Resenha de livros lidos pelo autor, relatórios de participação em eventos literários, resenhas de terceiros sobre livros de autoria de Antônio Saracura...
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020
MOINHO DE VERSOS, Massilon Silva,
domingo, 16 de fevereiro de 2020
CARTA PARA MINHA MÃE QUE NÃO SABIA LER, Neusa Vieira Lima Steinback
NÃO É HORA DE CORRER PARA A CAVERNA , Neusa Vieira Lima Steinbach
Muitos livros maravilhosos
jamais foram lidos fora da família ou da aldeia do autor. Como também muitos
craques do futebol acabaram suas carreiras nas várzeas de seu bairro.
Não tiveram a sorte de serem
achados pelo agente que os projetasse ao mundo.
“Não é hora de correr para a
Caverna” é um livro raro, surpreende pelo estilo gostoso e pela riqueza do
texto, mesmo quando trata de temas corriqueiros, como a convivência no quintal
da casa no discriminado Beco Novo, em Itabaiana, Sergipe, onde a autora passou
a infância. O livro foi lançado em 2017, e terá, certamente, sua chance de ser
descoberto, se não já não foi e eu não percebi. Além do mais, para ajudar nessa
descoberta, a autora tem dupla nacionalidade. É sergipana da Academia
Itabaianense de Letras, e catarinense, pelos laços de matrimônio, residente em
Santa Catarina, na cidade de Francisco Beltrão. São duas várzeas abertas aos
agentes caçadores de talento.
“Não é hora de correr para a
caverna” é composto por 45 boas crônicas. E por uma apresentação esmerada de
Anito Steinbach, professor, intelectual, poeta (tenho comigo Lâmina Desnuda).
Crônica é um texto curto e leve
e que ensina. Os cronistas ilustres trafegaram fagueiros pela poesia, que é
leve também e tem o dom acender lâmpadas que jamais se apagam: Entre outros,
estão Machado de Assis, Olavo Bilac, Carlos Drumont de Andrade, Fernando
Sabino, Clarice Lispector, Lêdo Ivo, Neusa Vieira, que é nosso
destaque especial.
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Se você tiver a sorte de
encontrar este livro, leia devagar. Se o sentido de uma palavra ou frase
escapou, retorne e busque-o, não descarte como cascalho, o surpreendente
diamante. Vista-se de missionário evangelizador e semeie o livro à mão cheia em
seguida. Ele ensina a abrir janelas, aponta caminhos novos, e pode mudar o
mundo para melhor. São crônicas poéticas. Neuza confessa que descobriu a poesia
quando tentou, pela primeira vez, segurar o vento e sair correndo com ele para
mostrar aos irmãos. E, mesmo segurando o vento, sentiu alegria e medo. Medo,
porque ela (a poesia) parece alma de outro mundo, causa arrepios. Alegria,
porque permite ver tudo mais longe e mais claro, ora com olhos de cego, ora com
olhos de sol.
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As crônicas sabem a “quero ver
Irene rir (Caetano Veloso) ou então “... entre Irene, você não precisa pedir
licença” (de Manoel Bandeira). Se estes ou outro poeta vêm à porta é para nos
apresentar um poema, que Neusa o faz com maestria, levando-nos a amá-lo também.
Em poucas linhas, Manoel de Barros e Mário Quintana e muitos já são amigos
íntimos, definitivos. Neuza é professora de corpo e alma e sabe como gravar uma
lição na mente de seus ávidos alunos que jamais ser apagada.
Ela canta as pedras que
sustentaram sua caminhada...
O quintal de fruteiras e lavoura
(um sítio dentro da rua) no Beco Novo de Itabaiana, onde desvendou os mistérios
da natureza, onde bebeu os primeiros pingos de chuva, ouviu o canto dos
pássaros e a música da redondeza; a alma da pedra que foi uma minhoca viscosa
e, instantaneamente, pela sabedoria da mãe singela, passou a ser o alma da
terra inteira, permitindo que houvesse vida embaixo do chão; as festas de São
João dos fogos e da fogueira; o cinema de Zeca e do padre com filmes que
mostraram outro mundo além da serra, espetaculares; visto do batente da porta
da frente, o desfile de um povo bárbaro, belo, variado, vindo das faldas da
serra, trazendo cavalos carregados com produtos da lavoura e meninos
barulhentos; aquele homem baixinho, branco e de rosto muito vermelho parecendo
um galo garnisé, e mais Zé Carretel com os pés voltados para dentro como um
curupira; os casamentos à cavalo, a noiva montada de lado correndo o risco de
cair pra trás; as procissões, foguetórios, que ultrapassavam os limites do Beco
Novo, indo até Frei Paulo, Cipó de Leite, o mundo todo; o serviço de alto
falante da praça: de alguém para outro alguém, recados que hoje o wsap matou a
magia; o Largado que esperou, sofreu, insistiu até que o olhar de Ivone deu-lhe
o céu; e seu Miguel Fagundes com o terno branco presente a todo velório (“mas
faltei ao seu, pois o mundo me engoliu voraz”); a punga no carro de bois,
trepada no requevem como menino macho, viajando ao som de violinos escondidos
nos eixos de braúna, até a bodega de seu Antonino, último limite permitido,
depois dali, eram os ermos dos dragões e de abismos tenebrosos...
E, especialmente, o namorado
estrangeiro, por isso discriminado, que o destino lhe mandou para a vida
toda... Uma mão vinda do outro lado do oceano pousou na sua e acendeu todas as
lâmpadas instaladas no seu mundo.
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O livro é um canto de louvor à
realidade do dia a dia, desde as brincadeiras e assombrações de criança,
passando pela longa e gratificante missão do magistério, pela vida sempre
alegre e triste, pela interpretação da melhor literatura que o mundo produz...
Neusa mostra-se incansável em se
extasiar ante a natureza das coisas e das pessoas, mas reage com energia às
sombras turvas que as redes sociais, que as falsas doutrinas, que o comodismo,
que a discriminação e a empáfia, criam na mente das pessoas.
A caverna é um local seguro onde
nada precisa acontecer realmente. Basta imaginar. Tem o poder de criar mundos
de ilusão, mas o homem precisa tirar os sapatos e deitar na terra molhada e
abrir os braços. Enfrentar a realidade e usufruí-la intensamente. Nada de
correr para a caverna outra vez.
(Por Antônio FJ Saracura em
2018, revisada em fevereiro de 2020)
Post scriptum: “Quem é você para derramar meu Mungunzá"
inclui Antônio Saracura no time dos autores cabras da peste que cantam o
Nordeste valoroso, orgulho do meu Brasil. Obrigado pela honra (Saracura).