segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O MENINO DE PUXINANÃ, José cândido da Silva

O MENINO DE PUXINANÃ, José cândido da Silva, 2 edição.



É um livro feito na tora, nem tem nome editora, nem os termo de restrições à cópias, nem o ano de impressão, nem isbn...

Eu o vi na livraria e achei o nome bonito. Gosto de nomes que incorporam nossas raízes profundas...

 Lá mesmo na livraria, andei pelas folhas e vi que se tratava de obra de grande guerreiro: sem estudo, mas com uma enorme vontade de deixar rastos no mundo que lhe deu a oportunidade de viver. Vi que o autor do livro era também o de uma canção popular que me arrepiavam, chamada “Carcará.”

 Mais coragem do que home

Carcará

Pega, mata e come

O preço era razoável (até barato) e o levei para casa.

E comecei a ler a trajetória deste menino lutador. Uma história comovente! Um livro de causar inveja a muitos livros de literatos coroados em academia. Para mim, pelo menos, que acho que um livro deve ser escrito por quem conhece o tema, por quem viveu os momentos ou por quem tem condições de imaginá-los como se tivesse vivido mesmo. E gosto de livros escritos na primeira pessoa, me aproximam mais da história contada. E tanto gostei de José Cândido como gosto de Isac Bahevis Singer (Prêmio Nobel 1978)  com  histórias singelas dos judeus poloneses, ocupados em consertar calçados, em agenciar casamentos, em duvidar da própria fé...

Pena que José Cândido já se foi e eu não pude levar o meu abraço de reconhecimento pelo valor que tem. Vencendo desafios da vida, escrevendo canções (Carcará, ouricuri madurou e muitas outras) e livros ("O Menino de Puxinanã" e "O Querubim", que depois li também) que tocam a gente.

Recentemente, conheci um cidadão especial que transita na Aracaju cultural, chamado Ribeiro. Prometeu me dar um livro que, segundo ele, eu iria gostar muito. Três dias depois, me trouxe “O Menino de Puxinanã”. Fiquei mais amigo do Ribeiro naquele dia. Ele conviveu com  José Cândido muitos anos, viajaram juntos à Santana do Ipanema, ao sítio Puxinanã...

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 25 de marco de 2011, recuperada em novembro de 2020).

Post scriptum:

Em 25/02/2008, no hospital São Lucas em Aracaju – SE faleceu o compositor José Cândido, que tornou-se conhecido pela autoria da música “Carcará”, hoje com mais de 40 regravações.

José Cândido da Silva, nasceu em 11/03/1927, no Sítio Puxinanã, Município de Santana do Ipanema -AL. Saiu de Puxinanã em 1945, foi para Aracaju de onde mudou-se para o Rio de Janeiro – RJ, em 1950. Em 1989 retornou a Santana do Ipanema e em 1992 mudou-se para Aracaju, onde fixou residência de forma definitiva.

“Carcará” é uma das músicas mais fortes da MPB. Em 1964, foi o marco inicial da carreira de Maria Bethânia, que estourou nacionalmente com este baião em 1965. Carcará é assinada pelo maranhense (de Pedreiras) João do Vale e o alagoano José Cândido. “Carcará” não é a única composição assinada pela dupla, Morena do grotão e Pé do lagêro (Onde a onça mora), também são fruto dessa “parceria”.

José Cândido tem mais de 80 músicas gravadas, a maioria sem parceiros, na voz de Aldair Soares, Marinês, Nara Leão, Chico Buarque, Zé Gonzaga, Trio Mossoró e Luiz Wanderley, entre outros.

(texto do PS adaptado de http://www.forroemvinil.com/livros/jose-candido-o-menino-de-puxinana/)

 

O MATUTO EMPREENDEDOR, Maciel Teixeira Lima

 

O MATUTO EMPREENDEDOR, Maciel Teixeira Lima, 2009, Gráfica J. Andrade, Aracaju/Se.

 

Fui hoje à livraria e, olhando os livros na prateleira reservada aos autores sergipanos, como sempre faço, vi um novo livro “O Matuto Empreendedor”. Folheei e, de sergipano, vi apenas a gráfica J Andrade que o imprimiu. Li trechos e achei um pouco parecido com o meu “Os Tabaréus do Sítio Saracura” e que narra as aventuras e desventuras de um menino que consegue sair do sítio para estudar na capital, quando isto era muito difícil.

Não sou comprador de livros no shopping, leio-os tomando emprestado em bibliotecas ou comprando-os em sebos. Depois de alguma relutância (o preço não estava caro e não identifiquei marca de patrocinadores), resolvi comprar o livro, também porque tinha um título rústico (Matuto) assim com o meu (Tabaréus).

Cheguei em casa às 2:00 da tarde e agora são 19:30. Já acabei de ler o seu livro.

Sobre minha mesa estão papeis higiênicos amarfanhados e úmidos além de uma velha camiseta, que providencialmente fui buscar em meu guarda-roupa. Chorei feito um abestado até o meio do livro, não porque contasse coisas tristes: mas coisas simples, desprovidas de engodo, coisas naturais, louçãs, parecidas demais com a vida simples e valorosa que todos nós vivemos. E contadas de um jeito que tocou fundo em mim, e acho, tocará qualquer pessoa que tenha a ventura de ler o livro.

Mas, do meio para o fim, o livro passou a ser um manual de administração, destes que até dias atrás nem se encontrava em português. Mas que nunca (os tais manuais) conseguiram transmitir tão bem e em tão poucas linhas a ciência da boa administração de negócios.

E aí eu (como ludibriado) me pergunto agora, se a primeira parte do livro (onde o autor conta sua trajetória) não foi uma sessão de relaxamento e desarmamento, para, na segunda, ensinar, transmitir teorias (geralmente maçantes) a um aluno, agora, aberto, receptivo.

Da mesma forma, continuo me perguntando se, ao invés de autor ser um empreendedor (matuto) que resolveu contar sua história, não seria um profissional (phd ou sei lá o quê) do ramo do ensino, dando uma aula antológica.

De qualquer forma, o “O Matuto Empreendedor” me agradou demais, tanto como história de vida, quanto como um curso rápido e eficaz de administração de empresas.

Antônio F J Saracura, Aracaju, 18 de dezembro de 2012, recuperada em novembro de 2020).

 

 

domingo, 29 de novembro de 2020

O MEIO DO MUNDO,Antônio Carlos Viana

 

O MEIO DO MUNDO,Antônio Carlos Viana, Companhia das Letras, 1999162 páginas, isbn 978 8571 649323

 


Parte 1/2

Eu acabara de publicar “Os Tabaréus do Sítio Saracura” e vi na livraria Escariz, o livro chamado “Cine Privé” de Antônio Carlos Viana. Li as orelhas e vi que se tratava de contista sergipano, mestre em literatura pela universidade, ovacionado pela crítica literária.

Resolvi, ali na livraria mesmo, ler o que pudesse do livro.

A livraria oferece fofas poltronas e não recrimina o greteiro.

Os contos, lidos naquele primeiro dia, não me cativaram tanto. O sofás são fofos mas os usuários aproveitam e fazem reunião de negócios, reencontros de amigos. O barulho dispersa a mente dos leitores.

Um tempo depois, José Augusto Viana (sem parentesco com Antônio Carlos), um de meus gurus literários (leu todos os bons livros do mundo) e ex-colega de seminário, em email, ele vive em São Paulo, falou bem dos contos de Antônio Carlos. Perguntou se eu já havia lido algum, e se o conhecia pessoalmente. Respondi que lera trechos e que nunca o vira pessoalmente, talvez morasse fora de Sergipe. 

Interessei-me mais pelo contista.

Tempo depois, em uma cerimônia da Assembleia Legislativa, chamada “Cantinho Cultural”, que destaca arte sergipana e é conduzido por Ilma Fontes (jornal “O Capital”), vi pessoalmente Antônio Carlos Viana. De longe. Ele estava sendo homenageado, como se não quisesse homenagem nenhuma, e eu, anônimo, no meio da plateia. Ele não falou nada, não trouxe livro nenhum para divulgar ou vender. Quando os discursos (que o citaram algumas vezes) foram encerrados, partiu sem cumprimentar ninguém, abrindo caminho pela plateia. Passou longe de mim. Alguém comentou que o contista iria pegar um voo e estava atrasado.

Como eu estava envolvido com literatura, procurava chegar perto dos intelectuais da terra. 

Não me recordo exatamente como, descobri o email de Antônio Carlos e perguntei se ele aceitaria ler meus dois livros publicados (“Os Tabaréus do Sítio Saracura” e “Meninos que não Queriam ser Padres”). A resposta veio seca, apenas o endereço para deixar os livros. Até hoje não houve resposta.

 Talvez nem tivesse tido tempo de os olhar. Andava adoentado, vi nos jornais.

O meu segundo encontro com Antônio Carlos aconteceu na Roda de Leitura da biblioteca Epifânio Dórea, comandada pelas abnegadas escritoras e professoras, Maruze Reis e Roseneide Santana. Fui à convite de Martha Hora, poeta amiga que pertencia ao grupo.

Ele estava no palco avaliando textos apresentados. Explicando estilos, elogiando poemas, etc. etc. Eu, inibido, de boca aberta no meio da plateia de estudantes e intelectuais. Querendo aparecer, mas não vendo jeito.

Ao final, no momento das fotos, me aproximei sorrateiro e lhe ofereci meu terceiro livro “Minha Querida Aracaju Aflita”, pedindo-lhe que o lesse. Ele disse, sem me olhar nos olhos: “Se eu encontrar alguma coisa interessante, eu trago para mostrar na Roda”.

Logo depois, ele se mudou para o Paraná, escrever seu último livro “Hora de Matar Lagartas (resenhado aqui no meu blog).

(Antônio FJ Saracura, Aracaju, 06 de julho de 2013, recuperada em novembro de 2020).

Fim da parte 1 / 2

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O MEIO DO MUNDO, Antônio Carlos Viana, Companhia das Letras, 1999162 páginas, isbn 978 8571 649323

 Parte 2/2

Logo que José Augusto Viana (Gustinho) me chamou a atenção para Antônio Carlos Viana, encontrei, em um sebo ambulante que funciona na calçada da praça da Catedral de Aracaju, em frente às ruínas do Cacique Chá, o livro “O Meio do Mundo”, à venda, por cinco reais. Comprei, e li ávido.

Compilo a seguir minhas anotações feitas nos pés de páginas, nas bordas direita e esquerda e, algumas vezes, no meio do texto. Os contos sobre os quais nada anotei: nem me agrediram nem me encantaram tanto.

Vamos lá, doido.

“Meio do Mundo”: texto bom, bom final.

“O Dia em que Céu Casou” Ficou devendo.

“Nadinha”: Não leva a nada.

“Meu tio Tião Só”: Texto insosso, mas com um final bom.

“Jardins Suspensos”: O final excelente salva o conto.

“Domingos da Paixão”: Prosinha às vezes enervante, prepotente. Há sempre um mistério mal urdido.

“Herança”: Prosa moída, mas bem escrita.

“Das Dores”: Amargura excessiva (pra meu gosto); Augusto dos Anjos favelado; baixa qualquer astral.

“Existe Céu para Assassino”: Merda de Jolinda.

“Um Barão Assinalado”: Meio óbvio.

“Retratos”: O que dizer? Destila mau-humor, ranzinice.

“Vá, Deralda”: Superior aos vizinhos.

 “Alea Jacta Est”: Onde está a grandiosidade?

“Os Mestres”: Porra!

“Miss Brasil”: Bom ritmo. Há um quê de pedantismo no trama.

“Sabor Pastis”: Muito bom conto. E mais ainda, bem comportado.

“Olhos de Fogo”: Retornos e recomeços que confundem.

”Náufragos”: O autor não é um cara normal.

“Boa Noite dona Isabel”: É foda. (Para usar o vocabulário chulo que impera).

“Dias de Jó”: Bom conto.

“De Elásticos e Sonhos”; Desinteressante.

“Último Encontro”. Um ensaio à la Saramago somente.

“Nas Águas de Dalila”: Espetacular, valeu pelos demais juntos. Pelo livro todo.

“As Mulheres dos Três Reis Magos”: Excelente. Lúcido, organizado, palavras adequadas e pontuação bem comportada. (Quem mudou? Fui eu?)

“Aos Domingos”: Já conhecia e continuei achando-o excelente, apesar do final metido a besta; há um gosto de Metamorfose. Fez-me lembrar também Augusto dos Anjos: “E eu vou andando, cheio de chamusco, / Com a flexibilidade de um molusco / Úmido, pegajoso e untuoso ao tato”. Pode não ter nada a ver!

“Quinta-feira tem Drama”: Espetacular. No final, tive idêntica sensação ao final de  “A Procura de Jane”, de Gizelda Morais. Ela desistiu do romance, acabou de qualquer jeito.

“A Mulher das Mangabas”: Muito bom. O autor anda por um caminho no qual outros passam correndo e não veem quase nada.

“Parábola dos Gatos ao Amanhecer”: Muito bom. Ritmo, consistente, coeso. Um belo enxugamento do cotidiano.

“Tia Napalma, Coitada”: Conto meio descuidado e, outra vez, encerra com um enjoado enigma. Ou não?

“O Crime do Parque Nacional”: Não merecia estar aqui.

“Brincar de Manja”: Roseneide Santana (minha consultora literária) quando fala nesse conto, derrete-se toda. Por que seria?

 

Fim do livro.

O autor abusa de palavras chulas (me induzindo a fazer o mesmo) e do clima de baixo astral. Seguiria alguma corrente? Seria seu âmago amargo?

Os mistérios parecem enigmas afetados. Às vezes.

Senti aqui e acolá, cheiro de Kafka.

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Apenas um dos contos espetaculares (contei perto de uma dúzia entre os mais de trinta) bastaria para “O Meio do Mundo” fosse uma grande obra da literatura brasileira. “Nas Águas de Dalila” e “As Mulheres dos Três Reis Magos” (para citar apenas dois contos neste livro) poderiam levá-lo ao Céu, que seria pouco.

Antônio Carlos Viana é monstro sagrado. Ganhou duas vezes o prêmio APCA de literatura, instituído pelos críticos de arte de São Paulo, um dos mais importantes do país.

Consagrado até fora do Brasil. Hoje mesmo, (veja data no rodapé), deve estar na Alemanha, na Feira de Frankfurt, como convidado especial.

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Os contos que não me encantaram tanto nesse livro estão encantando outros leitores, (já soube na praça). Preciso, então, reler “Brincando de Manja” e, humildemente, se for o caso, refazer essa resenha e pedir perdão ao imenso fã clube do autor, entre os quais estou.

E por que não deixei para publicar a resenha após a segunda leitura pretendida?

Sei lá se vou ter tempo de reler.

(Antônio FJ Saracura, Aracaju, 06 de julho de 2013, recuperada em novembro de 2020).

Post Scriptum:

Antônio Carlos Viana faleceu em 14 de outubro de 2016, com 72 anos de idade, vitimado por um câncer na medula. Estive com ele e a família até quando o carro funerário o levou para ser cremado (em Salvador), saindo da Biblioteca Epifâneo Dórea.

 

sábado, 28 de novembro de 2020

O LOBO DA ESTEPE, Hermann Hesse

O LOBO DA ESTEPE, Hermann Hesse, edição Best Bolso, 3. Edição, 2010,250 páginas, ISBN 978-85-7799-107-5

 


Este não foi o primeiro livro célebre (ou escrito por um escritor consagrado) que não consegui ler até o final. “Ulisses”, de James Joyce, foi outro. “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, só consegui ler inteiro quando resolvi começar pela parte final, A Guerra. Antes encovara na Terra mais de cinco vezes.

“Mad Maria” de Márcio Souza, que comprei na semana passada,  não cheguei do meio, fui obrigado abandoná-lo. Entretanto, nos idos de 70, me apaixonei por “Galvez o Imperador do Acre” do mesmo autor. Li de um fôlego.

Em “O Lobo da Estepe” cheguei à página 80. Achei repetitivo, mastigado e não engolível, cheio conceitos muito intelectuais e que me pareciam redundantes.

Talvez um livro escrito com preguiça, sob efeito de drogas ou de demência. Que me desculpe o prêmio Nobel de Literatura de 1946, que me encantou com “O Jogo das Contas de Vidro”.

Desse “O Lobo da Estepe” só sublinhei uma frase na página 65, falando do burguês; “temeroso a qualquer entrega de si mesma, (...) Por isso, colocou, no lugar do poder: a maioria; no lugar da autoridade: a lei; no lugar da responsabilidade: as eleições”. 

Bateu com um pensamento que tenho externado aqui e ali, quando surge uma oportunidade, a respeito das manhas dos “bons”; quero dizer, da classe média dominante, designando terceiros (entidades) para cuidar das tarefas ingratas que naturalmente lhe cabia.

Li o Posfácio e tive uma agradável surpresa. Boa justificativa para minha tristeza. O Autor se explica buscando salvar o lobo da desgraça, talvez preocupado com as queixas de leitores. Parece que não fui o único a abandonar o livro e reclamar.

Sei que posso ser contestado veementemente pela intelectualidade de plantão.

Que seja!

O New York Times, em texto na capa do próprio livro, já me desmente chamando-o de “um romance célebre sobre o que pode afligir a alma humana e também uma crítica cruel à sociedade burguesa”

Que seja outra vez!

(Aracaju, 20 de maio de 2014, Antônio FJ Saracura, recuperado em novembro de 2020)


O INFERNO, Dan Brown

 

O INFERNO, Dan Brown, tradução de Fabiano Morais e Fernanda Abreu,Arqueiro, 2013,448p, isbn 978-85-8041-152-2



 

Acho que o autor abusou de dissimulações para esconder a verdade, e isso o levou a gastar muitas páginas, no final, com explicações e justificativas. Poderia ter deixado no ar pequenos sinais que o leitor guardaria no subconsciente e, depois, quando a verdade fosse mostrada, ele não se sentiria enganado. Dou como exemplo a relação (tudo indicando ser homossexual) entre Bertland e um parceiro, após aquela palestra frustrada pela nevasca. O leitor ficou o resto do livro achando que o parceiro seria Terris, que também seria o fs-2080. Precisava disso? Outro é no assassinado de doutor Marconi no hospital que, apenas no final do livro, o autor revela que fora uma farsa. A arma de Valeyova só possuía balas de festim.

Valeyova, na ponte velha em Florença, pronta para alvejar Robert quando, na verdade, revelada no final do livro, só estava tentando sequestra-lo; Sequestrá-lo e levá-lo para onde e como? Moto não parece veículo adequado para transportar um sequestrado. Por que pinta Valeyova como uma sanguinária e eficaz assassina e, no final, a transforma em uma simples assistente social?

A descrição abundante de monumentos e obras de arte, que pouco tinham a ver com a drama abandonada. É como se Dan Brow tivesse aproveitado roteiros turísticos difundidos na internet pelas agências de viagens. É como se as cidades, especialmente Florença, Nápolis, e um pouco Istambul, tivessem patrocinado a obra.

E por aí vai.

São muitas passagens que, a meu ver, abusam, enfadam o leitor.

Segue parte de meu diário de leitura para mostrar a opulência artística dos caminhos da obra. Não entrei no Inverno de Dante, com medo de ficar enganchado lá.

Página 37 - Foi nas ruas de Florença que Michelangelo brincou em criança. Em seu atelier teve início a Renascença Italiana. Florença atrai milhões de turistas para admirar “O Nascimento de Vênus” de Botticelli, “A Anunciação” de Leonardo da Vinci” e o grande orgulho da cidade: “Il David”. As proporções gigantescas de Davi (mais de cinco metros) e sua musculatura definida espantavam a maioria das pessoas que o veem pela primeira vez.

Página 51 – “Para alcançar o paraíso o homem deve atravessar o inverno (Dante)”.

Página 63:” “La Mapa dell’inferno pintado por Sandro Botticelli (um dos gigantes da Renascença Italiana), é um complexo diagrama do mundo interior. É uma das visões mais aterrorizantes da vida após a morte, já criadas. Escuro, sinistro, apavorante, o quadro até hoje causa espanto em que o vê. Diferente das outras obras vibrantes e coloridas (como Primavera e o Nascimento de Vênus), Sandro usou uma deprimente paleta de tons vermelho, sépia e marrom.

Página 65: A Divina Comédia de Dante Alighieri é um poema épico de 14.233 versos que descreve sua brutal descida ao mundo inferior, a jornada pelo Purgatório e, por fim, a chegada ao Paraiso. Das três partes da comédia – Inferno, Purgatório e Paraiso, o Inferno é de longe a mais lida e a mais memorável.

Página 66: Após a publicação do poema houve enorme aumento de fiéis na Igreja Católica, temerosos do castigo.

Página 81: Em Florença o poeta nasceu e cresceu e, conforme reza a lenda, se apaixonou por Beariz. E dali foi cruelmente exilado. Vagou pelo interior da Itália por anos a fio enquanto sua alma ansiava em voltar ao lar.

Página 84: Com exceção das Sagradas Escrituras, nenhuma obra de arte visual, musical ou literária inspirou tantas tributos, imitações, variações e comentários do que a Divina Comédia.

 

Página 90: O Portal da Cidade, hoje palco de um engarrafamento pavoroso, era o cenário da Fiera Dei Contrati (Feira dos contratos) na qual os pais vendiam filhas para casamentos arranjados, muitas vezes forçando-as a dançar de forma provocante em tentativa de obter dotes maiores.

Página 96: Os Médicis... sobrenome que o símbolo de Florença. Durante seu reinado de 3 séculos, acumulou fortuna e influência imensuráveis. Produziu quatro papas, duas rainhas da França, e maior instituição financeira de toda a Europa.

Página 97: Se atravessarmos os Jardins Boboli, chegaremos ao Palazzo Pitti, cidadela de pedra que um dia servira de sede do grão-ducado dos Médicis, com seus 140 aposentos.

Página 104: Maquiavel disse: Quando todas as províncias do mundo estiverem abarrotadas a ponto de seus habitantes não conseguirem subsistir e nem migrar para outra parte... o mundo irá purificar a si mesmo. As pragas são maneira natural do mundo se autopurificar.

Página 111: Antigo provérbio grego atribuído a alguns dos primeiros mergulhadores a caçarem lagostas nas cavernas de coral das ilhas do Egeu. “Quando se está nadando em um túnel escuro, chega um momento em que não se tem mais fôlego para voltar. A única alternativa é seguir nadando em frente e rezar por uma saída. O ponto sem volta.

Página 138: O Corredor Vasari foi projetado por Giorgio Vasari em 1564 pedido do chefe da família Médici, o grão duque, Cosmo I, como uma passagem segura entre a residência, no Palazzo Pitti, e os escritórios administrativos, na margem esquerda do rio Arno, o palazzo Vecchio. Um quilômetro de extensão. Hoje ainda existe e é usado como deposito seguro para obras de arte, excedentes da famosa galeria Degli Uffizi. O corredor parece um grossa serpente que ondula por vários edifícios no coração da velha Florença.

Página 143: A visita ao Palazzo Vechi começa pela Piazza dela Signoria onde se vê Netuno de Ammannati, a réplica de David de Michelangelo, Hercules e Caco, todos nus, que, junto aos sátiros em volta de Netuno, somam mais de uma dúzia de pênis, à disposição dos turistas.

Página 175: o tradutor ou o escritor sempre deixam dubiedade como esta: “Quando o homem estacou bem atrás dela, seu coração parou de bater por um instante. Percebeu então que a voz vinha de seu walkie-talkie. Dele ou dela ?.

Página 205: A mente humana tem um mecanismo primitivo de autodefesa que nega qualquer realidade estressante demais. Para o cérebro. É o que chamamos de negação. Descartamos os medos graves e nos concentramos em tarefas simples e banalidade cotidianas. O Estado de extrema negação faz a avestruz enterrar a cabeça na areia.

Página 222: O Batistério de San Giuvanni. As portas de cinco metros de altura ocuparam o artista Lorenzo Gilbert por duas décadas. Hoje estão instaladas réplicas. As originais estão no museu dell Opera Del Duomo.

Página 229: Satanás tem três faces, três queixos ... O fato de Satanás ser triplicado serve para o colocar em equilíbrio com a tribuna glória da Santíssima Trindade.

Página 256: Lagdon deteve-se examinando o pequeno cilindro gravado e em seguida fez um rápido resumo de tudo que ela já sabia. (qual o foco, quem narra?).

Página 259: ‘‘O Caduceu tem duas serpentes em volta do cabo e asas no topo. O amuleto de uma única serpente se chama Bastão de Asclépio.”

Página 270: “O diretor puxou a cadeira sentou-se e ficou encarando a bolha ondulante, suspensa debaixo d’água como um balão preso por uma cordinha.

Página 293: Cada embarcação era pilotada por um gondoleiro, viajando em pé numa plataforma do lado esquerdo da popa, usando a tradicional camisa listrada de preto e branco, e manejando um único remo preso na amurada direita.

Página 301: Em cima da segunda colunata fica o onipresente símbolo de Veneza, visível em praticamente todas as esquinas da cidade: um leão malado com sua pata orgulhosamente apoiada sobre um livro aberto, no qual se lê a inscrição em latim “Pax tibi”, (que a Paz esteja contigo). São Marcos, evangelista.

Página 364: “Ainda não temos certeza se é algo que se propaga pela água, como uma bactéria, ou algo que, uma vez liberado, tem a capacidade de se propagar pelo mar, como um vírus.”

Página 378 - A catedral de Santa Sofia considerava dois objetivos: Provar a Deus quanto o homem era capaz de se esforçar para Lhe prestar homenagem; ser um tratamento de choque aos fiéis. Todos que entravam na imponente catedral, sentiam seus egos diminuídos. Sua existência física e importância cósmica reduzia-se ao tamanho de uma simples partícula diante de Deus... um átomo na mão do criador.

Página 440: Lembrando do conceito de fama dos antigos filósofos gregos: Enquanto o teu nome for dito: tu jamais morrerás.

Ah! Sim, não falei do enredo. Que é azougado. Resolvi passear nos museus do Inferno e ia esquecendo.

O professor simbologista Robert Langdon aparece em Florença nem sabe como chegou aí.

Com Sienna penetra no mundo da Divina Comédia de Dante.

Uma perigosa viagem pela cultura, pela arte e literatura italianas acossados pelo Consórcio, uma sanguinária e poderosa sociedade secreta.

 

(Antônio FJ Saracura, Aracaju, 30 de junho de 2014, recuperada em novembro de 2020)

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O HOMEM QUE QUERIA SER REI E OUTRAS HISTÓRIAS, Joseph Rudyard Kipling

O HOMEM QUE QUERIA SER REI E OUTRAS HISTÓRIAS, Joseph Rudyard Kipling, Best Bolso, 2011, tradução de Cristina Carvalho Roselli, isbn 978-85-7790-235-5

 


Cristina Carvalho deve ter relaxado no seu trabalho de tradutora neste romance. Briguei com os diálogos desconectados, com as descrições incoerentes, com trechos desconexos, com palavras que nada tinham a ver com minha expectativa, com termos próprios de um povo, sem um rodapé esclarecedor.

Kipling para mim é um mito. Não apenas por ter ganhado o Nobel de Literatura que, sem dúvida, mereceu. Mas por conta de meu conterrâneo Sebrão Sobrinho, que o cita a cada página de “Laudas da História do Aracaju”, livro que me arrebatou. Se Sebrão, com toda sua genialidade e loucura, tinha-o na conta de mestre, Kipling era muito mais.

Apenas o conto “Georgie Porgia” me satisfez pela naturalidade da prosa, como se tivesse sido traduzindo por outra pessoa.

(Aracaju, 14 de julho de 2013, Antônio FJ Saracura, recuperada em novembro de 2020)


O FUTURO DA HUMANIDADE, Augusto Cury

 

O FUTURO DA HUMANIDADE, Augusto Cury, Editora Arqueiro, Isbn 9 788 575 421 628

 


O professor Calos Leite, aquela “mãe” de professor que cito em meu livro “Meninos que não Queriam ser Padres” me presenteou com o livro, “O Futuro da Humanidade”, nesse natal de 2012. E duas ou três vezes, nos dias seguintes, me perguntou se eu já o lera, demonstrando que fazia questão que me empenhasse em fazê-lo. Como se, me dera uma oportunidade rara e cuidava para eu não deixar escapar.  Eu senti assim e, então, decidi desobedecer a fila mais desobedecida do mundo que é a de livros esperando serem lidos que mantenho.

Esse Augusto (o autor de “O Futuro da Humanidade”) que tenho confundido com Alberto (radialista e homem de televisão), com Jorge (narrador esportivo de renome) e com Ivon (cantor de relativo sucesso) é um escritor consagrado, à la americanos best-sellers, pois  já vendeu mais de dez milhões de livros no Brasil, conforme está escrito na testa deste. Feito  aparentemente inacreditável, pois talvez vença o padre católico Marcelo Rossi e o bispo da igreja universal do reino de Deus, Edir Macedo. 

Se um escritor consegue vender tanto livro, sem ter Deus fazendo o marketing, deve ter méritos. Se as pessoas compram seus livros é porque a leitura agrada, pega. Se o doutor Carlos Leite, que sei que me preza, deu-me este presente, foi porque achou que era um bom presente, que eu merecia.

Li e achei o livro útil.

Deu-me claras noções do papel da psiquiatria e da psicologia no mundo médico. Preparou-me para ler melhor Freud, de Peter Gay, que está na fila e será o próximo, se não aparecer algum falando mais alto. A trama que recobre a teoria que o autor transmite não é cansativa, se bem que bastante óbvia. Mas porque eu cobraria originalidade de um autor comercial, que escreve livros como distribui sorrisos? Marco Polo (o personagem central do romance) tem uma vara mágica. Em tudo que se mete gera sucesso. Os dissabores da vida, tão comum nos romances, passam longe.  Há apenas dificuldades amenas, como as dos filmes românticos de nobreza que terminam com o casamento da princesa com o príncipe e que viverão felizes para sempre. Mas é preciso que uma história tenha que ser sofrida para ser verossímil?  

O “Futuro da Humanidade” é um título pretensioso e segue uma receita que gera best-selers no mundo todo, especialmente nos EUA, como “A Cabana” (William P. Young).

Talvez esteja aí a receita do sucesso editorial.  E sucesso que os escritores brasileiros (e sergipanos, entre os quais, eu) reclamam nunca conseguir.

(Aracaju, 17 de janeiro de 2013, Antônio FJ Saracura, recuperada em novembro de 2020).  

MENSAGEIROS DO LÚDICO, Beatriz Góes Dantas

 

MENSAGEIROS DO LÚDICO, Beatriz Góes Dantas, edição do autor, 2013, 98n pág, ilust, Isbn – 978-856257688-1

 


“Quem tem o divertimento acima de qualquer outro propósito. Quem faz alguma coisa simplesmente pelo prazer em fazê-la.” Acabei de pegar no dicionário da internet essas duas definições para lúdico. Há outras definições, mas extrapolam minha necessidade.

O livro de Beatriz Dantas “Mensageiros do Lúdico mestres de brincadeiras em Laranjeiras” mostra-nos de corpo e alma essas personagens que, pelo gosto de se divertir e divertir as pessoas, mesmo sendo na grande maioria rústicos agricultores ou singelas donas de casa, são hoje referências no folclore nacional.

Passo a passo, o livro, fruto de um trabalho intenso de pesquisa, apresenta-nos:

Raminho (Ambrosino Ramos do Nascimento) do Lambe-sujo;

Paulino (José Paulino dos Santos) da dança do São Gonçalo da Mussuca;

Deca (José Santana dos Santos) do Cacumbi;

Oscar (Oscar Ribeiro) da Chegança;

Zé da Carroça (José Floriano dos Santos) da Chegança e outras brincadeiras;

Bilinha (Umbelina Araujo) da Taieira e do Nagô; 

E, por fim, uma homenagem a Bráulio do Nascimento, que muito fez pelo folclore sergipano e, especialmente, de Laranjeiras.

Beatriz Dantas conversa com essa gente, ela mesma personagem de seu livro, andando pelos terreiros, pelas praças de pedras, pelos auditórios das universidades, contando suas pesquisas num jeito muito gostoso de se ler (e de se ouvir). “Falar dos mestres exige que eu fale da minha relação com eles, de modo que, ao longo desse texto, estarei presente, pois sou parte da história que conto”.

Quando trata dos Lambe-sujo, deixa Raminho à vontade para extravasar suas queixas: “a brincadeira só é bonita quando mela e rouba”; queixa contra o prefeito de então que proibiu (pelo menos o roubo): “vamos acabar com esse negócio de roubar, que não tá dando certo não. Dá muito trabalho à polícia.”

Zé Rolinha, o atual mestre do Lambe-sujo, que substituiu Raminho, “foi à Europa, para falar na universidade de Alicanto, na Espanha, sobre a dramatização popular secularmente representada em Laranjeiras”.

E precisa ser doutor para fazer palestra em universidade, é?

Falando de Bilinha (mestre da Taieira e do Nagô) a autora informa que ele “era muito jovem e assumiu a dupla obrigação e por mais de meio século, levou-a à frente, ajustando-a às mudanças por que passava a sociedade local, mas sem abrir mão do que considerava a mais pura tradição africana”. 

É ou não é admirável?

Quando o poder público saía de cena, negando o apoio (que hoje dá), os mestres e os brincantes sempre arrumavam um jeito de prosseguir com: “leilões, contribuições dos pequenos e arrecadações mais substanciais dos ricos”.

E Beatriz Góes Dantas, mulher “muito perguntadeira” no dizer de Zé da Carroça, nos deu (me deu) uma aula de folclore, da qual saí envaidecido com esses espetaculares e persistentes mensageiros do lúdico de meu admirável Sergipe.

 

(Antônio FJ Saracura, Aracaju, 12 de janeiro de 2020, recuperada em novembro de 2020).

MARINA, Carlos Ruiz Zafon

 

MARINA, Carlos Ruiz Zafon, Suma de Letras, 2011

Páginas; 189

 


 

Carlinhos Siqueira e Marilene são dois conterrâneos que conheci agora, depois de meus livros ficarem populares. Foram-me apresentados pelos Tabaréus, pelos Meninos, por Minha Querida Aracaju Aflita. Já tenho muitos amigos feitos assim, graças aos livros que publiquei.

E o casal simpático citado acima, já de idade igual a minha, é de Itabaiana. E tem uma história de amor à cidade, de dedicação à sua vida social e econômica. E é um casal unido, sempre o encontro nos shoppings e em outros eventos, juntos, de mãos dadas, alegres. Pertencem ao mesmo naipe de João Gomes e a professora Olga, de meu primo Josemir e Rosilene.

Vê-se que todos tiveram uma vida solidária, pois são idosos e permanecem unidos. Eu também com minha cada vez mais esposa e companheira, Cida. Sempre que ela pode, estou sempre, onde vou, com ela colada.

A pois!

Não é que já ia saindo da meada a que me propusera.

Encontrei Carlinhos e Marilene no shopping Jardins e começamos a falar sobre livros.

Ambos são leitores vorazes. Carlinhos sempre tem mais de quatro livros em andamento, consumindo simultaneamente. E me disse que começara a ler um livro espetacular, chamado “Marina”. Estava a ponto de congelar os outros livros abertos, tanto era o visgo de Marina. E comentou passagens lidas, que me pegaram.

Saí do aconchego e fui à Escariz, comprei o livro.

E fui para casa ler, já que era tão bom assim.

Achei uma história comum, semi fantasmagórica, seguindo o roteiro de Harry Potter ou outro ícone juvenil de menor estampa. As frases armadas parecem clichês emprestados de alguma floricultura de beira de cemitério. 

Já minha esposa, que ouvira, ao meu lado, a pregação de Carlinhos Siqueira, leu comigo (simultaneamente) e acabou dois dias depois porque teve outro compromisso.

Adorou.

E mandou que eu comprasse a obra seguinte do autor que vira na gôndola da livraria (A Sombra do Vento, acho; que não comprei porque já havia se esgotado).

(Antônio FJ Saracura, Aracaju 23 de março de 2012, recuperada em novembro de 2020).

 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

MARIA NUNES PEIXOTO uma mulher cheia de amor

 

MARIA NUNES PEIXOTO uma mulher cheia de amor, Josias Peixoto Neto, 2011, 176 páginas, J Andrade.



Meu pai é originário do Cajueiro, de onde meu avô Pepedo Saracura migrou para Terra Vermelha, quando comprou o velho sítio de Eduardo Silveira (pai de Zeca Mesquita do cartório), que ainda hoje nos pertence. Cajueiro, Canário, Congo, Terra Vermelha e Pé do Veado (povoados da região centro do município de Itabaiana) confundem-se em muitas das suas divisas.

Pepedo Saracura mudou-se para Terra Vermelha, mas dois irmãos permaneceram no Cajueiro: Pedro de Mané José, e Chagas. Este último, teve uma filha (Bila) casada com João de Jerome, irmão de Basto Peixoto, o patriarca dos Peixotos.

Assim, Saracuras e Peixotos conviveram a mesma vida dura dos sítios e respiraram o ar abençoado da serra que afaga esses povoados heroicos de Itabaiana. E pode-se dizer que tinham (e têm) sangue irmão.

A mãe dos dezesseis peixotinhos, Maria Nunes Peixoto (personagem central do livro) esposa de Bastos (que é Sebastião), sempre foi amiga de minha mãe (Florita). Desde criança.

Maria provem do Pé do Veado, de um sítio na divisa com as Flexas, terra de minha mãe, que vocês conhecem bem, se leram Os Tabaréus do Sírio Saracura e os demais livros que publiquei até agora.

Minha mãe sempre contou que Maria, quando a encontrava nas missas em Itabaiana perguntava qual o segredo para ter um filho padre. “Eu não sei mais o que fazer. Rezo muito e meus filhos não querem saber de entrar no seminário, enquanto o seu Tonho (era eu) já é um padrezinho”.

Maria conseguiu ordenar dois (Antônio e Jerônimo) e mamãe nenhum (pois larguei a batina ainda no seminário menor).

Há alguns anos, minha esposa trouxe-me da faculdade onde estudava um livrinho de versos. Uma colega, chamada Inês, de Itabaiana, lhe emprestara para ler e lhe devolver no dia seguinte. Era história em cordel de sua família Peixoto do Cajueiro, escrito por Bastos, pai de Inês.

Li de um fôlego e resolvi escrever também um livro parecido sobre a minha família. Daí nasceu o cordel “A Família Saracura”, que redundou em “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, que publiquei em 2008, e hoje já possui cinco edições.

“Os Tabaréus do Sítio Saracura” chegou às mãos de Basto, que eu conhecia pela amizade dele com meu pai. Então, tive a honra de desfrutar de sua convivência, quando saboreei seus poemas. Também tentei desarmar as engenhosas armadilhas cinzeladas com esmero, mas não consegui. E quando participei da equipe para criação da Academia Itabaianense de Letras, indiquei o nome de Sebastião Nunes Peixoto (Bastos) como patrono de uma cadeira (ele já era falecido), imortalizando o poeta do agreste de Itabaiana.

 

Xxx

Talvez também pelo que acabo de contar, o livro de Josias Peixoto (“Maria Nunes Peixoto – uma mulher cheia de amor”) atingiu-me como uma língua de fogo. Recebi a joia, trazida por Lourdinha, minha irmã de Itabaiana. O livro fora distribuído no aniversário de Maria aos convivas, e eu não pude estar presente. Veio com uma significativa dedicatória feita por Josias Escovado (pai do autor?), de quem sou admirador, ele só tem lado bom, apesar de feinho.

Acabei de ler agora, afogado em emoção. Senti arfar do coração em cada palavra, em cada frase.

Lições de vida, resgate dos costumes de nosso povo dos sítios. Acompanhei as novenas nas vésperas dos dias santos de guarda, as via sacras pelos sítios vizinhos.

Postei-me contrito (sou pecador renitente) ante o santo oratório da varanda. Rezei o Terço e o Santo Ofício e fui a pé até à cidade, quase inacessível, para assistir à missa das oito.

Testemunhei a luta pelo estudo dos filhos; era o caminho indicado por Deus aos pais analfabetos.

Participei sorrateiro na repartição e multiplicação do pão, disputando um pedacinho com tantos passarinhos de bico grande e aberto. Até chegar alguidar, arranquei muitas penas dos pobrezinhos.

 O livro todo, como a vida da família Basto (Nunes Peixoto), é entranhado de fé, de religiosidade. Os Salmos, os Evangelhos, as Epístolas fluem em citações como se fossem a própria vida da família, junto com casos engraçados que deflagram intermináveis gargalhadas:

Como a história da cirurgia que seu Basto teria que fazer em Aracaju... Adelson, um dos filhos, que o levava à hospital, passou antes na Funerária, para resolver alguns assuntos administrativos, era o dono. “Vai fazer o que ai?” O filho responde com o mesmo com a mordacidade do pai: “Pegar logo o seu caixão. Possa ser que o senhor não resista e, assim, não precisarei voltar à Itabaiana”

Como também, na morte do velho Jerônimo (Jerone, pai de Bastos)... Bastos, antes de ir buscar o caixão em Itabaiana, era rapagote, pediu uma farofa com café, pois estava com tremendo de fome. A mãe questionou, achando perda de tempo, atrasaria o sepultamento. Então Bastos se explicou: “Eu estou ainda vivo e preciso trazer de Itabaiana um caixão na cabeça!”.

Como no golpe aplicado pelo esmoler que quase levou o feijão todo da família...   O esmoler se aproveitou  da bondade do menino Antônio que, ao despejar uma cuia no saco dele, perguntava: “O senhor quer mais? Ainda tem muito!”

Xxx

O livro é um testemunho da vida de “uma mulher cheia de amor”. Também a heroica história do povo do Cajueiro, do povo dos outros povoados de Itabaiana, quiçá do mundo. De nosso povo simples que arranja o pão de cada dia com o suor do corpo, literalmente. 

O livro alcança, com sobra, ao que se propôs o autor: “apontar algumas dimensões da vida de sua mãe (Maria Nunes Peixoto), relacionando-as com o meio, com a família, com as pessoas, com os costumes de seu tempo.”

É uma boa leitura, que agradará certamente a quem tiver a oportunidade de encontrar ainda um exemplar.

Antônio FJ Saracura, Aracaju, 02 de fevereiro de 2020, recuperada em novembro de 2020).


domingo, 22 de novembro de 2020

LEMBRANÇAS DE UM PARAÍSO (e outros contos), Inez Resende de Jesus

 

LEMBRANÇAS DE UM PARAÍSO (e outros contos), Inez Resende de Jesus, Infographics, 2013,76 páginas, ISBN 978-85-911042-1-5



  São cinco histórias leves, de leitura agradável que retratam exemplos de superação de vida:

Lembrança de um Paraíso (um lugar, bem no pezinho da Serra de Itabaiana, um verdadeiro paraíso perdido no agreste sergipano. Um sonho que virou realidade bem depois);

Almas Gêmeas (Você vai se emocionar e talvez chorar com o amor de Lara e Lucas);

Maria Rita (A beleza exótica da viúva Maria Rita encantava os homens de Escurial, Gabriel chegou e não vou contar. Não sou nenhum spoiler!); 

O sonho de Daniel (A discriminação e a pobreza não podem derrotar um grande sonho. Ou podem?);

Perseguida pelo medo (Poliana não pode acreditar. Nem eu também. Logo você, Carlos!)

Na internet (facebook) as avaliações foram generosas, que endosso, a exemplo que já aconteceu com o livro anterior de Inez, “Poesias de Amor e Dor”, da mesma autoria, este um livro de poemas.

Até eu saí da minha trincheira, não consegui me conter, e elogiei desbragadamente (não havia outro jeito) um poema que falava, com saudades, da rua do Beco Novo, na cidade de Itabaiana, que apenas eu sabia onde ficava. Hoje é um dos recantos doces que guardo na minha memória como se eu tivesse vivido lá.

(Por Antônio Saracura, Aracaju, 01 de janeiro de 2014, recuperada em novembro de 2020).

GARCIA ROSA (VULTOS E VOZES DE SERGIPE 09)

 

GARCIA ROSA (VULTOS E VOZES DE SERGIPE 09),Livreto que acompanha um cd com recitações Garcia Rosa (própria voz), sem identificação de editor, apresentação de Wagner Ribeiro.

 


Uma lenda se torna palpável pelas mãos de alguns intelectuais de Sergipe. Tempos atrás Clarêncio Martins Fontes me presenteara com as recitações de Mário Cabral, que embevecido escutei aqui no meu recanto do Robalo. Deve haver outros livros desses circulando por aí.

Este Garcia Roa, ganhei de Wagner Ribeiro, monstro sagrado da literatura sergipana e imortal da Academia Sergipana de Letras. Mandou-me este e todos os seus livros publicados, além de livro de José da Silva Ribeiro Filho, que é o pai de Wagner. E mais quatro cordéis impressos (de sua autoria) nos quais usou pseudônimos.

Foi um presente e tanto! E eu fiz o quê, para merecer tanto?

Talvez consideração.

Eu lhe dei, quando adquiriu no lançamento (Instituto Histórico e Geográfico) “Minha Querida Aracaju Aflita”, os meus “Os Tabaréus do Sítio Saracura” e “Meninos que não Queriam ser Padres”.

Fiquei devendo muito ao grande poeta.

Garcia Rosa é a referência maior de nossa poesia.

Confunde-se com Aracaju nascendo, também porque fez da colina mater do Santo Antônio, o seu refúgio e residência. Publicou apenas um livro em vida “Lírica” (1921, 1924). Poucos versos liberados para 83 anos de poesia. Mas Garcia Rosa marcou época.

É melhor um único verso bom do que toda uma biblioteca de livros de poesia ruins.

Deixo a seguir o soneto “Rio da Minha Terra” que mostra a poesia de Garcia.

Muitos poetas cantaram os rios de suas terras, este de Garcia Rosa tem um quê especial, é nosso também.

 

Rio de Minha Terra

Lento, moroso, vai rolando o rio

Entre margens sombradas de ingazeiras.

Mal se lhe escuta o doce murmúrio

Que consona com a voz das lavadeiras.

 

 Nas formosas manhãs do claro estio,

Garças, marrecas, jaçanãs ligeiras.

Sob o toldo das árvores, sombrio

Enchem de luz e cor as ribanceiras

 

Rio de minha terra, rio amado

Quantas vezes, em êxtase ao teu lado

Fico a infância distante a recordar...

 

E enquanto eu marcho triste para a morte

Sem um gozo sequer que me conforte

Tu corres impassível para o mar.

 

(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 22 de julho de 2012, recuperado em novembro de 2020).

Post scriptum:

Wagner Ribeiro faleceu em 01/01/2017, aos 71 anos, de câncer no fígado)