domingo, 26 de dezembro de 2021

O RESGATE DE ALICE - ebook


O RESGATE DE ALICE, Eraldo Oliveira  Almeida – 1ª Edição (Livro Digital, 425 páginas, Lagarto Sergipe, produção independente, 2021... Ficção Policial,

 


(SÍNTESE PELO AUTOR)

“Quando o tráfico internacional de mulheres sequestra uma garota de 13 anos em uma das capitais do Nordeste brasileiro e a polícia se mostra incapaz de desvendar o crime, o pai da menina contrata uma LIGA de justiceiros para encontrá-la. A missão é confiada a uma bela, extraordinária e enigmática agente que parte em uma caçada eletrizante aos raptores, encontrando-os e os eliminando na Europa e na Amazônia brasileira. Ação inteligente e sedução mortal são as marcas de Estela Mare, uma linda justiceira forjada nas selvas semiáridas do Brasil e enviada para as mais surpreendentes e emocionantes aventuras nos seis continentes”.

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Encontrei o rapaz (já quase senhor) na Escariz nessa missão que toco em frente para conquistar adeptos para a literatura daqui. Depois do esquenta comercial, ele me disse: “sou escritor também, mas de livros policiais. Talvez eu seja o único de Sergipe. Mas meu livro (por enquanto só publiquei um), O Resgate de Alice, é digital, está na Internet. Sou Eraldo, de Lagarto, moro lá. Fui premiado em concursos de contos policiais, e ainda não os puliquei”.

Olhei o escritor desconhecido, entre surpreso e encantado. Eu sou igual à Florita, minha mãe, que se já foi, não guardo segredos, especialmente os meus.  Paguei com a mesma moeda, contei-lhe um pouco de mim.

Em casa, recebi de Eraldo o PDF de “O Resgate de Alice”. 435 páginas.

Comecei a ler, em consideração à gentileza de me enviar, mas calculei que, depois da décima página, daria uma passeada superficial nas 425 finais.

Agora, três dias após ter começado, encerro a leitura tim-tim por tim-tim emocionado, pingando lágrimas dos olhos. Não consegui parar, roubei tempo reservado para escrever meu novo romance. Mas valeu a pena.

No livro, há família (que me fez chorar), há camaradagem, há tiros fatais, há sorte, há milagres, justiça, castigo impiedoso e justo. Há cenários espetaculares, que são os grandes segmentos na busca à garota Alice, 14 anos, sequestrada da família em Aracaju e vendida ao mundo do crime. 

O livro é assim organizado (para dar uma ideia de sua dimensão): 

 

P R Ó L O G O

CAPÍTULO I - A FORTALEZA TREZE –

CAPÍTULO II - CENTRE D’ENTRAÎNEMENT DES MODÈLES -

CAPÍTULO III - N Á P O L E S –

CAPÍTULO IV - O GRITO DAS INOCENTES -

CAPÍTULO V - ORGANIZAÇÕES RUGGERO MARTINO-

CAPÍTULO VI - POLIZIA DI STATO-

CAPÍTULO VII - A ILHA DE CAPRI -

CAPÍTULO VIII - NO COVIL DA SERPENTE –

CAPÍTULO IX - KAZANKA –

CAPÍTULO X - MADRID –

CAPÍTULO XI - CAATINGA –

CAPÍTULO XII - AMAZÔNIA –

E P Í L O G O


E tem muita ação. Mesmo a trama andando numa linha previsível, segura o leitor.

Tenho a mania de ler livros anotando às margens, minhas dúvidas e, ao final de cada capítulo, naquele espaço que sempre sobra, exaro considerações. Quase monossilábico. Desta vez, sem papel, criei um arquivo word de trabalho, onde fui copiando e colando trechos do livro que me agrediram ou agradaram. Escrevi os motivos para depois os aproveitar. E assim, mantive a singular mania de fazer anotação enquanto leio.

Independentemente de qualquer coisa, como os tiros cem por cento aproveitáveis, como os bandidos maus demais (chega a ser surreal) a exemplo desse El Cazador da Amazônia, como as brincadeiras sem graça entre a agente e seu chefe, como os roubos espetaculares sem dificuldade significativa, como a tara inconsequente (e sem objetivo na trama) de Camila, como as restrições que escrevi para o autor, achei o livro bom. Apesar de longo. Me deu a sensação de que estava vivendo uma série Netflix. Se não isso, o roteiro pronto para uma delas. De uma boa série, que já tem prenome: Estela Mare. Ela é a detetive, a policial, a agente, a heroína. 


(Por Antônio Saracura, 2021dez26, Aracaju)

 

domingo, 19 de dezembro de 2021

NIKETCHE: UMA HISTÓRIA DE POLIGAMIA, Paulina Chiziane

 

NIKETCHE: UMA HISTÓRIA DE POLIGAMIA - Paulina Chiziane. — São Paulo : Companhia das Letras, 2004. ISBN 85-359-0471-9 1. Ficção moçambicana (Português) I. Título. 04-0970 CDD-869.3



 

O romance se encerra com o marido polígamo (Tony) diante esposa (Rami) com a qual casou na igreja e no cartório, cheio de arrependimentos, mas nem tanto assim. E Tony fala: “Queria dizer-te palavras de arrependimento; mas um homem não se arrepende., tudo o que faz é sempre bem feito;. Gostaria de dizer-te que és uma grande mulher; também não posso, as  mulheres são sempre pequenas. Queria também dizer que confio em ti; mas também não me é permitido, os homens devem desconfiar sempre das mulheres, e as mulheres devem confiar sempre nos homens. Hoje queria violar as normas e dizer que te admiro e de ti tenho orgulho; nem isso posso fazer, as mulheres é que devem sentir orgulho dos seus maridos e nunca o contrário,   mulheres é que devem admirar os seus homens e nunca o contrário. Hoje eu quero chorar, Rami; deixa-me chorar”...

E Rami o deixa chorar e faz com que chore mais ainda quando lhe confessa que o filho que traz no ventre é de Lewy, irmão de Tony, que a possuiu por ordem da tradição, o Kutchinga de Levirato, que é a obrigação ou direito da viúva dormir com um escolhido entre os parentes do marido morto. 

Quem mandou Tony falecer de mentira para escapar de tanta esposa o querendo?


Niketche é a dança do amor, na língua de Zambézia e Nampula. E o livro começa com Rami atribulada dentro de casa, precisando do marido para cuidar de um problema fácil pra qualquer marido resolver. Um de seus cinco filhos quebrou o vidro do carro de um vizinho com uma mangada. O vizinho pede providências. E Rami se dá conta de que o marido nunca está em casa, só de vez em quando, para uma noite de sono ou pagar as contas. Vinte anos de casado e apenas cinco de convivência decente.

Rami sabe que ele tem namoricos fora de casa, pois todos os homens possuem mais de uma esposa em Madagascar. Mas agora percebe que perdeu de vez o marido. E resolve tê-lo de volta para cuidar também das encrencas que os filhos arranjam com a vizinhança. “Com o marido em casa os ladrões se afastam. Os homens respeitam. As vizinhas não entram de qualquer maneira para pedir sal, açúcar, muito menos para cortar a casaca da outra vizinha; com marido em casa, o lar é mais lar, tem conforto e prestígio”.

Faz seu plano de reconquista e vai visitar cada uma das concorrentes. Sabe quem são e onde moram; que são brabas, mas ela também é. 

Chega cheia de direitos na casa de Julieta e sai corrida embaixo de cacete. Julieta também já não vê Tony há sete meses. Recuperada, Rami vai à casa de Louise. Precisava entender o que ela tinha tanto que roubara o marido de duas. Quis enquadrar e foi enquadrada. Terminou presa da delegacia. As duas. Por brigarem na rua. Depois visita Saly, a apetecida. E, finalmente, Mauá Sualé, a amada, a caçulinha, recém-adquirida.

Descobre que pouco sabe sobre sexo, sobre vida conjugal, sobre sedução. Suas concorrentes estão à frente. Na sua família católica a matéria é tabu; é pecado falar de sexo; as meninas casam tolas, sem conhecer os segredos de dar e receber prazer. Matricula-se em curso de iniciação. Participa de muitas aulas, quinze, no total. Foi até às aulas mais secretas, sobre temas de que não se pode falar. Estuda a teoria e exercita a prática. 

E  vai ao macumbeiro que tem poderes de engarrafar o marido e  lhe entregar a tampa para ela tomar conta.

Vai à tia Maria e escuta a lição histórica de que prosperidade se mede pelo número de propriedades. A virilidade pelo número de mulheres e filhos. Abraão, Isaac, Jacob, foram polígamos, não foram? Os nossos reis antigos também o foram e ainda são. Que mal é que há?

Protesta. Precisa de seu homem só para si.

Vai ao pai e às tias gordas. Recebe um sermão: “Se seu marido pasta fora, a culpa e tua. Não soubeste prendê-lo”.

Por fim, alia-se às concorrentes, faz amizade com as mulheres do marido. "Se não posso ficar com todo, pelo menos o dividamos igualitariamente".

Toma copos de vinho a mais no aniversário de Louise e quebra o jejum e a fidelidade. Vito, o rapaz bonito, se aproveitou. Até as viúvas tem o direito de aliviar o luto vez ou outra e ela é quase viúva de marido vivo. Cria gosto e a casa de Lu passa a ser sua. Vito é o segundo marido de ambas. Cama compartilhada. Afinal, Lu é do norte e não liga para exclusividades. E Rami é filha de Deus.

E para liberar o bolso de Tony de tanta despesa (a que tem direito legal), Rami promove uma revolução no harém. Desperta a vocação comercial em cada esposa. Incentiva e promove a abertura de negócios para que tenham renda segura. Para que não precisem dar o corpo em troca do pão. Para terem uma previdência para o caso de morte do marido, e não prestarem mais para o amor. 

As mulheres progridem para desespero de Tony, que não mais as tem sob o cabresto, dependentes de seu bolso. Não mais mendigam seu amor. Podem agora arrumar os homens que quiserem. E Lu já o faz. 

E Tony se desespera, corre para Rami e entrega os pontos. Não assim de um momento para outro. Leva tempo para o ferro frio vergar, que é  o ponto de ruptura (o comecinho desta resenha).  

E a autora conclui o romance de forma dramática com a improvável (pela lógica da trama) cena no meio de chuvarada: Tony “era uma ilha de fogo no meio da água. Solto-o. Não cai, mas voa no abismo, em direção ao coração do deserto, ao inferno sem fim”.

O livro nos apresenta costumes autênticos de povos africanos, costumes bagunçados pelas religiões europeias (leia-se cristianismo) que chegaram trucidando valores milenares. Como aconteceu (e ainda acontece) com os povos nativos no Brasil. É um discurso empolgado e, como tal, se repete, insiste em pontos óbvios, os quais deseja fixar no leitor. Há folhas demais envolvendo uma única fruta. São 252 páginas que caberiam (a meu ver) na metade. Queixas, arroubos... E cansa aqui e ali quando poderia empolgar sempre. Mas ganhou o prêmio Camões de 2021, cem mil euros no bolso e, por baixo, cem milhões de novos leitores, como eu, no mundo todo.

(Aracaju, 17 de dezembro de 2021, por Antônio Saracura).

XXX

BIOGRAFIA DE PAULINE CHIZIANE 

Nascida na cidade de Manjacaze, na Província de Gaza, cresceu nos subúrbios de Maputo, em Moçambique. Fez parte de uma família protestante, mas nunca foi batizada. Seu pai, um alfaiate e anticolonialista, exigia que, em casa, se falasse apenas chope, seu idioma de origem. Sua mãe foi uma camponesa. Estudou numa escola primária católica e, depois, em escolas secundárias, onde teve mais contato com valores ocidentais e desenvolveu seu conhecimento da língua portuguesa. Obteve um diploma da Escola Comercial em Maputo. Casou-se aos 19 anos, separando-se poucos anos depois, e teve dois filhos.

Realizou estudos de linguística na Universidade Eduardo Mondlane. Na juventude, participou ativamente da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). Trabalhou com a Cruz Vermelha Internacional durante a guerra civil. Após o fim do conflito, trabalhou no Núcleo das Associações Femininas da Zambézia (NAFEZA). Atualmente presta consultoria ao desenvolvimento de projetos de ajuda internacional com foco em conflitos e defesa dos direitos das mulheres.  

Afastou-se da política para se dedicar a vida literária, o que fez, segundo ela, devido a desilusão com os rumos assumidos pelo partido que ascendeu ao poder após a independência do país, em virtude das contradições sociais e  da profunda opressão imposta às mulheres, que leva ao bloqueio de suas possibilidades de independência pessoal, coletiva e econômica. 

Chiziane define-se “contadora de histórias”, e não romancista ou escritora. Ela estreou na literatura em 1984, quando publicou crônicas nas revistas Domingo e Tempo. Escreveu a seguir diversos romances consagrados, como Balada de amor ao vento (1990), Ventos do apocalipse (1993), O sétimo juramento (2000) e O alegre canto do perdiz (2008).

Niketeche: uma história de poligamia (2002) garantiu-lhe o Prêmio José Craveirinha, entregue pela Associação Moçambicana de Escritores ao melhor romance do ano. Neste romance, abordou a questão da “poligamia oculta”, presente numa sociedade na qual as mulheres são dependentes dos homens.  A trilogia de contos As andorinhas (2008) centra-se no imperador Ngungunhane, no líder da independência Eduardo Mondlane e na atleta olímpica Lurdes Matola.

Sua literatura denuncia a marginalização das mulheres moçambicanas e contempla dignamente as diferentes esferas culturais moçambicanas, sendo um instrumento de (re)conciliação entre elas.


BIBLIOGRAFIA


APA, Livia. “Paulina Chiziane”. In: AKYEAMPONG, Emmanuel K.; GATES JR., Henry Louis (dir). Dictionary of African Biography. Oxford University Press, 2012, v. 2,  p. 88-89.


CHABAL, Patrick. Paulina Chiziane. In: IDEM. Vozes Moçambicanas – Literatura e Nacionalidade. Lisboa, Portugal: Vega, 1994, , p. 292-301.


DIAS MARTINS, Ana Margarida. Niketeche, a Story of Sucess. Ellipsis, v. 7, p. 109-137, 2009.


DIOGO, Rosália Estelita Gregório. Paulina Chiziane: as diversas possibilidades de falar sobre o feminino. Scripta, v. 14, n. 27, p. 173-182, 2010.


TEDESCO, Maria do Carmo Ferraz.  Narrativas da moçambicanidade: os romances de Paulina Chiziane e Mia Couto e a reconfiguração da identidade nacional. Tese de doutorado (História),  Universidade de Brasília, 2008.

Atualizada em: 28/01/2021

https://www.ufrgs.br/africanas/paulina-chiziane-1955