segunda-feira, 14 de agosto de 2023

ANTÔNIO XAVIER DE ASSIS, VIDA E OBRA, Carlos Pinna de Assis

 


ANTÔNIO XAVIER DE ASSIS, VIDA E OBRA, Carlos Pinna de Assis e Gilfrancisco, 2020, Edise, Aracaju, 306 il, 21 cm, isbn 978-65-86004-00-7.


 

Os alagoanos invadiram Sergipe e se transformaram (com seus descendentes) ilustres cidadãos, atuando nos diversos setores da nossa sociedade. Como Joubert Uchoa de Mendonça (os pais migraram de Traipu/Jirau do Ponciano para Sergipe), que hoje é dono do conglomerado de educação, Tiradentes.

Há um município que se destaca em nos suprir de cidadãos que brilham aqui além da conta normal: Pão de Açúcar, do outro lado do rio São Francisco, bem em frente de Niterói, povoado de Porto da Folha. Entre os nomes, estão: Edvaldo Nogueira, que é o prefeito de Aracaju; Hamilton Maciel, dono da clínica São Marcelo; Neutônio Machado, desembargador e  presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe; Massilon Silva, poeta repentista da Academia de Cordel; Carlos Pinna de Assis, conselheiro do tribunal de contas do Estado de Sergipe e membro da Academia Sergipana de Letras. São pãoaçucarados com os quais mantive ou mantenho relacionamento social. Tem mais.

Carlos Pinna, o derradeiro da curta lista, faleceu em 05 de abril de 2023 aos 74 anos de idade, de repente. Se é que ainda se morre desse mal hoje. Estive com ele na sessão da academia quando fez o anuncio de algo espetacular como sempre fazia. No final da semana seguinte, saiu a notícia de sua morte, sem ameaça, sem preliminar, sem qualquer chance dos amigos rezarem pela salvação dele...

Como intelectual, Pinna deixou publicado um livro intitulado “Antônio Xavier de Assis, Vida e Obra”, em coautoria com o historiador Gil Francisco Santos, e produziu artigos esparsos em jornais, antologias e Revistas literárias.

E este livro “Vida e Obra de Antônio Xavier de Assis”, (Antônio é o avô de Carlos) saiu impresso pela Edise em 2020, tendo sido divulgado bem recentemente, devido aos impedimentos da pandemia do covid. Ainda bem que temos o livro, pois narra a trajetória heroica de um grande sergipano.  Ainda bem que Pinna conseguiu fazê-lo antes de nos deixar.

O livro está organizado  em cinco partes e um bloco inicial de apresentação.

 

A apresentação contextualiza o personagem no tempo e no espaço, fornece uma sucinta biografia do mesmo caracterizando sua vinda para Sergipe.

A primeira parte consta de artigos sobre a atuação de Antônio Xavier no período em que morava em Alagoas, com artigos de autoria de Epifânio Dórea e Thiago Fragata.

A segunda parte consta de registros, documentos, ilustrações e depoimentos de autoria dos descendentes e do presidente da Academia Sergipana de Letras, José Andersom Nascimento.

A terceira parte consta da obra publicada na imprensa de Sergipe e de Alagoas (Obra Esparsa) tratando de política, economia, educação, história, agricultura, sociedade...

A quarta parte consta de fac-símilis de dois jornais: A Palavra (1893) e O Trabalho (1896), editados por Antônio Xavier, em Maceió.

A última parte (apêndice) consta de recortes de jornal, foto do sítio Palestina em Aracaju, certidão de casamento, além da biografia dos autores.

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Antônio Xavier de Assis nasceu em 1870 em Pão de Açucar, Alagoas, e veio para Sergipe em 1899 onde faleceu em 1936. Aqui criou sua família (14 filhos, apenas o primeiro nasceu em Alagoas). Foi gráfico, jornalista, professor, intelectual e político.

Como intelectual, escreveu livro sobre o São Francisco mas não chegou a publicar, e foi jornalista sempre. Como político, atuou em áreas dos governos de Josino Menezes, José Siqueira de Menezes e de Olímpio Campos. Indicado por Josino, foi eleito intendente de Aracaju cumprindo mandato de 1904 a 1906.

O livro traz bons textos de Antônio Xavier, publicados na imprensa ou resgatados de seus manuscritos, como a descrição do lugar onde nasceu e a terra que escolheu para morar. Com o artigo, “Onde Nasceu o arraial de São Cristrovão”, quase um poema, destaca o herói Serigy, defensor das terras de Irapiranga da invasão de Cristóvão de Barros. Com o artigo sobre o malfadado empréstimo de 1824-1825, que exauriu nossas finanças até depois da independência, mostrou alcance além das fronteiras provincianas. São diversos artigos tratando de política, de economia, de cultura, de religião, de nosso povo...

O livro se constitui em uma coleção de fontes primárias sobre nossa história, oferecidas aos estudiosos, aos historiadores, aos intelectuais, a todos que nos orgulhamos dos grandes nomes que Sergipe produziu.   

Aracaju, 14 de agosto de 2023, por Antônio FJ Saracura

domingo, 13 de agosto de 2023

LUGAR DE ESTÓRIAS, Bartolomeu Correia de Melo

 

LUGAR DE ESTÓRIAS, Bartolomeu Correia de Melo, contos, EDUFRN, Natal, 1998,174 páginas, Isbn 85-7273-099-0



 

1.     Um livro difícil de achar

[19/06/2023] Francisco Dantas para Saracura:

Acabo de deixar, na portaria do Palazzo Fiorentino, um livrinho pra você. Ressalto que não quero interferir no seu gosto, dirigir as suas escolhas. Tenho quase certeza que se trata de um livro inencontrável. Outra coisa: a esta altura, os escritores do mundo inteiro estão com o seu ofício ameaçado pela "inteligência artificial". A Amazon já está ensaiando isso. Um texto é encomendado, e o freguês recebe a encomenda prontinha em um minuto.

[16:46, 01/07/2023] Antônio Saracura para Francisco Dantas:

Peguei agora. Ainda. Boa tarde, bom final de semana. O tempo escoou. Eu já me sentia encharcado. Não me lembro de já ter lido algo de Bartolomeu. Mas o nome me soa próximo. Deixe-me chegar em casa.

[20:06, 01/07/2023] Francisco Dantas para Saracura:

Este potiguar foi nosso amigo. No ano 2000 me remeteu um conto inédito, que hoje está em outro livro. Como todo nordestino da nossa época, merecia ser mais divulgado. Já não está entre nós. Em Natal, estivemos juntos algumas vezes.

[20:19, 04/07/2023] Antônio Saracura para Francisco Dantas:

Boa noite, grande Francisco Dantas. Para mim bastava um conto como “Foi?…” ou como “Reza-forte”. Ao final de cada, parei para respirar e não achei ar em canto nenhum. Mesmo assim, resolvi conhecer melhor o poeta Joaquim Cardoso, porque gostei dos versinhos citados por Bartolomeu. Caí em um blog chamado “Emiracultura”, que é o universo de Carmo Bernardes. E, agora, para onde eu vou? Jurubatuba pula de minha estante em meu colo. Ermira me abraça com seus braços bonitos. Quero falar com Carmo Bernardes, mas Bartolomeu me puxa pela camisa.

Olha! Francisco Dantas. Se eu não voltar a falar com você mais, é porque perambulo entre Goiás e Ceará-Mirim, como o “rezador de reza forte” montado no cavalo Vicente ou como o “amarelinho”, garantido pelo quicé afiado e o laço de couro cru.

Não sei o que vou fazer com tanto conto que me mandou. Mas já que mandou...

[20:37, 04/07/2023] Francisco Dantas para Antônio Saracura:

Seu aniversário tá chegando. Você já pode comemorar. Sei de memória: Quando os teus olhos fecharem / Para o esplendor deste mundo / Ei de ficar de joelhos / Quando os teus olhos fecharem / Para o esplendor deste mundo / Hão de murchar as espigas / Hão de cegar os espelhos.

Joaquim Cardoso, engenheiro trabalhou com Lúcio Costa, na fundação de Brasília. Em Belo Horizonte, trabalhou no viaduto Gameleira, que viria a desabar. Poeta retraído, muito bom, solitário.

[20:45, 04/07/2023] Francisco Dantas para Antônio Saracura:

Nosso Bartolomeu nos deixou três livros que guardo com carinho. Assim que me dei conta que tinha uma "duplicata" na mão, me lembrei de você. Ele é único, mais sintético do que o Guimarães Rosa de "Tutameia" e de quem se aproxima.

 2.     O Lugar de Estórias

Há livros assim, feitos no capricho, pela teimosia de um apaixonado pelo jeito de falar puro do povo, jeito que vai se perdendo a cada dia por conta da globalização deflagrada pela televisão e pela web. O autor resgata falas estranhas de nossos avós e as guarda em textos que pouca gente conseguirá entender. Mais cientistas da língua que habitam os porões embolorados das universidades e raros saudosistas.

O livro “Lugar de Estórias” é uma destas joias. O autor é Bartolomeu Correia de Melo e descende da elite rural do Rio Grande do Norte, cheira a garapa. Tirou diploma de farmacêutico, de físico e foi professor catedrático da universidade. Da herança usineira, manteve a fazenda Águas de Março no município de Maxaranguape, onde passou parte de sua vida. Mesmo com tanta profissão, conseguiu tempo para caçar palavras, frases, ditos, rhuns, fhuns, e outros cacos e cascalhos que são ouro puro, e compor histórias (são contos) que tive o privilégio de ler.

Seca terrível, fome, sede. A família poupa fiapos de ração para sobreviver. E aparece aquele andarilho montado no jumento chamado Vicente, com ares de Jesus Cristo. Comeu a comida de casa e fio embora deixando como paga um patuá milagroso que costurou na hora, garantia de vida boa, não o abrisse e nem se apartassem dele. Na terceira geração, um descendente curioso descosturou o patuá, queria saber o segredo de tanto poder. Desdobrou o papelzinho amarelado onde estava escrito: “comendo eu e meu Vicente, o resto que arreganhe os dentes”.

O filho do patrão desonrou a irmã de Menino-velho que se danava ao ser assim chamado. Era cria da fazenda, trastezinho que ninguém dava valor, o amarelinho de anedota, quase anão. Mas bom de mandado. Também bom no relho de couro cru traçado, que trazia no lugar do cinto. Temido pelo quicé afiado de capar bode de trazia na cintura. E ai houve aquele mal entendido porque o garrote pé duro da fazenda pulou o arame e cruzou com a novilha registrada, xodó do dono e do Menino-homem. Capa-não-capa-capa-capa. Pode capar, ordenou o patrão certo de que o menino-velho caparia. Quem perdeu os possuídos não foi o garrote.

Todos os dezessete contos andam no mesmo batido, narrando com o jeito gostoso de falar de e as sabedorias de nossos avós...

Conversas compridas são parecidas; ano sim oito não (como isso tá demorado!); desgraça pouca é meio de vida; em preço de honra não cabe diferença; pituím de cafuzo mata maribondo; não tinha medo de nada, tirante alma e praga de cigano; quem apronta escondido sofre em segredo; ela tinha os beiços finos de cu-de-calango; desconfiado feito menino comedor de vício; alguns silêncios valem mais que muitos gritos; querer tirar prazer do choro alheio, é judiação; penar conformado é meio de virar santo...

E as palavras? Encurtadas, arredondadas, adocicadas a cabaú.

“Lugar de Estórias é a transcendência dos saberes populares. Inventário precioso de falares de nossa gente ainda não atingida pela peste global”, tomo aqui a palavra do professor Inácio Magalhães de Sena, que escreveu a orelha do livro.

 

Aracaju, 12 de agosto de 2023, por Antônio FJ Saracura

 

Post Scriptum:

 

RESUMO BIOGRÁFICO DE BARTOLOMEU CORREIA DE MELO  (O BARTOLA):


Nascido em NatalRN (, criado no Ceará-Mirim (RN), terra de engenhos, cenário temático dos seus escritos. Educado por padres salesianos e irmãos maristas, dedicou-se ao magistério. Graduado em Farmácia (UFRN) e pós-graduado em Físico-Química (UFPE e USP). Adotou agropecuária (Fazenda Aliança) como segunda atividade e literatura como primeiro lazer. Aposentado (UFRPe e UFRN) como professor de Química. Obteve com “Lugar de Estórias”, seu primeiro livro, o prêmio nacional “Joaquim Cardozo”(1997), da União Brasileira de Escritores (UBE). Seu segundo livro, “Estórias Quase Cruas” (2002) foi igualmente bem recebido. Publicou também a estória infantil “O Fantasma Bufão” (2004). Recentemente (2010), teve lançados “Tempo de Estórias”, seu terceiro livro de contos e “A Roupa da Carimbamba”, segundo livro infantil, todos pelas “Edições Bagaço” (Recife). Fonte: site da UBERN e NOTÍCIAS DA LUSOFONIA, DE CEICINHA CÂMARA.

 

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

QUERIDA CIDADE, Antônio Torres

 

QUERIDA CIDADE, Antônio Torres, Recordo, 1 edição, 2022, isbn 978-65-55897-011-4

 


Não consegui avançar a leitura do Querida Cidade, novo livro de Antônio Torres. Fiquei indignado comigo mesmo. Arremeti várias vezes e o abandonei. Arrependido do gesto, peguei-o de volta e li um trecho aleatório, em cada página, pedindo a Deus que me grudasse em algo, como passarinho irrequieto no visgo de jaca. A última página chegou ligeiro demais, sem visgo algum.

E nessa árida caminhada, bati-me com frases feitas, sinônimos rebatidos em profusão, letras de canções buscando se encaixar no enredo (ou vice-versa), parecendo penetras no casamento da filha do ricaço da cidade.

Até me entusiasmei em um trecho, entre as páginas 130 a 180, mas não passou de um oásis de cinquenta palmeiras, que é grande, mas representa somente um refrigério de 8% da imensa travessia.

Encontrei no oásis velhos conhecidos de livros meus (Meninos que não queriam ser padre), como “a enxada continua no mesmo lugar que você deixou” (página 189), “o vergonhoso castigo de escrever quinhentas vezes a mesma frase: “não devo roubar nada de meus colegas” (página 132), “não se admire demais ao ver na cidade para não dizerem que você é tabaréu (página 189)... Estranhei eles estarem assim tão longe de casa, como se perdidos.

Reclamei de minha dor ao amigo que me sugeriu a leitura e, ele, enérgico, professoral, botou-me de castigo, me mandou ler o livro quantas vezes fossem suficientes para fazer o gênio sair da lâmpada e me solicitar os três pedidos clássicos. E vendo-me desanimado, iludiu-me, disse que em algum lugar eu teria surpresas que me fariam aplaudir o livro de pé. E por fim, eu não me animava, botou o dedo em riste na minha cara ameaçando, que o livro não era de qualquer um, mas do monstro sagrado, autor de “Meu Querido Canibal”, que sabe que eu adoro e mora no meu oratório.

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E como fiz ante outros grandes livros, pedi perdão à Querida Cidade, no canto sagrado, onde reconheço meus pecados cabeludos.  

E aqui o estou colocando no purgatório onde está Ulisses de James Joyce, que também não consegui ler, não houve jeito. Os dois (para não me alongar) são bons demais para minha limitada cabeça de leitor.

Se não, como é que o mundo todo os adora?

Por Antônio FJ Saracura, em 11 agosto de 2022.

FAVOS DA ALMA, poesias e crônicas, Martha Hora

 

FAVOS DA ALMA, poesias e crônicas, Martha Hora, Infographics, Aracaju, abril de 2023,134p´ginas, Isbn 978-65-5730-157-9.


A professora Arlete Mendonça, na orelha deste novo livro de Martha, diz que a autora “busca na poesia um alento para sua natureza sensível e que tem o dom de transformar uma simples frase em um tocante poema”.

Eu tenho em minha biblioteca, além deste filho mais novo, Favos da Alma:

Amor Infinito, publicado em 2006, sobre o qual escrevi rápida resenha, que está no blog “Antônio Saracura Sobre livros lidos”, basta seguir o endereço indicado pelo google. E também sobre Favos da Alma, a leitora Francisca Cirjak diz, na orelha, que “Martha aprende no sofrimento o que nos ensina com versos”.

Buscas e Encontros, publicado em 2011, que Clarissa Andrade diz, na orelha, que Martha “ao manusear seu tear recolhe-se às dimensões mais profundas de si mesma para refletir sobre sua existência no mundo e sobre o que nos liga: solidariedade, compreensão, igualdade e amor”.

Desvendando Sombras e Sonho”, de 2015, teve a orelha escrita pela intelectual da ASL, Jandira Dias Vieira, que destaca: “a autora ilustra com linguagem robusta, os valores, sentimentos, pensamentos, explorando e expondo as minúcias da vida, do amor, da dor”.

Auroras e Crepúsculos, de 2018, ganhou a orelha de Expedito Souza, grande memorialista, que conclui sua avaliação dizendo que “ler Martha Hora faz bem, alegra nossa alma”.

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Favos da Alma compõe-se de 30 poemas (maior parte sonetos), agrupados sob a égide de pensamentos, que são poemas também. O soneto “Favos da Alma” (que dá o título ao livro) fecha seu último terceto, assim: “E quando tudo isso passar / os voos das obreiras fecundarão / os vazios favos de minha alma”. Tem 21 crônicas (momentos da vida), algumas tratando da recorrente origem e formação, como é o caso das que falam do Jardim de Infância Augusto Maynard; do pai da autora, João Hora de Oliveira, comerciante que se destacou com “A Moda”; da pianista Marilene de Zefa Gorda, minha prima dos troncos ferreiros da Matapoã.

Em toda sua obra, Martha cumpre com esmero esta doce tarefa de nos encantar, com poemas e crônicas. Poemas que nascem da alma sensível e lírica e crônicas que testemunham momentos vividos que marcaram de forma indelével sua vida.

Tanto um como outro nos atingem sem dó.

Toda a beleza que habita os livros de Martha Hora está nela mesma, uma pessoa espetacular, até no travo do cajá ou da jaboticaba, que é o tempero das pessoas que tem rumo e brilho próprios.

Vou me repetir, pois já o disse em resenhas de outros livros de Martha Hora, e se aplica ao doce Favos da Alma: “Há sempre uma mistura de sublime com o corriqueiro nos textos de Martha Hora, que faz o leitor sentir-se na terra enquanto flutua no Céu”.

Aracaju 2023ago11, por Antônio FJ Saracura