quarta-feira, 3 de abril de 2024

HISTÓRIAS ROUBADAS, Décio Torres Cruz

 

HISTÓRIAS ROUBADAS, Décio Torres Cruz,Penalux,2022,184 páginas, Guaratiguetá SP, Isbn 978-65-5862-398-0

 


Um livro de contos, crônicas ou de poesia é amplo demais para um leitor apenas, ele precisa viver várias vidas(aventuras) num curto espaço de tempo. Os melhores poemas podem ser comprometidos com seus vizinhos comuns. Um conto espetacular pode ser engolido sem mastigação porque tem feição de outro lido antes. As crônicas, com a repetição do baticum do martelo, agora parecem monótonas, dão vontade de as pular. A não ser que seja um livro raro, de gênio iluminado que não conheço ainda. Já li livros inteiros de poemas e ao final desabafei para mim mesmo. “Bastavam aqueles dois nas primeiras páginas”.

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O conto “O Ladrão de História”, o primeiro neste livro “Histórias roubadas”... bastava ele para dizer que o livro de Décio Torres é um bom livro.

Mandei uma cópia do Ladrão para meu médico (primo e confrade da academia). Que tivesse cuidado! Ele escreve contos (belos contos) contando casos como se ocorridos em sua clínica médica, a mais procurada da cidade. São de arrepiar. Claro que meu primo não usa os nomes reais dos pacientes, nem os locais verdadeiros onde moram. Acho que não. Mas as histórias contadas são tão verossímeis que não há quem me convença de que são fantasias. Se um dia, algum paciente (ou parente) pegar um dos seus livros (ele já publicou cinco) se assustará. “Meu segredo de confessionário está sendo espalhado aos quatro ventos?” Deus me livre que aconteça com meu primo o que aconteceu com Maurício.

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Não vou falar de todos os contos, são 22. Direi duas palavras sobre mais três, pois merecem muito. E é o que posso, porque o espaço de que disponho no jornal que me acolhe e o tempo que o presidente da academia de letras me libera para ler a resenha não aceitam mais uma linha.

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As tias abonadas, que moravam em Resende no estado do Rio de Janeiro, estavam certas. Que outro lugar havia onde gastar grana, senão as lojas de grandes marcas. Eu digo por mim. De tanto compulsar castelos e mosteiros, sorri quando o guia Rui Catalão parou a van, numa boca de noite, no Outlet de Lisboa. Mesmo sem um tostão para queimar, me encantei vendo tanta gente, como minhas tias Zulmira e Leopoldina, já idosas como eu, torrando cobre, conscientes de que caixão não tem bolso e herdeiro não manda rezar missa para defunto. E mais ainda me encantei porque, naquele paraíso de perdulários, só reconheci como gente do Brasil, minhas duas tias adotivas e eu. 

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Num bar lotado, agora à noite, todos solitários à caça de companhia. A solidão é perversa e não dá trela. Abutres humanos buscam carne, cada um de olho no outro. Martin, que aparentemente está no lugar errado, sente-se em um açougue e até se constrange com os lances que o leiloeiro coletivo e imaginário oferece para o arrematar. Confuso, pede a conta para ir embora, quiçá para outro bar. Ele é solitário noturno a vaguear por becos e bares a procura de um alívio para a decepção causada pelo amor de ontem. Haverá dor maior? Foi então que Leo, vindo do nada, pede para se sentar à sua mesa. Martin deixa-se ficar mais para entender o gesto do desconhecido. E entende que não pode escapar do destino, mesmo que amanhã volte a sofrer mais ainda.

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“A moreninha suburbana em Paquetá” é preciso e bom. Um passeio por cenários de filmes e livros que encantam a todos. Na Praça dos Tamoios, a vó Anita senta-se para ler um livro e manda os dois adolescentes, seu neto Sandro e a amiguinha dele, Aline, darem um passeio de bicicleta ali por perto.

Os meninos chegam à Praia dos Frades, descobrem uma faixa de areia deserta junto às pedras, resolvem dar um mergulho no mar. Ficam apenas de sunga e biquini. E brincam na água de tentar afogar um ao outro. E se beijam, tocam-se, se esfregam. Bruno sente o corpo estremecer, ejacula na sunga, junto as coxas de Aline. Depois, os dois se limpam na água, enxugam-se com as mãos, vestem-se, pedalam de volta à Praça dos Tamoios. De novo com a avó Anita, passam o resto do dia desfrutando a ilha, pegam a barca e retornam para casa.

Bruno e Aline não se encontram há mais de mês, mas se falam ao telefone quase todo dia. E Bruno toma o maior susto quando Aline, com voz preocupada, diz: “a menstruação não veio de novo, talvez eu esteja grávida”.

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Ao concluir a leitura do livro de Décio Torres, exclamei baixinho: “Que ladrão esperto!” Minha esposa, sempre atenta, ela tem ouvidos de tísico e se preocupa comigo, já à porta de meu gabinete de leitura, com as mãos nos quartos, quis saber: “Roubaram você, outra vez?”

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 02/04/2024)

 

terça-feira, 2 de abril de 2024

ARACAJU 50 ANOS DE FOTOGRAFIAS, Expedito Souza

 

ARACAJU 50 ANOS DE FOTOGRAFIAS, Expedito Souza, Aracaju, 2023,96 páginas, isbn 978-65-00003027-3

 


O livro tem o formado 220mm por 155mm para acomodar a dimensão das fotos. São 93 páginas, abertas com uma apresentação do autor,  prefácio do historiador José Anderson Nascimento e mais introdução (também de Expedito) na qual revela aspectos e motivos de sua genial decisão de documentar a cidade crescendo.

E nas páginas seguintes, vem as fotos dos locais escolhidos (39). Para cada um, duas páginas: uma foto antiga (de 1979 e anos próximos) e outra, atual (2020), mostrando a transformação porque passou Aracaju em poucos anos, saindo de uma aldeia para a atual megalópole. O roteiro começa na  Praça General Valadão (marco zero da cidade Pirro), parte para o Bairro Industrial, ao norte, no caminho da colina mãe. Perambula pelo centro histórico e abre as asas para o sul promissor, com a abertura de avenidas (até no vazio).

De uma hora para outra, dunas de areia, manguezais impenetráveis, restingas de mangabeiras viram loteamentos. Nascem prédios, conjuntos de  casas, bairros inteiros ganham nome e personalidade própria. E no meio dessa barafunda, um visionário fotógrafo, célere, expedito, boa pontaria, voz sumida e visão privilegiada perambula com uma câmara captando tudo.

A descoberta do petróleo em Sergipe, a implantação do Distrito Industrial de Aracaju, a  Universidade Federal, a adutora do São Francisco, as minas da Petromisa, o porto em alto mar de Santo Amaro... Eventos que se entrelaçam, ocorrem e decorrem, puxam e depois são puxados, sonhos que deram certo e também frustrados, a revolução, o progresso.

As fotografias de Expedido Souza narram o crescimento da cidade e são imagens fortes e eternas, monumentos históricos que jamais serão engolidas pelo tempo.

A amostra que acontece na galeria J Inácio (na Biblioteca Epifânio Dórea) é uma seleção feita pelo autor, que também nos brinda, aqui e acolá, com um texto ligeiro revelando a memória do lugar. “Quando eu era menina, assisti muitas festas nesse palacete” (Jandira, vizinha).

Fui ver a exposição das fotografias no dia seguinte à abertura (15 de março de 2024) , pois perdi a festa e o coquetel de lançamento e me senti recompensado. Tive mestre Expedido exclusivo para me mostrar sua obra.

Se puder, não perca a oportunidade de ver a exposição, que  fica aberta até o fim do  mês, nos dias úteis, no horário da biblioteca. Sua assinatura no “livro de presenças” dirá ao autor que tem sua admiração. Pode ser um pulinho como o meu, e saia gratificado, como eu saí.

Se não puder ver a exposição, compre o livro (está na livraria Escariz, que vende pela internet/google), custa 50 reais.

Imperdível!

 

(Por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 28 de março de 2024).

sábado, 23 de março de 2024

SIMÃO DIAS TRADIÇÃO E HISTÓRIA, Amaral Cavalcante

 

SIMÃO DIAS TRADIÇÃO E HISTÓRIA, Amaral Cavalcante organizador, Edise, Aracaju,2020, 186 páginas, Isbn 978-65-86004-18-2.

Este livro foi um brinde que recebi (junto com outro chamado “Entre traços e contextos” ) em 16 de março de 2024 , em visita ao Centro de Memória Digital de Simão Dias. Junto com imortais da Academia Sergipana de Letras, a convite do idealizador e autor do projeto, arquiteto Ezio Deda. Ele foi nosso cicerone pelas veredas históricas e digitais de Simão Dias.

Ao chegar em casa, comecei a ler o livro e gostei muito. Bem escrito, exposições consistentes, suficiente iconografia.  Vou arrumar um lugar para ele na minha restrita biblioteca.  

O livro está dividido em sete partes:

1.     Simão Dias, tradição e história, por Luiz Antônio Barreto.

O início da colonização com doação de sesmarias a alguns Simão Dias de então, destacando o francês que veio de Itabaiana com seus rebanhos para escapar do confisco holandês e da matança promovida pelos soldados de Portugal. Passa pela emancipação, troca de denominação, visita de Antônio Conselheiro em sua missão santa, as figuras ilustres...

2.     Tempos áureos de nossa cidade, por Jorge Luiz Souza Bastos.

Fatos, pessoas e equipamentos que constituíram e constituem o município. A evolução do lugar, desde os currais, à comarca, vila, paróquia... As figuras de escol são mostradas com intimidade. E aqui me causou espanto e emoção o poeta Hermes Andrade, uma fantástica narrativa. Hermes pertence a um mundo que vivi, fazendo jornalecos, como Pasquim, O Recreio e outros, no Seminário, e logo a seguir, na redação de “A Cruzada” (semanário católico onde fui chefe da redação) que dependia muito da criatividade de seus artesãos.

Hermes nasceu em 1912 no povoado Curral dos Bois, longe da cidade. Autodidata, somente alfabetizado, improvisou uma tipografia com o casco de cajazeira, e fez circular pelos sítios o jornalzinho “O Municipal”. Quando  a impressora se mostrou inviável, o jornal prosseguiu escrito à mão (manuscrito). Causou espanto nos jornalistas da cidade (A Luta) que lhes dedicaram reportagens e lhes deram espaço para publicar crônicas. Faleceu muito novo (27 anos) de tuberculose, mas angariou celebridade como o poeta da solidão, “um dos talentos mais pujantes e mais multiformes dos nascidos em terras de Simão Dias” (escreve “A Semana”, em 02.03.1947).

3.     Memorial de Simão Dias e sua importância para o município, por Edjan Alencar e Amanda Oliveira.

O nascimento do museu (1991), os gestores (desde a primeira diretora, Enedina Chagas Silva, tia do ex-governador Belivaldo Chagas. A composição do rico acervo (hoje assimilado e ampliado pelo Centro de Memória Digital, inaugurado em dezembro de 2022): pintores, artesãos, fotógrafos, Jornalistas, figuras ilustres da história, e muito mais, com respectivos feitos e obras, desde a origem da cidade.

4.     Simão Dias à frente do executivo sergipano, por Luiz Fernando Ribeiro Soutelo.

Reencontro meu colega de faculdade de economia (turma de 1971) e meu confrade da Academia Sergipana de Letras (faleceu em 03/01/2022),  historiador Soutelo, tão grande quanto os maiores que Sergipe produziu. Ele apresenta os cinco governadores filhos Simão Dias: Pedro Freire de Carvalho que assumiu com a renúncia de Siqueira de Meneses e permaneceu de julho de 1914 a 24 de outubro do mesmo ano. Sebastião Celso de Carvalho, assumiu o governo com a cassação de Seixas Dórea (revolução de 1964) ficando até 31 de janeiro de 1967. Antônio Carlos Valadares, eleito, governou de 1987 a 1991. Marcelo Deda Chagas, também eleito, governou o estado de 2006 a 2013 quando faleceu. Belivaldo Chagas Silva, eleito, governou de 2018 a 2023. Para cada um deles, Soutelo oferece preciosas informações.

5.     Intelectuais simaodienses, por Gilfrancisco dos Santos.

Gilfrancisco está sempre presente onde se produz história em Sergipe, com livros, com ensaios, só nunca o ouvi em academias ou eventos proferindo palestras. E, pelo que sei, não é mineiro. Acende mais luz ainda sobre Gervásio Prata que, agora, brilha também como avô de um taumaturgo, Henrique Prata, com seus hospitais em Barretos, Lagarto e resto do Brasil e nem médico é. E fala de Carvalho Neto, Carvalho Deda (nasceu em Paripiranga), Pedro Barreto, Aline Paim (nasceu em Estância), Paulo Dantas, Paulo de Carvalho Neto, Sinval Palmeira, Artur Oscar Deda. Senti a falta de Amaral Cavalcante, um dos maiores.

6.     Simão Dias, ontem e hoje (um passeio pela história através das mudanças no padrão arquitetônico), por Edjan Alencar, Geraldo Henrique dos Santos, Alexandre do Nascimento Barreto Junior.

Uma plêiade de historiadores e pesquisadores caiu nas ruas da cidade, escarafunchando os palácios, palacetes, mansões, prédios do comércio, equipamentos públicos, igrejas e casas do povo. Desde as fundações, modificações, conservação. E vasculhou a documentação disponível nos livros das sacristias e dos cartórios. E catalogou os festejos religiosos e populares, as histórias das vias públicas... E inclui no artigo, o que mais achou de valor, como a rica iconografia colorida dos principais motivos descritos.

7.     Poema: uma endecha à Simão Dias, por Udilson Soares Ribeiro.

Não tem importância que a endecha seja uma composição de apenas quatro versos de cinco sílabas. Não caberia mesmo toda a beleza da composição poética que louva Simão Dias de um modo coloquial e familiar, mas sem deixar de ser grandiosa. As procissões de dona Dé, os presépios de Joventina, os reisados de seu Tota, os bailes do Caiçara Clube, o Cine Ypiranga que foi ressuscitado com o Centro de Memória Digital... Eu nem sou daqui, mas me lembrei como e fosse, destes eventos citados, dos demais ditos ou sugeridos, na bela endecha de Udilson Ribeiro.

(Por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 23/03/2024).

sexta-feira, 22 de março de 2024

ENTRE TRAÇOS E CONTEXTOS

 

ENTRE TRAÇOS E CONTEXTOS, as charges de Carvalho Deda no jornal A Semana (1959-1968), Amanda de Oliveira Santos, Aracaju, 2022, Segrase, isbn 978-65-86004-77-9

 

A emoção fez-se em nó lá dentro, subiu pelo gorgomilo na tora querendo ar e cortando o meu. Posso morrer disso. Bastou-me ver o jornalista Carvalho Deda criando mágicas para que seu jornal fosse lido até pelos analfabetos.  

Eu já conhecia Carvalho Deda de “Brefáias e Burundangas do Folclore Sergipano” que li até as entrelinhas. E de outros três livros que acompanharam Brefáias no book lançado no governo Marcelo Deda, que acidentalmente ganhei, pois estava de cara para cima em um final de tarde na galeria de arte Álvaro Santos sem entender porque ali havia tantos figurões se cumprimentando e sorrindo.

Entretanto, os livros “Simão Dias fragmentos de sua história”, “Carvalho Deda vida e obra” e “Formiga de Asas” (que completavam o book) dei uma sapeada e, espantado, vi que neles havia ouro puro. Urgências maiores surgiram. Então, escondi a boca da mina (o book com os livros) para oportunamente (que até agora não aconteceu) explorar o ouro.

Conheci a historiadora Amanda de Oliveira Santos, autora do “Entre traços e contextos”, quando visitei, com minha esposa, o Centro de Memória Digital de Simão Dias, em 20 de maio de 2023. Amanda  estava elaborando a dissertação de mestrado que foi transformada neste livro, agora impresso, que acaba de cair em minhas mãos.

Li “Entre traços e contextos” de um pulo[1].  O tema abordado é interessante, fui jornalista nos tempos basilares e quebrei a cabeça com as mesmas ferramentas. A escrita (apesar de técnica) flui fácil, tem sabor de romance, que é meu prato predileto.

O livro trata do jornalismo em Sergipe, com foco em Simão Dias e na longevidade do jornal “A Semana” (1946 a 1969), de Carvalho Deda. E mais firme foca nas charges xilográficas que o jornalista cria para que seu jornal seja útil e sofregamente consumido, que são as magias de que falei lá no começo.   

O jornalista, advogado e político José de   Carvalho Deda, é dono do jornal, editor, colunista, editorialista, criador das manchetes, o condutor da linha... É também o entalhador da madeira (ele foi carpinteiro e agora domina a arte da xilografia) que produz as gravuras que são impressas  nas páginas do jornal narrando casos, como os quadrinhos de uma revista, como a xilogravura dos livrinhos de cordel.  A charge provoca reações peculiares. O administrador público lê cauteloso. O cidadão comum sorri gratificado porque é a sua voz falando alto. Os que não sabem ler, se assustam porque conseguem entender a nova escrita.  

Todos ficam sabendo que estourou a guerra, que o ditador caiu, que o rio encheu, que Jânio renunciou, que o novo papa foi eleito... somente olhando as figuras.

Muitos sorrisos, alguma mágoa.

A charge do jornal “A Semana” está nas rodinhas, nos gabinetes, nas malhadas, nos roçados,  nas estradas, nos ajuntamentos, na sacristia da igreja, em todo canto.

Humor, ironia, alertas, afagos.

E muito mais jornais vendidos.

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Que Simão Dias é essa que brilha tanto a meus olhos?

Que monstro foi José de Carvalho Deda?

Que livro bom  é “Entre traços e contextos” de Amanda de Oliveira Santos?

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 22 de marco de 2024).

 

 

 

 

 

 

 



[1] Eu estava lendo a resenha na tribuna e ouvi palração entre dois monstros sagrados da arcádia,  sentados na primeira fila do auditório.  Ao concluir minha apresentação, o ruído continuava, então me aproximei e me espantei.

Riam da minha frase “li de um pulo”. Diziam que  eu lera dando pulinhos.   

Apenas para evitar outros mal entendidos, deixo a frase do mesmo jeito, mas me justifico: O termo “de um pulo”  significa, em Itabaiana,   “ligeirinho”, e o conheço desde menino.

E eu explico nas frases seguintes na resenha porque li “de um pulo”. 

Em casa, no Google, vi que não estava revelando uma das joias da Terra Vermelha de Itabaiana.  O mundo todo usa a mesma expressão no mesmo sentido (ligeirinho), e peguei alguns exemplos: 

“Do beijo pra cama é um pulo”

“A fazenda é logo ali, à distância de um pulo”.

“Depois deste remédio (para vermes), a menina vira outra de um pulo”

“Vou dar um pulo na sua casa”

(precisa de mais?)  

quinta-feira, 21 de março de 2024

A CAMINHO DE BETULIA, Ednalva Freire Caetano

 

A CAMINHO DE BETULIA, Ednalva Freire Caetano, Aracaju, Criação editora, 2022,220 páginas, isbn 978-85-8413-305-5.

 

 


Mergulhei (queria dormir no colo) na crônica “Dorme-maria” (página 73).

 Ao chegar ao meio do último parágrafo, parei atônito. Como pode ele ainda não estar aqui? Certamente há algum aviso escondido, talvez nas entrelinhas, justificando sua inesperada ausência no lugar marcado.

Retornei ao início da crônica e a reli atento, mas não achei nada do que esperava. Ao final, somente Maria deitada como se fosse um feto, no chão frio do aeroporto, jogada murchinha, como um pé de “malícia”. Tampei os ouvidos para não escutar o estridente estribilho isolado,  que  reverberava:  “Maria-feche-a-porta-que-o-soldado-vem aí”, deitei ao comprido ao seu lado e murchei igual. 

Quem mandou me envolver tanto assim no sofrimento de Maria?

Suspendi um tantinho o rosto do piso e falei: “Depois que o soldado for embora, a gente recomeça uma nova vida, como todo mundo faz.”

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As crônicas do livro “A Caminho de Betulia” são recheados de simbolismo. Sessenta textos, por aí. Escritos com esmero, lúcidos, cristalinos. Crônicas, ou poemas, ou contos ou ensaios ou artigos ou um romance de família. De qualquer jeito, joias literárias que encantam, que convencem, e deixam marcas indeléveis no leitor.

O livro é uma viagem que Ednalva faz (e nos leva junto) para dentro de si, para em volta de si, debatendo ideias, fatos, lugares, sonhos, calçada pela fortuna de saberes que amealhou na vida e com o senso crítico que tem.

Todos os textos merecem uma resenha particular, que não tenho como fazer. Vou pegar alguns, para tentar dar uma ideia do universo todo. 

A crônica “A caminho de Betulia” (que dá o título do livro) anda pelo velho testamento da Bíblia, quando Judite, de modo singular, consegue impedir o massacre do povo Judeu. Outra mulher (agora Judith) renasce em Aracaju, nos dias atuais, e realiza até maiores feitos, conduzindo uma família pela dureza infinita da vida à dignidade, ao sucesso que nos cabe.

Em “Qual é o seu sonho”... O sonho de justiça social precisa de todos nós para o tecer, assim como a madrugada do poema de João Cabral de Melo Neto com seus galos amiudando firmes e solidários.

Em “Isaque, o islandês”, o personagem fala palavras longas como o povo da Terra Vermelha de Itabaiana: “fiodocansomariano”, “fiducabruncodapeste”. Ele é uma pessoa comum, com família para a qual nem liga, mas a quer sempre à vista para lhe dar segurança.

Em “Monólogo do Exílio”, o narrador fica perdido no labirinto dos seus sonhos que são tantos (tem essa mania de sonhar) e acaba se afastando da realidade com a qual os não sonhadores lidam bem.

Nas muitas crônicas que falam da Pandemia do Covid, espanta-se com o assombro ante as primeiras mil mortes e mais ainda com a aceitação conformada das cem mil que ocorrem na sequência. E sofre impotente com a insensatez de um povo que grita: “não queremos vacina, queremos cloroquina”.

Em “Em Cem dias... sem dias”, o mundo contaminado encalacrou, mas os passarinhos lá fora continuam fazendo a maior festa.

E encontra espaço (“Eu tenho um amigo biso”) para homenagear, sem subterfúgios, o amigo Inácio, que pratica aquelas coisas comuns que nos atingem sutis, a cada suspiro, e que nos fazem gente. Ele sabe como ninguém cultivar uma grande amizade, regando-a, a cada dia, como um jardineiro fiel.

Boa leitura!

(por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 2024mar20).

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

HISTÓRIA SUCINTA DE SERGIPE, Evande dos Santos

 

HISTÓRIA SUCINTA DE SERGIPE, Evande dos Santos, Fontenele publicações São Paulo, 2021, 184 páginas, Isbn 978-65-5871-04-9

 

No final de 2013, comecei a trabalhar nas livrarias de Aracaju, em um projeto que chamamos de “O Escritor na Livraria”. Com alguns escritores (todos tímidos inicialmente) íamos as livrarias nos finais de tarde, mais a partir das quintas-feiras e abordávamos os visitantes, convidando-os a conhecerem livros da nossa literatura, que levassem para casa uma obra sergipana à venda na loja.


Nas quintas-feiras à noitinha, realizávamos um sarau em homenagem aos presentes. Declamávamos poemas, líamos trechos de nossa prosa, vendíamos nosso peixe. Visitantes se entusiasmavam e também declamavam poemas ou falavam de livros que haviam lido.

Com a pandemia, muitos escritores debandaram e não retornaram ao finar a praga.

Entretanto, alguns persistem e continuam marcando ponto nas livrarias, lançando obras continuadamente, uma ou duas horas por semana, a critério e resistência de cada. O Escritor na livraria é muito útil para autores e para literatura sergipana, porque os representamos ante público anônimo e sem dono. Prestamos consultoria aos leitores sobre a literatura em geral, os vendedores apelam para o escritor quando o leitor busca um livro sobre um assunto mas não sabe o nome do autor nem o título.  Assim, as livrarias de Aracaju (gerentes e vendedores) findam conhecendo os autores e os livros sergipanos e os podem, com segurança, oferecer à clientela.

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“Preciso de um livro que conte a história de Sergipe de forma simplificada, sem detalhamento cansativo.”  Sempre há alguém querendo.

Os clássicos são extensos e só podem ser encontradas em bibliotecas especializadas. Há obras resumidas, também fora de circulação, como a “História de Sergipe” do professor Acrísio Torres de Araújo, que circulou no final dos anos 60 e esquecida. Há o livro “Sergipe Sociedade e Cultura” do professor Antônio Wanderley e outros, de 2007, edição do autor, 176 páginas, que mais um livro-apostilha de aula.

 

 

Quando surgiu no  mercado, o livro “história do Brasil para quem tem presa”, de Marco Costa, com 118 páginas, editora Valentia em 2016, com cópia em Áudio book, levei-o à Academia Sergipano e expus minha ideia de algum historiador nosso pudesse escrever um assim sobre Sergipe. Houve apartes e o historiador e presidente José Anderson Nascimento, disse que iria avaliar as possibilidades.

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O tempo passou, o assunto não foi mais ventilado na academia. Em meados de 2022, bati-me em uma loja da Escariz, à venda, selado em embalagem plástica, com o livro “História Sucinta de Sergipe”. O autor era desconhecido para mim, Evande dos Santos.

Um livrinho de 184 página, da Fontenele se São Paulo, editado em abril de 2021.Comprei um exemplar.

Na reunião seguinte da ASL, cheio de entusiasmo, dei a notícia.

Ninguém demostrou surpresa ou entusiasmo com a novidade. Alguém  sabia quem era o autor, convivera com ele, fora professor em escolas públicas de Aracaju.

De qualquer modo, tínhamos agora a  história sucinta de Sergipe, a demanda seria atendida. .

Agora, fevereiro  de 2024, tentei localizar Evante. Seu livro está esgotado na Escariz e pessoas continuam procurando, querendo comprar. Ele poderia querer participar da comunidade de escritores sergipanos, rede social e academias.

Nem a Escariz que vende seu livro (soube que há ainda  um exemplar na loja do Riomar) pôde de informar o contato, como se o autor tivesse dado orientação para não se revelar seu contato.  

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Li meu exemplar e divulgo aqui a sucinta biografia que fiz dele.

A “História sucinta de Sergipe” começa com a posse da terra pelos portugueses, e prossegue com o início da colonização, o domínio holandês, a restauração do domínio português. Este segmento ocupa 25 páginas.

 

Em ordem, seguem o segundo segmento. capítulos curtos também, ocupando em torno 115 páginas:

A capitania no século XVIII;

O período colonial;

A emancipação política;

Sergipe no primeiro reinado;

Sergipe no período regencial:

A mudança da capital;

Sergipe no período imperial;

A primeira república em Sergipe;

O período getulista;

A tumultuada terceira república:

O regime militar;

A nova república.

Dentro de cada bloco de capítulos, onde o autor considerou que merecesse, há uma avaliação da cultura de então (fatos relevantes, figuras  proeminentes e outros aspectos). Com destaque para o capítulo final, “A cultura sergipana ao longo do século XX”, quando o autor chega aos artistas vivos que brilham agora em Sergipe.

Senti falta de um índice remissivo posto ao final que facilitaria a localização de temas e pessoas tratados.

Achei boa e útil leitura.

Aracaju, 24 de fevereiro de 2024, por Antônio FJ Saracura

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

LITURGIA DO OCASO, Francisco J. C. Dantas

 

LITURGIA DO OCASO, Francisco J. C. Dantas, editora Criação, 2023, 316 páginas, isbn 978-85-8413-441-0



O jornalista do Correio Matutino corre à Universidade Nutrição, fazer uma entrevista atrasada, adiada algumas vezes, com o magnífico reitor, doutor Severiano Colaço.

A universidade, que possui faculdades em todo o estado, está vivendo intensa campanha política, a atual diretoria luta pela reeleição, apesar de o Regimento não prever.

Agora é meio da tarde, na sala de recepção da reitoria. O jornalista chegou antes de começar o expediente e aguarda, sentado, impaciente. Três pró-reitores da instituição, figuras carimbadas, eminências pardas da reitoria, chefes da máfia dominante que interpretam as normas ao seu gosto, ocupam um sofá comprido e cochicham entre si, aguardando serem chamados para reunião agendada.

O reitor chegou cedo e está trancado em seu gabinete, ele sabe das visitas, as cozinha para mostrar poder, talvez.  

A secretária executiva, dona Rosaura, amiga de velhos tempos do jornalista, digita no computador, mexe em arquivos, confere documentos, mas se mantem atenta à vida em volta.

A porta da sala de recepção estremece.

Contra a luz, está chegando alguém. Dona Rosaura susta os afazeres e olha intrigada. O toc-toc de bengala no piso desperta a sala.

Os três pro-reitores, capazes de todas as vilezas, erguem-se, se inclinam de calcanhares unidos, sorridentes, dóceis, cavalheiros. E pensam juntos: “O que Ele vem fazer aqui, às vésperas de uma reeleição cheia de dificuldade. Precisamos descartá-lo.”

Dona Rosaura abre um sorriso curto, mas acolhedor, ante a figura octogenária, agora a sua frente, de doutor Moreira, ex-reitor da universidade e que a fez grande, criador do Hospital universitário Samaritano, que o dirige, benfeitor reconhecido do povo mais precisado, bastião da moralidade, voz  temida que se levanta contra os desmandos na Nutrição. Ele não tem hora marcada. Mesmo assim, dona Rosaura o conduz à ante sala vip da reitoria, não há como o mandar embora.

O jornalista sente que perdeu a vez, há gente importante demais na fila. Então, troca a entrevista por uma reportagem livre: “capto o que está em curso, puxo pela ideia, especulo, leio os sinais”.

Mais tarde, os três assessores são conduzidos ao gabinete do reitor. Já perto do final do expediente, dona Rosaura conduz também o doutor Moreira ao gabinete. E desta vez, ela não retorna. 

O jornalista tenta escutar algum ruído vindo da reunião. Teme pela vida do doutor Moreira. Nada escuta como se todos orassem baixinho. Impacienta-se e vai embora, já é tarde, precisa fechar a edição do jornal, que depende dele.  

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Assim nasce o novo romance de Francisco Dantas. 

Neste encontro, na sala de espera da Universidade Nutrição: um jornalista independente, um paladino da decência, uma secretária sem prestígio, mas atenta e um trio de picaretas engravatados, espertos e perigosos. E prossegue na sala da reitoria, onde acordos são fechados (à sorrelfa do paladino presente)... 

O livro é um libelo feroz que denuncia a picaretagem, o jogo de influência, o roubo descarado, o desgoverno nesta universidade pública contaminada (que muito ensina o que pouco serve). E se conclui nas mãos de Deus, pois não há quase mão sobrando (cem duvidosas e relutantes) cá embaixo.  

O autor (Francisco Dantas) passou a vida profissional dentro de uma Universidade, onde foi Justino Vieira em “Sob o Peso das Sombras” e onde, há mais de vinte anos, conheceu o reitor Colaço (como bem me lembrou o professor Reginaldo de Jesus, de quem nada escapa e leu “Liturgia do Ocaso” com religioso acuro); foi o professor que recusou a medalha pendurada numa  fita em “Moeda Vencida”. Criou personagens eternos em sua consistente obra, que viveram sagas sergipanas, mas deixou, nas mesmas, aqui e ali, rastilhos de pólvora espalhados, que se acendidos, explodirão os antros que roubam as verbas das universidades, das prefeituras das cidades, dos ministérios da nação. Roubam a nossa condição de ser uma nação digna. 

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Quando escuto ou leio uma história que me arrebata, ela me toma e eu crio novos caminhos e desdobramentos para melhor escapar das enrascadas, gozar  mais as delícias, fazer minha justiça particular para o bem ou  para o mal. Isso, desde quando ainda era um menino amarelo no sítio saracura. Eu e mais alguns que puxaram aos ferreiros das Flechas.

“Como não podíamos ter nada visível de que gostássemos, as nossas cabeças se enchiam de fantasias secretas.” (Página 156 do livro “Os Tabaréus  do Sitio Saracura”, 5. edição, 2019).

"Quando voltava das Flechas / Um mês inteiro passava / Contando os casos que vira / Ou então que inventava / E a gente de boca aberta / Interessada escutava...(Página 267 do livro “Os Tabaréus  do Sitio Saracura”, 5. edição, 2019).

Ao reler alguns livros do passado, me espanto com o sumiço de passagens nítidas vistas na primeira leitura.

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Antes que me meta em caminhos de onze varas, encerro aqui minha resenha da “Liturgia do ocaso”. Se tiver como, leia "Liturgia do ocaso" e toda obra do autor (dez grandes romances universais que falam de nossa gente).   

Quem, neste contexto, iria se interessar no castigo que dei, e como dei,  na corja suja e lisa  que rouba a nação.

(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju 10 de fevereiro de 2024, revista em 06/03/2024).