e daí assistia aos bailes e funções artísticas. E o Sereno passou a ter destaque especial na crônica social da época, como se fosse outro Cacique”.

“Zé Eugênio de Jesus foi gongado  pelo doutor Badarode, por desafinar, no programa de calouros da recém-inaugurada Rádio Difusora. Mas Zé era teimoso. Meses depois, na Festa da Mocidade, participou de concurso similar e obteve a primeira colocação. Esteve em todo canto fazendo sucesso, como no bloco "O Passo do Canguru" com a singular coreografia de sua invenção”.

“O pândego Zé de Raul, após um porre de lança perfume, desfilava na João Pessoa como Rei Momo em uma noite de carnaval. O jipe, onde estava armado seu trono,  deu uma freada brusca e ele desabou no meio da rua.  Sacudiu a poeira, deu um sonoro carão no motorista, subiu de volta ao trono e, sob o olhar perplexo dos seus ministros, Lídio Bessa e Barroquinha, continuou sorridente o passeio imperial”.

“A inauguração do Carrocel do Tobias aconteceu na festa de Natal, na Praça Camerino, com a afluência de milhares de aracajuanos. O brinquedo veio para uma temporada em 1904 e ficou definitivamente. A poetisa Avany Torres captou a magia dos afogueados cavalos, de crinas arrepiadas, olhos vivos expressivos e narinas dilatadas que pareciam respirar”.

“E numa noite de orgia na boate Miramar, o famoso Luiz Gonzaga, que o visitava, foi surpreendido quando Núbia, alegre dançarina, sentou-se a seu colo. O fotógrafo Canto do Rio bateu fotos. O rei do baião não gostou. Partiu para cima do fotógrafo e destruiu o filme, a prova do crime”.

“O navio sergipano Brasiluso, da firma Peixoto Gonçalves, foi invadido pelos tripulantes do U-207 alemão, o carrasco dos navios em nossa costa. Após constrangedora vistoria, não sendo encontrado o precioso carregamento de óleo diesel, os alemães abandonaram o navio”.

“A revista O Tico Tico manteve-se arraigada do início ao fim aos objetivos de entreter, informar e formar de maneira sadia a criança brasileira. Linguagem coloquial, perseguia a ideia de que o progresso do País dependia da educação. Foram 2.076 edições, desde 11 de outubro de 1905 até novembro de 1958. Morreu quando foram introduzidos personagens e mentalidade estrangeira nos seus desenhos”.

“Pinduca, o músico propriaense batizado com o nome de Luiz d’Anunciação, assinou contrato com a TV Tupi, em seguida com a TV Globo, onde permaneceu 18 anos como maestro do programa Globo de Ouro, participou do Fantástico, dirigiu a orquestra do programa do Chacrinha, foi arranjador e orquestrador dos programas de Chico Anysio e do Balança mas não Cai”.

“O primeiro trecho da Avenida Rio Branco, à sombra das árvores, ficava o Ponto de chegada e saída das antigas marinetes, que diária e precariamente trafegavam pelas poeirentas estradas do Estado, graças a empreendedores como Barbadinho, Josino Almeida, José Lauro de Menezes, Oviedo Teixeira e alguns outros. O motorista da marinete de Itabaiana, João de Balbino, tinha como comissário de bordo, Motinha, que veio a ser empresário de sucesso no comércio de Aracaju e pai de ilustres médicos”.

XXX

“É prazeroso trabalhar com a memória”, confessa Murilo em algum lugar de seu livro e demonstra em toda obra. Cada página de "Reminiscências e Devaneios" traz vivos Aracaju e seus habitantes desde os tempos antigos, como se fosse hoje. A argúcia, o senso crítico, técnica e a arte deste autor incorporam tons de magia, produzem efeitos que apenas ele tem.     

Murilo é único e precisa ser louvado o tempo todo.

Eu me sinto feliz em conviver com seus livros e com ele em pessoa. Lamento tê-lo encontrado tão tarde. Espero me demorar por aqui mais um pouco para bem aproveitá-lo. 

Por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 2022ago09.

domingo, 7 de agosto de 2022

EU NÃO VIM FAZER UM DISCURSO, Gabriel Garcia Marques

 

EU NÃO VIM FAZER UM DISCURSO, Gabriel Garcia Marques, tradução de Eric Nepomuceno, Rio de Janeiro, Record,  2011

EU NÃO VIM FAZER UM DISCURSO, Gabriel Garcia Marques, tradução de Eric Nepomuceno, Rio de Janeiro, Record, 2011.

A obra de Gabriel Garcia Marques mostra o amor sem quartel à literatura, ao desbaste da gramática pomposa, ao fio da meada nítido, a paixão pelo jornalismo que marcou sua escrita ligeira e translúcida. O escritor nasceu pronto, sempre escreveu para ser lido por todos, conduzindo a trama pela superfície do fácil entender, mas revelando ciências que outros gastariam muitas vezes mais para mostrar.

O livro “Eu não vim fazer um discurso” reúne quase tudo que ele usou pra encantar as plateias, quando se viu obrigado a fazer discursos, ao lhe darem prêmios pela sua obra. Equivale a dizer: quando se sentiu obrigado a cometer duplo pecado. Pois prometera a si nunca receber prêmios e nem fazer discursos (página 18).

O livro se compõe de 21 discursos concisos para que cada ouvinte na plateia não tivesse tempo de abrir a boca enfadado, terminava antes. E fossem assimilados integralmente, pela objetividade. Poucas palavras dizendo muito, que é um princípio do bom jornalismo (e da boa poesia).

Na Academia do Dever em Zapaquirá, Colômbia, em 1944, com 17 anos de idade, por ocasião da despedida da turma no colégio. Em Caracas na Venezuela, 1972, ao receber o prêmio Rômulo Galegos pelo seu livro “Cem Anos de Solidão”. Na cidade do México em 1982, ao receber a Ordem da Águia Azteca. E alguns outros. Como este em Estocolmo na Suécia, em 1982, na cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Literatura. E outro discurso em Estocolmo, também em 1982, em baquete oferecido pelos reis da Suécia em homenagem aos ganhadores do Nobel naquele ano. E o último discurso, em 2007, em Cartagena das Índias, na Colômbia, diante das academias de línguas e dos Reis de Espanha...

Aqui, Gabriel completava 80 anos de vida, 40 anos da publicação de “Cem Anos de Solidão” e 25 do prêmio Nobel. E relembra, no discurso, a dura fase de sua vida quando escrevia seu maior romance, que lhe deu de presente o mundo inteiro.

"Aos meus trinta e oito anos, com quatro livros publicados desde meus vinte anos, me sentei na máquina e escrevi durante dezoito meses. Não deixei de escrever um único dia. Naquele tempo não ganhei um único centavo, nem sei como Mercedes, eu e dois filhos fizemos para sobreviver. (...) Por fim, o livro estava concluído. Era o começo de 1966. Mercedes e eu fomos a uma agência do correio da cidade do México para o enviar para Buenos Aires (onde o editor imprimiria), “Cem anos de Solidão”, um calhamaço com 590 páginas escritas à máquina. Custava para o enviar oitenta e dois pesos, mas só tínhamos cinquenta e três. Então resolvemos mandar a metade das folhas. Por descuido, mandamos a metade errada, o final do livro. Paco Porrua, nosso editor da Sudamericana, ansioso para conhecer a primeira parte (deve ter gostado muito da segunda) remeteu-nos o dinheiro necessário para enviar o resto". 

Hoje, os leitores de “Cem Anos de Solidão”, se vivessem em um único pedaço de terra, este lugar seria um dos vinte países mais povoados do mundo.Tem mais de 50 milhões de exemplares vendidos e já foi traduzido para 46 línguas diferentes. 

(Apenas para relembrar):

“Cem anos de solidão” se passa no vilarejo fictício de Macondo e acompanha a longa trajetória da família fundadora da cidade, os Buendía... A história é construída a partir do realismo fantástico, corrente literária que mescla realidade com elementos mágicos. (Leia mais em: https://super.abril.com.br/cultura/conheca-a-historia-de-cem-anos-de-solidao-que-vai-virar-serie-na-netflix/)

Por Antônio FJ Saracura, em 05 de agosto de 2022, em Aracaju.

(PS):

E apenas para contradizer o que falei sobre a translúcida escrita de Gabriel no início desta resenha: O livro “O Outono do Patriarca", do mesmo autor, que foi publicado logo após "Cem a nos de solidão" pareceu-me um bloco de granito de 300 toneladas, eu não consegui ler nem dez páginas seguidas. É poema que chora/canta a solidão do poder, centrado nas contradições das ditaduras latino-americanas; não deu para mim.