TEMPO DE TRAVESSIA, Francisco Guimarães Rollemberg, J.
Andrade, 2021, 208p, isbn 978-65-993739-6-1
Recebi
um presente especial: o novo livro de Francisco Rollemberg, também de memórias,
como o que acabo de ler, de outro médico, J Fraga Lima: “Minha passagem pela
Vida.”
Mais
uma história de vida vitoriosa, de que precisamos para nos alentar nessa
pandemia tétrica. No livro, entretanto, Francisco se atém mais a momentos
especiais que viveu, a livros que leu, a pessoas/personagens que o marcaram, a
atividades públicas que exerceu. Não é ainda o livro cronológico que contará
sua vida, passo a passo, na qual tive uma insignificante participação de
paciente. Por volta de 1970, eu tinha 25 anos, ele me operou de fimose;
operação urgente, imprescindível. Após o serviço feito, no próprio consultório
(acho que o prédio do antigo hotel Pálace), ele pegou, com uma pinça, o
courinho extirpado e o balançou à frente de meus olhos atônitos. “Quer levar ou
dou ao gato?” Vi que sorria. Quando saí do consultório, recomendou:
“Cuidado para os pontos não estourarem”. Ria novamente.
Como
controlar, dormindo, a fantasia do sonho erótico? Doutor Francisco teve que
refazer os pontos com linha mais forte e a recomendação com mais ênfase.
“Tempo
de Travessia” fala de Barreto Fontes, o lendário professor e inventor: o
cafezinho batizado com conhaque, os dentes de cemitério, ele e os irmãos apelidados
como "cerca" andante (eram todos altos e macérrimos); a “química”
para o tesouro do Estado desaparecer...
De
Carlos Chagas, o médico cientista... Vítima da inveja, esperou paciente o
reconhecimento. Emprestou seu nome à doença que matava silenciosa e ignorada
pela academia. O besouro foi desmascarado e contido. Casas de taipa viraram de
alvenaria.
De
Manoel Armindo Guaraná, outro médico, homem público e intelectual, que se
eternizou como autor do “Dicionário Bibliográfico Sergipano”; estilo simples
primando pela clareza; pra que mais?
Oswaldo
Cruz, médico cientista, parelha e contemporâneo de Carlos Chagas. Luta inaudita
para erradicar a febre amarela e malária em um País florestal, o Brasil.
Walter
Cardoso, mais um médico, este imortal da Academia Sergipana de Letras...
Há
considerações oportunas sobre a Encíclica de Leão XIII: “Sobre as Coisas Novas”
(Rerun Novarun); a questão do trabalhador frente ao capital, a Igreja
descobrindo sua função social.
No
meio dos médicos, dos cientistas e dos papas, entra Seu Ricardo de Aurelina,
gostoso teatro de um momento em Laranjeiras simplória. E o testamento de Judas,
resgate de nossos costumes autênticos: “Quedê a madrinha Deodata / como é que a
senhora vai? /Nascendo neto aos cardumes / e nada de aparecer pai / e diga que
mistério é esse / De onde é que eles saem?”
Tem
Zózimo Lima com suas variações em fá sustenido que eu alcancei e li na Gazeta
de Sergipe. A poesia do cotidiano que encantava, valia pelo jornal inteiro, sem
tirar o valor de ninguém.
E
Murillo Melins, um santo vivo em nosso meio, cujo brilho nos ajuda a brilhar.
Conseguiu trazer a boemia para as páginas do impagável “Aracaju Romântica que
Vi e Vivi”, porque ele era a própria boemia.
Há
uma justa homenagem a Antônio Valença Rollemberg, humilde comerciante das
Laranjeiras de antanho, seu Toinho da Farmácia, pai do autor. A dona
Cesartina, a primeira farmacêutica formada de Sergipe. A Luiz Antônio
Barreto do instituto Tobias Barreto. A Garcia Moreno e seus “Doce Província” e “Cajueiro
dos Papagaios”; e a Luiz Garcia, o governador de obras estruturantes e perenes.
Há
considerações sobre o poeta do absurdo de Zé Limeira... Sobre a boa poesia de
Eunaldo Costa... Como um poeta assim some no passado, tão ligeiro?
Sobre si, Francisco Rollemberg reproduz a
entrevista prestada a revista Somese, onde mostra seus sonhos, seus ideais e
suas realizações nos vários segmentos onde atuou.
A
segunda parte do livro apresenta um ensaio sobre o admirável Maquiavel, de “O
Príncipe”.
A
terceira parte mostra, de maneira sucinta, suas realizações como Deputado
Federal e Senador, mandatos que exerceu com extremo zelo.
“Tempo
de Travessia” é pequeno (206 páginas) mas traz conteúdo com a qualidade própria
das grandes obras.
(Aracaju,
25 de abril de 2021, em plena pandemia do Corona Virus. Revisto em agosto de
2023. Por Antônio FJ Saracura).