quinta-feira, 30 de junho de 2022

OS CAMINHOS DA PESQUISA ANTROPOLÓGICA,

 

OS CAMINHOS DA PESQUISA ANTROPOLÓGICA, Beatriz Góis Dantas, Criação Editora, 278 p, isbn 978-65-88593-86-8.

 


A primeira parte do livro trata da família. Ibarê Dantas conta a trajetória de sua companheira na vida. E não há como não se emocionar com a narrativa que começa pelo baile de jovens em Boquim: “Quando a orquestra começou a animar, convidei-a a dançar. A mocinha de 16 anos levantou-se e unimos nossas mãos sem atinar para o significado daquele primeiro gesto singelo. Começamos a dançar e a dialogar sem saber se a interlocução duraria. Após a festa”...  

E misturando momentos estritamente particulares (os afazeres na singeleza feliz do lar) com rigorosamente públicos (a luta em busca da ascensão profissional) o livro espanta e encanta. Pela simplicidade dos fatos e pela grandiosidade do efeito: os filhos crescem ouvindo historinhas para dormir, as doenças são cuidadas com zelo, as dificuldades administradas, os desafios enfrentados, as vitórias comemoradas...

Tocou-me o discorrer poético do tupinambá Ibarê, herói de grandes batalhas e autor de proezas incomuns, como a consistente obra publicada. Um homem assim certamente tem uma grande mulher junto a ele. E tem mesmo.

O livro entra na trajetória profissional de Beatriz Dantas, os caminhos de sua pesquisa antropológica que é referência no mundo acadêmico. E doutores que testemunharam a epopeia da garotinha de 16 anos apresentam memórias, avaliações, louvores. Como faz a dra. Maria Laura Cavalcanti, professora da UFRJ, que nos mostra o mundo de “Vovó Nagô e Papai Branco: usos de abusos da África no Brasil”, que hoje tem alcance universal. Como Eufrázia Cristina Santos, doutora na USP e professora da UFS, arrematando notas sobre a antropologia em Sergipe que necessariamente passa por Beatriz. Luiz Mott, historiador, pesquisador sênior do CNPQ, e que muito pesquisou Sergipe, fala da pesquisadora, professora e ativista cultural: “Os índios foram seu grande objeto de pesquisa, Beatriz é a principal etno-historiadora de Sergipe, quiçá do Nordeste, seja pelo volume de publicações pela diversidade dos grupos tribais e temas pesquisados, seja ainda pela sua preocupação política engajada da defesa da cidadania dos remanescentes dessa etnia”.

Osvaldo Trigueiro, professor da UFPBA escreve sobre a “Mulher perguntadeira”. Therezinha Alves Oliva, professora da UFS, escreve sobre o Patrimônio Cultural que é Beatriz Dantas. Verônica Nunes, professora da UFS, mostra Beatriz museóloga. Diogo Francisco Monteiro e Kléber Rodrigues andam pelas memórias e experiências nos estudos sobre os povos indígenas de Sergipe. Vagner Gonçalves da Silva, professor da UFS, escreve sobre a arquitetura viva do mundo: “O terreiro de Macumba” e presta uma homenagem à mestra Beatriz. Lea Freitas Perez trata das Festas, da Religião e da Cidade na obra de Beatriz.

Há os depoimentos de Peter Fly (Desvendando Áfricas), de Manuela Carneiro da Cunha (Para Beatriz) e de Maria Tereza Camargo (Carta à minha amiga).

A poeta Maria Lucia Dal Farra(*), professora da Ufs, que abre o livro e que deixei passar porque queria terminar minha resenha com flashes (como se fosse possível) de seu poema “A Missionária da Memória”, canta assim.

“Ela bate tambores na Mussuca,

Bate bilros em Poço Redondo...

Ela desvela o que mora no cotidiano, revela (dos hábitos) o segredo ali premido, da artesania, a longínqua alma - a memória dos mortos esquecidos...

Tudo que vibra e é humilde e simples merece o seu olhar.

Negros, migrantes, caboclos, índios em Ilha de São Pedro, Divina Pastora, Laranjeiras, Itabaianinha.

Um largo abraço para sagrar Beatriz – a imperatriz – a cultora das artes que de Sergipe ela é”.

 

Xxx

Que sorte termos Beatriz Góis Dantas em nosso tempo! E Lagarto, sua terra natal, que extravase orgulho pelos filhos ilustres, entre os quais a estrela Beatriz!

Agradeço pela distinção em me enviar o livro logo que saiu impresso (outubro de 2011): “Ao escritor Antônio Saracura, grande divulgador de Sergipe. Com os cumprimentos de Beatriz”.

Antônio FJ Saracura, Aracaju, 29 de junho de 2022).

(*) Maria Lúcia é concunhada de Beatriz, vez que é casada com Francisco Dantas, que é irmão de Ibarê. Os dois casais são compostos de doutores da Universidade e amam as letras. Todos têm reconhecimento no Brasil e no mundo pelas obras publicadas.


terça-feira, 28 de junho de 2022

ESCRITOS OUTONAIS, Ana Maria Fonseca Medina

 

ESCRITOS OUTONAIS, Ana Maria Fonseca Medina, 2021, EGBa, 174 páginas, Isbn 978-65-89131-30-4.

 


Ana Medina Fonseca nos oferece em cada livro que lança mil poemas lindos. Cada frase é um verso burilado, um diamante. Ana é esmerada, caprichosa, não deixa por menos. Desliza ancha pela arte que arrebata e que emociona. Os seus textos, se não contassem nada, nenhuma história, seriam belos por si só, flores do campo pingadas de orvalho em uma manhã de inverno.

Mas ela nos oferece em seus livros a riqueza de nossa terra querida, a começar por Boquim, que sempre aparece bucólica e mágica. Boquim do tempo de menina. E os valores sagrados da família, da fé católica, do povo simples e do povo ilustre. A glória dos últimos e a esperteza e irreverência dos primeiros. E entram os contadores de causos que não relutam em mentir para mais espantar; carreiros, senhores do cabeçalho potente e da dianteira inteligente, como Zé Pequeno da Fazenda Garangau. E entra João Cachorro acompanhado de um cachorro pedindo esmolas na cidade, uma para si e outra para o companheiro; e Maria Cheirosa, que a molecada chamava de tapioca e ele se danava, dizia que tapioca era a mãe. E até o moleque de recado que corre entre as fazendas e a cidade integrando as pessoas como se fosse uma rede social dos tempos de agora, envolto em rápido zéfiro que somente eu vi.

Bem, assim é este “Escritos Outonais”, irmão de “Trilhando Memórias” (2013) mas também de toda a vasta bibliografia que citarei (alguns títulos) que já são clássicos. Menos se espera e Ana lança uma obra indispensável.

A Ponte do Imperador (1999);

Cartas de Hermes fontes – Angústia e Ternura (2006);

Efemérides Sergipanas de Epifâneo Dórea (2009);

Mário Cabral Vida e Obra (2010);

Crônicas da Passagem do Século de Edilberto Campos (2017);

Valmir Fernandes Fontes biografia (2019).

As obras são sóis acesos sobre valores que jamais poderemos esquecer, de taumaturgos que plantaram as bases da sergipanidade, o orgulho de ser daqui. Se ela não cria, ressuscita heróis. Dom Luciano Cabral Duarte, Hermes Fontes, Mário Cabral, Epifâneo Dórea. Não apenas temos os semideuses, temos os feitos que os glorificaram.

Desfilam monstros sagrados, como Alberto Carvalho, itabaianense que me puxou as orelhas quando ajeitei uma frase que me pareceu errada em sua crônica domingueira de “A Cruzada”, mas escondia um patamar além de meu entendimento. E Carmelita Fontes que foi Gratia Montal nas colunas do mesmo jornal e tive a honra de andar ao seu lado pelos campos da Judeia castigando infiéis. 

Reencontrei Padre Claudionor de Brito Fontes que montou um pensionado na casa paroquial da catedral e eu me inscrevi. Jamais fui chamado, comi, se quis, a garoroba de dona Alzira na esquina da São Cristóvão com Capela.

O jovem pároco de Itabaiana, Gilvan Rodrigues, que me contou sua história de superação em Jerusalém, ganhou páginas justas para seu trabalho e pregador da doutrina sagrada. E o poeta Wagner Ribeiro, sonetista clássico e cordelista brejeiro, que passava tardes batendo papo com os farinheiros de Itabaiana no mercado central de Aracaju e me dizia: “É minha gente de valor”.

Eunaldo Costa trazendo em seus versos os cocos e as melancias da Barra dos Coqueiros...

Goes Duarte, pai de dom Luciano Cabral e apaixonado pela meiga normalista cuja simplicidade encantadora encheu-lhe um dia o coração e a vista.

Maria Lígia Madureira Pina, que me ofereceu o colo amigo e que acalentou o tabaréu desajeitado, tecendo crônicas sobre livros que bisonhamente escrevi; como pode ir para o Céu tão cedo se o céu estava aqui com ela?

Meu conterrâneo santo da igreja, só estou esperando a festa da canonização, padre José Gumercindo Santos, filho dos holandeses do Zanguê de Itabaiana, de onde saíram os poetas João de Deus Souza e Zé Crispim, passou a vida encontrado boas saídas para o rebanho carente mas teve seus tapetes puxados por quem deveria estendê-los.

Horário Hora, Florival Santos, Álvaro Santos, Freire Pinto, Estácio Bahia, Benjamim Fontes...

 

Eu nunca ouvira falar da “Rapsódia Sergipana” e nem de Stela Leonardo da Silva Lima Cabassa que Ana me apresentou aqui de sopetão. Fiquei zonzo com as xácaras, os cantochões e os benditos falando de nossa lendas, como Belchior Dias, Maria Pereira, João Canário e muitos outros que vão sumindo das lembranças.

A segunda parte do livro, que misturei aqui e ali com a primeira, é composta de gostosas crônicas sobre sentimentos, infância, aulas de catecismo... E encontrei velho Luduvice, beato da igreja do seminário, que sempre estava no meio dos seminaristas e acho que é o pai de Conceição (de quem Ana fala) e de Luduvice José, seminarista como eu, mas que virou jornalista ilustre. Um dos poucos da minha prima sacristia a me abraçar no retorno com os alforjes cheios de histórias pra contar. Mas preciso encerrar com Marylin, uma crônica especial, escrita com azougue. “E o palhaço o que é? Ladrão de Mulher.” A menina órfã chamada Zefira, criada de favor viu no circo Tyrol as asas de voar. E pediu ao palhaço para fugir com ele. O palhaço não negou a fama e levou Zefira embora. Não adiantou o serviço de autofalante do vigário Cravo chamar Zefira de volta, pois ela, logo depois, era atriz de teatro e se chamava Marylin. Mas a menina triste teve glória passageira.

Uma rajada de sangue se desprendeu de seu corpo e ela caiu morta em pleno espetáculo. Estava esperando um filho. O palhaço a envolveu em um beijo. Duas lágrimas brancas de alvaiade cobriram o rosto de Marilyn. A plateia foi ao delírio, palmas e pedidos de bis. Nem percebeu que, naquela hora, era a vida que imitava arte.  Como viver de verdade outra vez após a morte?

Obrigado, Ana Medida, seu livro é muito bom.

 

Aracaju, 28 de junho de 2022, por Antônio FJ Saracura.

 


domingo, 26 de junho de 2022

SERGIPE UM ROTEIRO TURÍSTICO, HISTÓRICO E CULTURAL

 

SERGIPE UM ROTEIRO TURÍSTICO, HISTÓRICO E CULTURAL, Amâncio Cardoso, 2022, Artner Editora, Aracaju, 136 páginas, isbn 978-65-88652-53-6.

 


A editora Infographics sempre disponibiliza livros para suprir a Geloteca que a Academia Itabaianense de Letras mantem no shopping Peixoto em Itabaiana. São sobras de edições que poderiam ser enviadas para a reciclagem, escaparam à encomenda. As gelotecas (outras também recebem) oferecem literatura à base de troca livre com leitores dispersos. O leitor leva um e paga com outro livro (se quiser) para que a corrente persista. Assim, ajuda a circular o sangue das sabedorias e dá vida ao nosso ser cultural. Há várias instaladas em outras cidades e em escolas, quase sempre construídas a partir de sucatas de geladeiras, daí, talvez, o prenome Gelo... e que são, na sua maioria, construídas fornecidas pela Infographics Editora, uma fábrica de livros de Aracaju.

Antes de levar a última remessa de livros para Geloteca da AIL, olhei as capas (como sempre faço) e, curioso, bispei o conteúdo de alguns, menos os de minha autoria e os já lidos, que seguiram livres. Tenho me batido, nessas olhadas, com joias, como esta, “Sergipe um roteiro turístico...” de Amâncio Macedo.

Não resisti e o retive comigo para ler. Paguei o "empréstimo" com um livro de minha autoria, mas agora vi que paguei muito pouco pelo Roteiro... que é um consistente e rico, sem empolgação, expondo informações técnicas garantidas por bibliografia informada. 

Talvez a obra não cubra todo o universo desse Sergipe turístico, histórico e cultural, mas traz muito mais do que esperei achar. 

Vai do conceito de Sergipanidade a uma ilha perdida na boca do Vaza Varris, chamada de Mem de Sá. O miolo é um lugar imenso que nos orgulha e encanta. Meio abandonado aqui e ali: ouro jogado, mas mesmo assim grande, muito maior do que sua terra e seu céu:

A Grota do Angico onde Lampião morreu; as farinhadas, que encheram minha infância de raspa de mandioca; o gado, que tangi e chamei nas lidas do sítio Saracura; a banca de cordel do ceboleiro João Firmino; o misterioso Inácio Barbosa, de quem nem fotografia há, e que morreu talvez envenenado por arsênico, conforme consta no “Cotinguibeiro”, coluna do Diário de Pernambuco, publicada em 08 e outubro de 1855.

A Praia formosa ou 13 de julho que a cidade engoliu, com ruas escorregadias e lamacentas, como “Caga de Pé” que hoje é Raimundo Fonseca e “cu tapado” que hoje se chama José Sotero.

Eu revi as gestas, quase apagadas dentro de mim: cantei a do Boi Epitácio, a do Rabicho da Geralda... Do Boi Surubim recolhi esparsos fragmentos, mas a saboreei, mesmo assim. E chorei com o conto “A mágoa do Vaqueiro”, do escritor maruinense Alberto Deodado, incluído no livro "Canaviais" publicado em 1922, e com o qual nunca me bati, mesmo tendo o tino de caçador de livros raros. Com a gesta, varei as matas de Gararu, atrás de Pintadinho, boi enfeitiçado pela velha Lauriana. Quase me estropiei como os outros onze vaqueiros cearenses já haviam se estropiado. Fui o sétimo contratado pelo coronel Rocha e sou daqui mesmo dos campos sergipanos. Dei novo fogo à surreal caçada, na qual falávamos o nome do boi em voz baixa, com medo da mandinga de Lauriana pegar na gente. 

E o Batistão, que foi feito em meu tempo... nem mais me lembrava de que possuía dez salas de aula para atender 1.200 alunos, em três turnos, o ensino focado no esporte, estavam ao lado de um parque esportivo espetacular. Já há bom tempo, as ditas salas acomodam sedes de federações esportivas e delegacia policial.

Brefácias e Burundangas de Carvalho Deda sempre me encantou, mas a Festa do Barricão nem tanto. Homens malvados iam às casas onde moravam moças idosas e virgens para as constranger. Um dos mascarados, dentro de uma barrica, recitava versos alusivos ao celibato, que eram respondidos em coro, ao som de uma sanfona e de um reco-reco, pelo alucinado séquito. Eu, no lugar da moça donzela, metia bala nessa corja. Quem tem a ver com minha má sorte um bom azar em não arrumar marido, que é o que mais quero na vida? 

E o poeta trovador itabaianense João Canário, meu Deus! 

Cego, negro, cantador de feira que tinha desgosto de não saber tocar viola, ralava um querequexé de fraldes para marcar sua cantiga. Então, o moleque Caboco Liso, os olhos de João, recolhia as propinas dadas embolsando uma parte. João morreu na miséria, mas hoje é patrono cadeira 11 da Academia Itabaianense de Letras cujo ocupante é o prolífero escritor Carlos Mendonça, especialista em biografias, romances picarescos e tem alentada obra sobre nossa terra.

Praia dos Náufragos na orla sergipana... mentes mal iluminadas da área de turismo veicularam em folhetos que o nome se deve a naufrágio corrido em 1907. Os 551 náufragos mortos em 1942 no afundamento de navios pelo submarino alemão U-507, atingidos em sua memória, levantaram-se das tumbas e protestaram. 

(Todos olhamos para o velho cemitério do Robalo, silencioso. Os mortos não moravam mais lá (página 105)).

O autor usa palavras boas que formam imagens que me encheram o peito de amor à minha terra que, para ser nossa mesmo, precisou atropelar na época os próprios sergipanos batizados na Bahia.

"SERGIPE UM ROTEIRO..." é um bom livro para ler e para ter em casa. Mesmo que a casa seja um apartamento kitnete do tamanho do meu.

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju 26 de junho de 2021).

 

 

 


quarta-feira, 22 de junho de 2022

NO ARDOR DOS LIVROS

 

NO ARDOR DOS LIVROS, Estudos sobre Maria Lucia Dal Farra, Ana Vilela, Fábio Maria Silva, Inês Pedrosa, Rosa Fina (org.), Sol Negro Edições, ARC Edições, Isbn 978-65-86916-12-6

 


Recebi um exemplar autografado do livro "No Ardor dos Livros". Obrigado. Tinta lilás, letra círica do próprio punho da autora, Dal Farra. ”Ao grande Saracura, para dividir a alegria, grande abraço ..... Morada do Rio, 05/07/2021". Então, Maria Lúcia Dal Farra chegou aqui em casa vestida de poesia e de louvores. Obrigado pela dedicatória que não consegui (e nem precisava) traduzir inteira.  Mas entendi que a autora compartilhava comigo a alegria imensa que vivia. E como fiquei alegre também!

No Ardor dos Livros é alentado livro com 294 páginas tratando desta sergipana que não esquece sua origem em Botucatu. Mas sua poesia é nossa (muito mais) com toda sua arte, assim como é nosso o romance de Francisco Dantas, seu esposo. Os dois produzem obras que nos elevam e enlevam. Coivara da Memória, Os Desvalidos, Alumbramentos, Livros das Auras... Que os mantenho ao meu alcance sempre, junto com os irmãos tão bons quanto, nascidos da mesma união  e de outros admiráveis magos das letras.  

O livro começa com uma entrevista de 20 páginas, na qual a autora  não se esquiva. Abre-se sincera e inteira. E como é bela! (Que me perdoe a petulância). Cada resposta dada por Maria tem a consistência da tapioca enxuta saída das farinhadas no sítio onde nasci e tem a beleza da Serra de Itabaiana para Maria Thetis Nunes (mais bela que os Alpes e os Andes) e para mim (não conheço outra além de Itabaiana). Maria Lúcia discorre vasta sobre suas múltiplas faces; a vida de escritora; o entendimento de poesia; a ligação com Florbela Espanca e com Herberto Helder; como entende a própria obra literária... 

E uma passagem especialmente me atingiu, pois tem meu jeito de ser: “eu (uma menina de 13 anos) não podia admitir que, doravante este livro (Memórias Póstumas de Brás Cubas) fosse ignorado pelos que me rodeavam”. 

Apenas esta curta Entrevista  (inesgotável na abordagem da pessoa, do contexto em que vive, da linha de pensamento - os por quês -  que a faz ser assim tão grande) vale um livro por si só. .

E em seguida, no capítulo 2, desfilam os depoimentos de mestres que conviveram com a obra e com a autora: Ana Maria Domingues de Oliveira (roxo é a cor mais quente); Marlise Val Bride (É tudo verdade...); Adriana Sacramento e outros (Homenagem a Maria Lucia); Inês Pedrosa (Homenagem), Paulo Mota Oliveira  (Por corredores que não dão para dentro). 

O capítulo 3 trata de Maria Lucia traduzida. Estudiosos, como Cris Gerry, Matteo Pupillo e Mercedes Gomes Almeida apresentam fortunas em outros idiomas. Dei uma brecada, mas segui em frente, pois até meu português precisa ser revisto, e bem que o inglês de with love, desceu bem. Até achei  que Matteo Pupillo, logo a seguir, escrevia em inglês. 

O capitulo 4 compõe-se de artigos... Muitos artigos, acredito que publicados em jornais e revistas especializados, tratando da obra (ou parte dela) e da poeta. São de autoria de plêiade de acadêmicos, que achei justo citar todos, mesmo sem comentar o assunto abordado, um pouco para instigar a leitura do livro e chegar ao fim desta resenha que precisa ser breve: 

Adriana Sacramento analisa a poesia no livro Terceto para o fim dos tempos (2017);

Catherine Dumas estuda e disseca o poema Herança publicado em Terceto para o fim dos tempos.

Cláudia Pazoa Alonso fala de Clarividências na poesia de Florbela e Dal Farra; 

Deolinda Adão trabalha os diálogos poéticos entre tons de lilás em Dal Farra; 

Edson Santos Silva vasculha a recensão (notícia crítica resumida, publicada em revistas técnicas)  de alguns poemas de MLDF;

Fábio Mario da Silva e Paulo Geovane e Silva - o significado de Fruto Proibido em dois poemas de Maria Lúcia; 

Helder Garmes - Urdidura na narrativa e memória em Inquilina do Intervalo (livro de contos de 2005 de MLDF);

Iná Camargo Costa escreve sobre um Terceto (para o fim dos Tempos, e seu manual de instruções); 

Iracema Goor e Anita Costa Malufe  trabalham Labirinto da Memória em Terceto (citado antes);

Isa Margarida Vitória revela uma gratidão à mestra; 

Ivo Falcão da Silva trata de Florbela e Gilka Machado em MLDL;

Jonas Leite - De Maria Lúcia para Florbela, com amor;

Kalina Naro Guimarães fala de coisas de mulher em dois poemas de Dal Farra;

Patrícia da Silva Cardoso - As palavras e suas formas concretas no poema de Fiama Hasse País Brandão vistos por MLDF;

Rafael Campos Quevedo   Linha amorosa  de Maria Lúcia,  leitura do poema Amor em Alumbramentos; 

Rogério Alves Freire - A subversão do papel feminino em Florbela, Mariana Alcoforado e Dal Farra.

Para conhecer bem Maria Lúcia cabe ler a fundo sua obra e/ou as mil visões dos estudiosos a respeito. É mais ou menos, o que diz Marlise Vaz Bride, página 37 deste No Ardor dos Livros, ao falar  de outro monstro (ainda não passei em sua caverna), Vergílio Ferreira. 

E para encerrar estas mal traçadas linhas, copio (porque não conseguiria ser mais claro) o que escreveram os organizadores deste No Ardor dos Livros sobre Maria Lúcia: “Em tudo que escreve, não deixa de afirmar a sua plena singularidade expressiva, caracterizada pelo rigor e pela depuração formais e pelo fulgor poético do real que transfigura”.

Um grande abraço, Dal Farra, pela distinção com que me trata.

 

(Por Antônio FJ Saracura, 22 de junho de 2022)



terça-feira, 21 de junho de 2022

REVISÃO DE TEXTO COERÊNCIA E COESÃO, João Lover

 


REVISÃO DE TEXTO COERÊNCIA E COESÃO ESCREVER: TÉCNICA E ARTE, João Lover, J Andrade, 452 páginas, 2021, Isbn 978-65-89836-54-4

 


O poeta João Lover (quatro livros de poemas publicados) quando cisma em retornar, em ir, em estacar, não há quem empate. Por uma vírgula, gasta uma manhã inteira debatendo. E é melhor o contendor ceder, pois passarão os dois encangados o resto da vida, morrerão secos, e João não cederá um milímetro. No que João diz, há substância e base sólida. As armas que carrega são azeitadas. E suas artes são a literatura e a música, que, em regra, só fazem o bem, no que João é expert. Ele age especialmente na origem do fato (produção da obra), seja romance, seja canção... Acompanha as produções literárias como se fossem suas crias, vibrando com o encantamento que propiciam e com o sucesso que auferem.

João conhece o segredo da volta do anzol, do veneno que habita a ponta afiada, do zunido da linha cortando o ar, da tentação irresistível da isca bailando no espelho da água. Uma palavra mal colocada pode transformar em desastre a pescaria. Há um jeito e um local certo para a palavra entrar na frase, para que o anzol fisgue o peixe vivo, não o sapato velho jogado. E, algumas vezes o escritor se passa, eu me passo.

Joao Lover é meu parceiro desde 2013, quando foi cumplice silencioso na publicação do belo (gosto demais) “Tambores da Terra Vermelha”.

Entre brigas e tapas, temos juntos buscado o melhor jeito de dizer sem erro o verso que valha a pena ser lido e que mude o mundo. Nem sempre chegamos ao consenso. Mas não abro mão deste leitor prévio que revisa e critica o livro que invento publicar. E, sempre, arrufado pela última encrenca, João sorri cordial quando boto o novo original à sua frente. E como temi que refugasse implacável!

O revisor (João ou outro), para mim, é o leitor chato que incomoda agora, que precisa ser calado (quiçá, ele aplauda) quando o livro for lançado, que os escritores (iniciantes ou experientes) precisamos (deixe de orgulho vão!).

E João conhece esta ciência que ele aprendeu com feroz e persistente empenho. É o dono da receita da família, sabe a reza forte que cura e que o rezador reza baixinho e com a voz engrolada para somente o Santo entender. Mesmo assim, resolveu revelar em livro o segredo que manteve sob sete chaves até então. Acho que se percebeu insuficiente para dar conta de revisar a todos os livros que surgem por aqui. Ou sei lá o que percebeu. Quem ganha é o escritor de carta, de anúncio, de poemas, de romance, de um reles bilhetinho...

O livro saiu agora; e já tenho meu exemplar, que, tal qual o Aurélio, será meu guia de todo dia nas minhas escritas. E se chama "Revisão de Texto... Coerência e Coesão... Escrever: Técnica e arte... a senha, a chave e o segredo". Um nome tão comprido que já o apelidei carinhosamente de “Revisão de Textos”.

São 452 páginas de lições essenciais ao artista que lida com palavras. Está além das gramáticas e dos manuais que circulam. Entretanto, não dispensa a responsabilidade do autor, que é o celebrante da missa. Por mais que o sacristão ou o coroinha façam, o vigário precisa estar de olho para que a celebração não vire ode a Odin.

O livro está dividido em três grandes segmentos: Livros 1, 2 e 3.

O livro 1, “Revisão do texto”, tem 226 páginas e trata da gramática, dos equívocos, apresentam-se exemplos com comentários que elucidam, com citações que marcam... Discute-se a importância de verbos, de substantivos, a necessidade ou não de adjetivos, e muito mais...

O livro 2, “Coerência e Coesão”, tem 94 páginas. Mostra como escapar da escrita dispersiva, enfadonha, que pode fazer o leitor abandonar o livro. Ensina que é essencial boas conexões e não contradições entre os segmentos frasais.

O livro 3, “Escrever: técnica e arte” tem 99 páginas, que discutem leitura, pensar, estilo... inspiração, criação, ritmo, sonoridade e muito mais...

“Revisão de Textos” precisa estar a mão de todo escritor, estudioso, revisor, professor, jornalista, jurista etc... Pois somos todos navegantes no mesmo mar.

(Antônio FJ Saracura, Aracaju 21 de junho de 2022, revisado em 21 de janeiro de 2023).

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sexta-feira, 17 de junho de 2022

ESQUINA DO ARCO-ÍRIS, Jilberto Oliveira

 

ESQUINA DO ARCO-ÍRIS, Jilberto Oliveira, 2022,Artner, 191 páginas, Isbn 078-65-88562-75-8

 


 

Jilberto Oliveira vive em Malhador, é professor e passou boa parte de sua vida em São Paulo, migrante, aposentou-se como bancário. Ele conta essa epopeia em “Trilhas do Cipoal” (2021), romance biográfico (penso que é) que li e gostei. Trilhas é rico de memórias tanto sobre Jilberto moleque na zona rural de Malhador como sobre o profissional de sucesso  na capital paulista.


Rapidinho, Jilberto lançou novo livro, outro romance também biográfico (ele vai negar, porque nem tudo são memórias particulares), “Esquina do Arco-Íris” (2022). Um broto de Trilhas a meu ver, pois nasce em um momento daquele e explora e estende aspectos do mesmo contexto.


De uma vida aguerrida e bem documentada na memória (lembranças) ou em anotações (diários) pode nascer uma coleção inteira de livros. 


Ouvi, outro dia, em entrevista dada ao professor Carlos Alexandre, em canal de Youtube, o professor Jilberto dizer que está finalizando novo livro, este de crônicas, e que sairá em 2023.


Só tenho que louvar mais um parceiro efetivo nessa missão de acender luzes sobre os costumes e história de nosso povo esquecido e um tanto menosprezado até por ele mesmo.


“Esquina do Arco-íris” é um livro leve, construído ao correr da pena, notadamente até o capítulo XI (página 53), quando se limita a seguir os passos do narrador em aeroportos, na cidade, em contatos sociais... Inocentemente. Eu louco atrás da brasa escondida que não conseguia identificar.

Então, dona Jô expõe suas intimidades de um modo não usual. Era o ninho a serpente se bulindo, e foi. Aparecia o necessário visgo condutor, sinal evidente de que valia a pena seguir em frente na leitura do romance. E até o final do livro, mesmo no tempo em que a heroína hiberna (mas age em volta com esperteza) quando acontecem os namoros menos tórridos (nem precisava haver namoros), há no ar uma trovoadas se armando. 

E acontece o golpe fatal, que faz o final do romance espetacular, se bem que esperado, mas nem por isso menos.

Dona Jô é o sol que esquenta “Esquina do Arco-Íris” e é quem fica como marca indelével desse saudável romance de Jilberto Oliveira, que tem fôlego e jeito para produzir literatura útil.

Que venham novos livros!


(por Antônio FJ Saracura, em 16 de junho de 2022)

quinta-feira, 16 de junho de 2022

MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES, Gabriel Garcia Marques

 

MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES, Gabriel Garcia Marques, Record, 11 edição, 2006, tradução de Eric Nepomuceno, 127 páginas, isbn 85-01-07265-6

 


 

Gabriel Garcia Marques é um dos grandes autores da América Latina. Ganhou o Nobel de Literatura pela sua obra, em 1982, com destaque para “Cem Anos de Solidão”, um livro eterno mais pelo jeito da narrativa e riqueza de aspectos do que pela a espetaculosidade do enredo. Todos falam dele, mesmo os que nem o viram de perto ainda. E falam bem. E merecidamente.

Um livro bem escrito e que conte uma história que encante, dificilmente cai na vala do esquecimento. O cupim não vai sentir o gosto de suas páginas inúteis. Porque não são. Quem o ler, faz comentários positivos e o recomenda aos amigos e até a quem nem conhece. Livros assim espantam o medo maldito que todos (até crianças) têm de livros. Parece-me que têm.

E todos nós merecemos um livro bom. E também merecemos bons filmes, boas músicas, boas telas plásticas... Nenhum cantor reclame de que não tem sucesso se suas canções não tocam a alma do público... Este é o alvo fugidio de todo artista. 

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Nos idos de 1965, por conta da minha atividade jornalística, assinei uma coluna de crítica de cinema no jornal “A Cruzada”, de Aracaju. Eu possuía passe livre nos cinemas da cidade, não perdia um filme. Alguns deles, eu abandonava a sala de projeção antes de acabar, eram ruins demais. Mas os que me sequestravam da poltrona para sua história e magia... Meu Deus! Quando a sessão acabava, eu saía correndo avisar aos amigos (o jornal só saia no domingo). Um filme tão bom não poderia ser exibido para sala vazia! E havia quatro pés de gente para a próxima sessão. Meus amigos  (ou conhecidos) não passavam, àquela hora, em frente ao Pálace, pela rua João Pessoa. E eu ficava relutando em abordar estranhos. Tinha medo de ser chamado de louco, que talvez eu o fosse.  Mas estava em cima da hora da sessão. Parava então o primeiro estranho que ouvia atônito. “Você não pode perder! Venha assistir La belle de Jour (ou Cidadão Kane, ou Lolita, ou Ao Mestre com Carinho, ou por Um Punhado de Dólares), que é bom demais”. O juiz imponente, que saíra do tribunal ainda de toga, me olhava atravessado e se ia a me chamar de “doidinho maluco”.

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Outro dia, passei em frente ao sebo do setor médico e caia chuvinha inesperada. Entrei no sebo e saí, quinze minutos depois (a chuva se fora), com “Memórias de Minhas Putas Tristes” e mais duas brochuras de Agatha Christie, que minha esposa adora.

Acabo de ler as “Memórias de minhas Putas".

O personagem centra é o narrador, escritor de província, que publica crônicas no jornal da cidade. Está fazendo aniversário de 90 anos e resolve passear na fantasia, reviver sua vida de amor livre, comemorar seu aniversário no pecado da luxúria. Telefona à cafetina de outros tempos, Rosa Cabarcas, famosa por pescar belas meninas e as oferecer aos senhores endinheirados e de "bons" costumes. 

Mas o desejo de honrar seu aniversário de noventa anos com uma noite libertina foi tão grande que lhe pareceu um recado do céu. E teme que a velha bombeira (especialista em apagar candeeiros no passado), nunca achará  seu tesouro. 

O telefone toca e ele escuta surpreso a a cafetina aposentada com a voz enferrujada: “Você tem a sorte do demônio. Encontrei uma franguinha melhor do que você queria, mas tem um porém: ela tem quatorze anos... Eu não me importo de trocar fraldas... Mas quem vai cumprir por mim os três anos de cadeia”?

O narrador topa na hora. Morreria na cadeia... Qual a diferença?

“Fui de táxi mas parei no cemitério para não dar bandeira ao taxista como se esse povo pudesse ser ludibriado. Entrei no armazém, sob a saudação de um mulato esquálido que descansava sentado ao portão e deve ter me reconhecido: “Salve, doutor, que tenha uma feliz trepada”.

Rosa estava despachando um cliente quando entrei nas pontas dos pés. Não sei se me desconheceu de verdade ou se fingindo para manter as aparências da mercearia decadente. 

(...)

"A bela infanta Delgadina trabalhava o dia todo apregando botões em uma fábrica de roupas. Cheia de sonhos nem ainda sonhados. De desejos não realizados. Dorme cansada agora ao meu lado. E eu canto  olhando seu corpo branco: “Delgadina, Delgadina, tu serás minha prenda amada. Os que não cantam não podem imaginar o que é a felicidade de cantar. Eu havia achado que morrer de amor não era coisa senão uma licença poética. Mas agora estou morrendo de amor e não trocaria por dinheiro nenhum do mundo as delícias de meu desassossego.

Agora, tudo que tenho gastarei para manter Delgadina para mim. O luxo de uma amante assim novinha, assim platônica, custa caro. 

Nunca deitei com mulher alguma sem pagar; as poucas que não eram do ofício as convenci ou pela razão ou pela força que recebessem meu dinheiro nem que fosse para jogar no lixo. Venderei até as últimas joias da família, que sei valer quase nada, porque minha mãe trocou os diamantes por vidro, e me pediu (eu sempre a acompanhava em menino) para não contar nada a meu pai”.

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“Memórias de minhas putas tristes” é um hino de louvor à vida e ao amor. Da adolescente que dorme diáfana (uma bela adormecida) a espera de seu príncipe encantado. Também do velho jornalista enfadado de tanto escrever resenhas maçantes apenas para preencher espaço no jornal.    

E lhe diz Rosa Cabarcas:  “Ai meu sábio triste. Está bem que você esteja velho, mas não idiota. Esta pobre criatura está zonza de amor por você”.

"O barco fluvial dos correios, atrasado uma semana por causa das secas, entra bramando no canal do porto. Minha casa começa a gozar das cores de uma aurora feliz. É enfim a vida real, com meu coração salvo, e condenado a morrer de bom amor na agonia feliz de qualquer dia depois dos meus cem anos”.

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Não importa o trabalho que deu, o que temos a comemorar é que Gabriel Garcia Marques produziu mais um livro, “Memória de minhas putas tristes”, que encanta e conquista leitores.  Um livro que espanta esse medo de ler que nos habita. Tomara que sim.

Ele e outros de grandes escritores nos abriram um mundo novo, como fez Bill Gates e Paul Allen com os computadores amigáveis e indispensáveis hoje. Ninguém os pedia, mas todos os queríamos sem nem saber. Os que não querem saber de ler livros, jamais os dispensarão após conviverem com um bom livro, como este. 

Dizer ao vento de que aqui  não há leitores é como dizer que ainda não temos irresistíveis  livros.  

 (Por Antônio FJ Saracura, em 16 de junho de 2022)

 Nota:

Por volta de 2000, tive a satisfação de recuperar edições deste jornal (A Cruzada), haviam sido digitalizadas pelo Instituto Histórico de Geográfico de Sergipe. Minhas resenhas ressurgiram vivas.  

 


quinta-feira, 9 de junho de 2022

CHICO, O VELHO, Ronaldo Pereira Lima, digo, Ronperlim

 

CHICO, O VELHO, Ronaldo Pereira Lima, digo, Ronperlim, por volta de 60 páginas, editora Prima, 2022, romance ambientalista, isbn.

 


Meses atrás, Ronperlim me enviou o manuscrito digital de pequeno romance e me pedia para ler e dizer o que achava. Eu ajo assim também com meus livros, Antes de os  publicar submeto-os a leitores próximos. E Ron tem sido um parceiro e tanto, oferecendo sugestões valiosas. 

Abracei a tarefa. Claro que jamais mudaria o rumo do trem. Apenas botaria azeite nas conexões dos trilhos, que secariam com um sopro, se assim quisesse o autor. 

Fiz isso e, depois, quando o livro saiu da gráfica e tive acesso,  nem conferi se Ron usou minhas considerações. Li-o como se fosse uma história nova, me surpreendendo a cada passo. 

Ronperlim (Ronaldo Pereira de Lima) é ganhador de prêmios literários. Fui seu companheiro em um deles, o Secult de Literatura de 2010, infelizmente o último  promovido pela Secretaria de Cultura do Estado de Sergipe. Ele, com o livro infantil “Laura” e eu, com “Minha Querida Aracaju Aflita”, que ainda vive e goza de boa saúde.

“Chico, o Velho” fala dos pescadores e de suas famílias ancoradas na beira do Rio São Francisco, ali em Porto Real do Colégio, nas Alagoas... Tentando pegar o peixe do dia, prosando embaixo dos pés de benjamim, sugando o mel da cana  que gera sonhos. O livro é um álbum de fotos vivas e revela o dia a dia desse povo, o jeito de pensar e de agir: remendando redes, espalhando armadilhas nas águas e sempre a cultivando laços da camaradagem. 

A prosa é leve e reveladora. A trama é desenvolvida com tão natural beleza, que até o trivial diário encanta. 

“Ele se calou. Não tendo o que responder, voltou o rosto para o teto e observava a teia de aranha. Nisso, sua mulher punha a mesa. Nela, estavam dispostos feijão, farinha e três postas de tilápias sendo que, a maior estava destinada para ele. A mesa estava composta por quatro crianças, uma mulher pálida e um homem revoltado. Joaquim, o filho mais velho, o espiava. Atreveu-se com uma pergunta simples e breve, mas sem resposta. Por cima do prato uma mosca voava. Com uma das pernas sobre a cadeira estirou a mão oleosa, pegou o peixe e mordia-o com veemência”.

Ronperlim preocupa-se em revelar paisagens e almas em ação em seu mundo decadente. “Chico o Velho” é do tamanho desse povo que vive do rio, tem-lhe amizade, e se queixa de que o amigo está escondendo o peixe. Seria um pedido de socorro? 

Quem está destruindo o rio? Quem leva os peixes para as profundezas tenebrosas onde moram os duendes marinhos também assustados? 

Quem pode socorrer os pescadores se os responsáveis (escolhidos pelos pescadores) nem ligam para o rio e nem para seu povo?  

 

Aracaju, 09 de junho de 2022, por Antônio FJ Saracura