domingo, 26 de dezembro de 2021

O RESGATE DE ALICE - ebook


O RESGATE DE ALICE, Eraldo Oliveira  Almeida – 1ª Edição (Livro Digital, 425 páginas, Lagarto Sergipe, produção independente, 2021... Ficção Policial,

 


(SÍNTESE PELO AUTOR)

“Quando o tráfico internacional de mulheres sequestra uma garota de 13 anos em uma das capitais do Nordeste brasileiro e a polícia se mostra incapaz de desvendar o crime, o pai da menina contrata uma LIGA de justiceiros para encontrá-la. A missão é confiada a uma bela, extraordinária e enigmática agente que parte em uma caçada eletrizante aos raptores, encontrando-os e os eliminando na Europa e na Amazônia brasileira. Ação inteligente e sedução mortal são as marcas de Estela Mare, uma linda justiceira forjada nas selvas semiáridas do Brasil e enviada para as mais surpreendentes e emocionantes aventuras nos seis continentes”.

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Encontrei o rapaz (já quase senhor) na Escariz nessa missão que toco em frente para conquistar adeptos para a literatura daqui. Depois do esquenta comercial, ele me disse: “sou escritor também, mas de livros policiais. Talvez eu seja o único de Sergipe. Mas meu livro (por enquanto só publiquei um), O Resgate de Alice, é digital, está na Internet. Sou Eraldo, de Lagarto, moro lá. Fui premiado em concursos de contos policiais, e ainda não os puliquei”.

Olhei o escritor desconhecido, entre surpreso e encantado. Eu sou igual à Florita, minha mãe, que se já foi, não guardo segredos, especialmente os meus.  Paguei com a mesma moeda, contei-lhe um pouco de mim.

Em casa, recebi de Eraldo o PDF de “O Resgate de Alice”. 435 páginas.

Comecei a ler, em consideração à gentileza de me enviar, mas calculei que, depois da décima página, daria uma passeada superficial nas 425 finais.

Agora, três dias após ter começado, encerro a leitura tim-tim por tim-tim emocionado, pingando lágrimas dos olhos. Não consegui parar, roubei tempo reservado para escrever meu novo romance. Mas valeu a pena.

No livro, há família (que me fez chorar), há camaradagem, há tiros fatais, há sorte, há milagres, justiça, castigo impiedoso e justo. Há cenários espetaculares, que são os grandes segmentos na busca à garota Alice, 14 anos, sequestrada da família em Aracaju e vendida ao mundo do crime. 

O livro é assim organizado (para dar uma ideia de sua dimensão): 

 

P R Ó L O G O

CAPÍTULO I - A FORTALEZA TREZE –

CAPÍTULO II - CENTRE D’ENTRAÎNEMENT DES MODÈLES -

CAPÍTULO III - N Á P O L E S –

CAPÍTULO IV - O GRITO DAS INOCENTES -

CAPÍTULO V - ORGANIZAÇÕES RUGGERO MARTINO-

CAPÍTULO VI - POLIZIA DI STATO-

CAPÍTULO VII - A ILHA DE CAPRI -

CAPÍTULO VIII - NO COVIL DA SERPENTE –

CAPÍTULO IX - KAZANKA –

CAPÍTULO X - MADRID –

CAPÍTULO XI - CAATINGA –

CAPÍTULO XII - AMAZÔNIA –

E P Í L O G O


E tem muita ação. Mesmo a trama andando numa linha previsível, segura o leitor.

Tenho a mania de ler livros anotando às margens, minhas dúvidas e, ao final de cada capítulo, naquele espaço que sempre sobra, exaro considerações. Quase monossilábico. Desta vez, sem papel, criei um arquivo word de trabalho, onde fui copiando e colando trechos do livro que me agrediram ou agradaram. Escrevi os motivos para depois os aproveitar. E assim, mantive a singular mania de fazer anotação enquanto leio.

Independentemente de qualquer coisa, como os tiros cem por cento aproveitáveis, como os bandidos maus demais (chega a ser surreal) a exemplo desse El Cazador da Amazônia, como as brincadeiras sem graça entre a agente e seu chefe, como os roubos espetaculares sem dificuldade significativa, como a tara inconsequente (e sem objetivo na trama) de Camila, como as restrições que escrevi para o autor, achei o livro bom. Apesar de longo. Me deu a sensação de que estava vivendo uma série Netflix. Se não isso, o roteiro pronto para uma delas. De uma boa série, que já tem prenome: Estela Mare. Ela é a detetive, a policial, a agente, a heroína. 


(Por Antônio Saracura, 2021dez26, Aracaju)

 

domingo, 19 de dezembro de 2021

NIKETCHE: UMA HISTÓRIA DE POLIGAMIA, Paulina Chiziane

 

NIKETCHE: UMA HISTÓRIA DE POLIGAMIA - Paulina Chiziane. — São Paulo : Companhia das Letras, 2004. ISBN 85-359-0471-9 1. Ficção moçambicana (Português) I. Título. 04-0970 CDD-869.3



 

O romance se encerra com o marido polígamo (Tony) diante esposa (Rami) com a qual casou na igreja e no cartório, cheio de arrependimentos, mas nem tanto assim. E Tony fala: “Queria dizer-te palavras de arrependimento; mas um homem não se arrepende., tudo o que faz é sempre bem feito;. Gostaria de dizer-te que és uma grande mulher; também não posso, as  mulheres são sempre pequenas. Queria também dizer que confio em ti; mas também não me é permitido, os homens devem desconfiar sempre das mulheres, e as mulheres devem confiar sempre nos homens. Hoje queria violar as normas e dizer que te admiro e de ti tenho orgulho; nem isso posso fazer, as mulheres é que devem sentir orgulho dos seus maridos e nunca o contrário,   mulheres é que devem admirar os seus homens e nunca o contrário. Hoje eu quero chorar, Rami; deixa-me chorar”...

E Rami o deixa chorar e faz com que chore mais ainda quando lhe confessa que o filho que traz no ventre é de Lewy, irmão de Tony, que a possuiu por ordem da tradição, o Kutchinga de Levirato, que é a obrigação ou direito da viúva dormir com um escolhido entre os parentes do marido morto. 

Quem mandou Tony falecer de mentira para escapar de tanta esposa o querendo?


Niketche é a dança do amor, na língua de Zambézia e Nampula. E o livro começa com Rami atribulada dentro de casa, precisando do marido para cuidar de um problema fácil pra qualquer marido resolver. Um de seus cinco filhos quebrou o vidro do carro de um vizinho com uma mangada. O vizinho pede providências. E Rami se dá conta de que o marido nunca está em casa, só de vez em quando, para uma noite de sono ou pagar as contas. Vinte anos de casado e apenas cinco de convivência decente.

Rami sabe que ele tem namoricos fora de casa, pois todos os homens possuem mais de uma esposa em Madagascar. Mas agora percebe que perdeu de vez o marido. E resolve tê-lo de volta para cuidar também das encrencas que os filhos arranjam com a vizinhança. “Com o marido em casa os ladrões se afastam. Os homens respeitam. As vizinhas não entram de qualquer maneira para pedir sal, açúcar, muito menos para cortar a casaca da outra vizinha; com marido em casa, o lar é mais lar, tem conforto e prestígio”.

Faz seu plano de reconquista e vai visitar cada uma das concorrentes. Sabe quem são e onde moram; que são brabas, mas ela também é. 

Chega cheia de direitos na casa de Julieta e sai corrida embaixo de cacete. Julieta também já não vê Tony há sete meses. Recuperada, Rami vai à casa de Louise. Precisava entender o que ela tinha tanto que roubara o marido de duas. Quis enquadrar e foi enquadrada. Terminou presa da delegacia. As duas. Por brigarem na rua. Depois visita Saly, a apetecida. E, finalmente, Mauá Sualé, a amada, a caçulinha, recém-adquirida.

Descobre que pouco sabe sobre sexo, sobre vida conjugal, sobre sedução. Suas concorrentes estão à frente. Na sua família católica a matéria é tabu; é pecado falar de sexo; as meninas casam tolas, sem conhecer os segredos de dar e receber prazer. Matricula-se em curso de iniciação. Participa de muitas aulas, quinze, no total. Foi até às aulas mais secretas, sobre temas de que não se pode falar. Estuda a teoria e exercita a prática. 

E  vai ao macumbeiro que tem poderes de engarrafar o marido e  lhe entregar a tampa para ela tomar conta.

Vai à tia Maria e escuta a lição histórica de que prosperidade se mede pelo número de propriedades. A virilidade pelo número de mulheres e filhos. Abraão, Isaac, Jacob, foram polígamos, não foram? Os nossos reis antigos também o foram e ainda são. Que mal é que há?

Protesta. Precisa de seu homem só para si.

Vai ao pai e às tias gordas. Recebe um sermão: “Se seu marido pasta fora, a culpa e tua. Não soubeste prendê-lo”.

Por fim, alia-se às concorrentes, faz amizade com as mulheres do marido. "Se não posso ficar com todo, pelo menos o dividamos igualitariamente".

Toma copos de vinho a mais no aniversário de Louise e quebra o jejum e a fidelidade. Vito, o rapaz bonito, se aproveitou. Até as viúvas tem o direito de aliviar o luto vez ou outra e ela é quase viúva de marido vivo. Cria gosto e a casa de Lu passa a ser sua. Vito é o segundo marido de ambas. Cama compartilhada. Afinal, Lu é do norte e não liga para exclusividades. E Rami é filha de Deus.

E para liberar o bolso de Tony de tanta despesa (a que tem direito legal), Rami promove uma revolução no harém. Desperta a vocação comercial em cada esposa. Incentiva e promove a abertura de negócios para que tenham renda segura. Para que não precisem dar o corpo em troca do pão. Para terem uma previdência para o caso de morte do marido, e não prestarem mais para o amor. 

As mulheres progridem para desespero de Tony, que não mais as tem sob o cabresto, dependentes de seu bolso. Não mais mendigam seu amor. Podem agora arrumar os homens que quiserem. E Lu já o faz. 

E Tony se desespera, corre para Rami e entrega os pontos. Não assim de um momento para outro. Leva tempo para o ferro frio vergar, que é  o ponto de ruptura (o comecinho desta resenha).  

E a autora conclui o romance de forma dramática com a improvável (pela lógica da trama) cena no meio de chuvarada: Tony “era uma ilha de fogo no meio da água. Solto-o. Não cai, mas voa no abismo, em direção ao coração do deserto, ao inferno sem fim”.

O livro nos apresenta costumes autênticos de povos africanos, costumes bagunçados pelas religiões europeias (leia-se cristianismo) que chegaram trucidando valores milenares. Como aconteceu (e ainda acontece) com os povos nativos no Brasil. É um discurso empolgado e, como tal, se repete, insiste em pontos óbvios, os quais deseja fixar no leitor. Há folhas demais envolvendo uma única fruta. São 252 páginas que caberiam (a meu ver) na metade. Queixas, arroubos... E cansa aqui e ali quando poderia empolgar sempre. Mas ganhou o prêmio Camões de 2021, cem mil euros no bolso e, por baixo, cem milhões de novos leitores, como eu, no mundo todo.

(Aracaju, 17 de dezembro de 2021, por Antônio Saracura).

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BIOGRAFIA DE PAULINE CHIZIANE 

Nascida na cidade de Manjacaze, na Província de Gaza, cresceu nos subúrbios de Maputo, em Moçambique. Fez parte de uma família protestante, mas nunca foi batizada. Seu pai, um alfaiate e anticolonialista, exigia que, em casa, se falasse apenas chope, seu idioma de origem. Sua mãe foi uma camponesa. Estudou numa escola primária católica e, depois, em escolas secundárias, onde teve mais contato com valores ocidentais e desenvolveu seu conhecimento da língua portuguesa. Obteve um diploma da Escola Comercial em Maputo. Casou-se aos 19 anos, separando-se poucos anos depois, e teve dois filhos.

Realizou estudos de linguística na Universidade Eduardo Mondlane. Na juventude, participou ativamente da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). Trabalhou com a Cruz Vermelha Internacional durante a guerra civil. Após o fim do conflito, trabalhou no Núcleo das Associações Femininas da Zambézia (NAFEZA). Atualmente presta consultoria ao desenvolvimento de projetos de ajuda internacional com foco em conflitos e defesa dos direitos das mulheres.  

Afastou-se da política para se dedicar a vida literária, o que fez, segundo ela, devido a desilusão com os rumos assumidos pelo partido que ascendeu ao poder após a independência do país, em virtude das contradições sociais e  da profunda opressão imposta às mulheres, que leva ao bloqueio de suas possibilidades de independência pessoal, coletiva e econômica. 

Chiziane define-se “contadora de histórias”, e não romancista ou escritora. Ela estreou na literatura em 1984, quando publicou crônicas nas revistas Domingo e Tempo. Escreveu a seguir diversos romances consagrados, como Balada de amor ao vento (1990), Ventos do apocalipse (1993), O sétimo juramento (2000) e O alegre canto do perdiz (2008).

Niketeche: uma história de poligamia (2002) garantiu-lhe o Prêmio José Craveirinha, entregue pela Associação Moçambicana de Escritores ao melhor romance do ano. Neste romance, abordou a questão da “poligamia oculta”, presente numa sociedade na qual as mulheres são dependentes dos homens.  A trilogia de contos As andorinhas (2008) centra-se no imperador Ngungunhane, no líder da independência Eduardo Mondlane e na atleta olímpica Lurdes Matola.

Sua literatura denuncia a marginalização das mulheres moçambicanas e contempla dignamente as diferentes esferas culturais moçambicanas, sendo um instrumento de (re)conciliação entre elas.


BIBLIOGRAFIA


APA, Livia. “Paulina Chiziane”. In: AKYEAMPONG, Emmanuel K.; GATES JR., Henry Louis (dir). Dictionary of African Biography. Oxford University Press, 2012, v. 2,  p. 88-89.


CHABAL, Patrick. Paulina Chiziane. In: IDEM. Vozes Moçambicanas – Literatura e Nacionalidade. Lisboa, Portugal: Vega, 1994, , p. 292-301.


DIAS MARTINS, Ana Margarida. Niketeche, a Story of Sucess. Ellipsis, v. 7, p. 109-137, 2009.


DIOGO, Rosália Estelita Gregório. Paulina Chiziane: as diversas possibilidades de falar sobre o feminino. Scripta, v. 14, n. 27, p. 173-182, 2010.


TEDESCO, Maria do Carmo Ferraz.  Narrativas da moçambicanidade: os romances de Paulina Chiziane e Mia Couto e a reconfiguração da identidade nacional. Tese de doutorado (História),  Universidade de Brasília, 2008.

Atualizada em: 28/01/2021

https://www.ufrgs.br/africanas/paulina-chiziane-1955


quarta-feira, 17 de novembro de 2021

GOZO DO PADECER NO TINO DO MAR, Neusa Vieira Lima,

 

GOZO DO PADECER NO TINO DO MAR, Neusa Vieira Lima, Chiado, junho2021, ISBN 978-989-37-1003-6



“Só peço a Deus que o futuro não me seja indiferente. Desenganado está quem tem de caminhar para viver em cultura diferente (León Gieco)”. 

O livro começa assim, sabendo, e apesar de saber, nos leva do sertão ao mar. Sertão de riquezas e de carências. “Do mundão desses vazios dos tabuleiros”. O Homem/menino de Barro rompe o branco da terra seca e vai em busca do mar. Apenas saber que o mar existe (fímbria de esperança a que se agarra) e aquieta o ronco das tripas vazias. 

E nesse tino do mar (lida da vida), a autora dialoga com amigos feiticeiros, poetas, prosistas e profetas, que são meus também. Adélia Prado se esconde no galinheiro hipnotizando galinhas. Érico Veríssimo pelea outra batalha, sem bando algum. Rachel de Queiroz virada nos setenta revela ao mundo espantado uma seca 15 mil vezes maior e é de verdade. Manoel Bandeira, adormecido na festa de São João, viu o final sonhando pois é muito mais bonito ainda. Manoel de Barros, que jamais morrerá, faz tudo voar com as aves do céu, até a poesia que nem tem como se pegar, é apenas de sentir. Manoel Scorza, invisível, quer ser outra vez o cavalo Girassol, ir pro lugar dos papocos, chorar a dor imensa. João Cabral de Melo Neto... Graciliano Ramos... Gonçalves Dias brada ao mundo, “meu canto de morte, guerreiros ouvi”. 

Como aqui faço agora e Neusa fez, eixando sua viola de sotaques como o de Guimarães Rosa, que fala diferente sobre diferentes bandas.

Por fim, a imensidão de água salgada.

“Como acreditar que Deus, tão sabido, criador de tudo, ia fazer esse mundão de água e encher de sal”. Tanta água assim precisava haver no sertão para a gente adoçar com os umbus de lá. 

O cavalo falante Mandacaru, “nascido da flor vermelha do mandacaru num dia de vento forte, carregado de caracol e de borboleta amarela”, respira inquieto. Parece querer me levar de volta pro sertão, como se fosse possível. 

“Gozo e Padecer no tino do Mar” é livro assim cheio de dizeres que doem e que aliviam.

Em prosa poética de vasto sentido. Nascer, viver, morrer. Dizeres que lembram as duas obras publicadas “Cartas a minha mãe que não sabia ler” e “Não é hora de correr para a caverna”.

Neuza Vieira Lima Steimbach é a senhora das palavras que vivem como gente. 

Aracaju, 01 de novembro de 2021, por Antônio Saracura.

 


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

PASSO A PASSO, dos caminhos que trilhei

 

PASSO A PASSO, dos caminhos que trilhei, Hélio de Souza Oliveira, Artner, 2021, 144p, il, isbn 978-65-88562-43-7

 


Mais uma história de vida, testemunho de luta para chegar ao sucesso e à glória que têm tamanhos próprios para cada um. Uma referência para a família (e descendência) e fonte de pesquisa para os historiadores de nosso povo e terra, no futuro (ou no presente).

Eu gosto de biografias escritas ao correr da pena, sem enfeites/maquiagens. Especialmente, das biografias de self-made-men, que em nosso meio são as que mais há. Somos um povo em construção e famílias humildes geram pessoas ilustres, que se orgulham da orígem.  

“Passo a Passo dos caminhos que trilhei” conta a vida do cidadão Hélio de Souza Oliveira, viúvo fresquinho, de 80 anos e que tem aura de 35. Ele é o esposo de Salete Nascimento, viúva de muito, madura, mas de coração adolescente. Foi como uma paixão jovem que os arrebatou há apenas três anos.

Que mulher abençoada, Salete! Sou seu amigo e me assustei quando soube que um gavião a sobrevoava. Então ele pousou perto de mim. E veio zambeiro andando na minha direção. Então fiquei esperto. Nada havia de predador, recendia simpatia contagiante. Um homem valoroso, ganhei um amigão. 

Salete é poetisa consagrada e carrega o título de Rainha do Cordel Sergipano. Hélio é filho de militar que lutou (quase lutou) na Segunda Guerra Mundial, salvou malafogados e nos deu conta de cada navio brasileiro afundado pelos alemães, o que me levou a querer brigar também. Hélio nasceu em Estância e morou pelos quarteis desse Brasil continental. Foi jogador de futebol, tecelão em Estância, desempregado, migrou (já casado na primeira união) para o Rio de Janeiro. Destino dos jovens na época. Trabalhou como montador de bicicleta, biqueiro em oficinas mecânicas, procurou incansável melhor colocação... Foi para Volta Redonda e entrou na CSN, após morgar nas empreiteiras. Fez carreira, destacou-se.

Até o primeiro sogro, que nunca aprovou o casamento, trouxe de Estância com a família para trabalhar na CSN. 

Convidado pela Usiba, Hélio  botou em ordem setores carentes.

Criou a família (há pastores e doutores), aposentou-se, mas  não parou a labuta. Foi dono de bar, teve escolas de cabeleleiros, geriu o salão de beleza (sócio com a primeira esposa )...

Ficou viúvo e a solidão o pegou em cheio. Os filhos independentes e ele se sentindo um acessório gasto. 

Descobriu Salete (Deus sabe como) no Sergipe longínquo, na sua Estância saudosa, em um passeio. Armadilha do destino. 

Como conquistar a escritora famosa?

Entraram os netos dela, os amigos alcoviteiros, o mundo inteiro se moveu a favor. 

Casaram de papel passado, em segredo, logo que puderam se encontrar sozinhos. 

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Hélio encantou-se com atividade intensa da esposa, que cantava poesia no país inteiro.

Ele, que sempre fora cantor e descobriu, surpreso, que era poeta e cronista, para a alegria maior dos dois. Seguiu os passos da esposa nas festas literárias, acompanhou Domingos Pascoal (o semeador de academias) nas peregrinações.

Hoje Hélio pertence a academias de letras e publica seu primeiro livro. “Passo a Passo...” me emocionou em cada revelação. E me fez sorri satisfeito quando me vi na história um pouquinho, nesta fase atual. Como é fácil gerar simpatia! Não custa nada e ainda rende inestimáveis bônus. Hélio e Salete são mestres nesta arte. 

Aracaju, 15 de novembro de 2021, Antônio FJ Saracura (ainda no restinho da pandemia do Corona)


CÃO NA MOITA, Jackson da Silva Lima

 

CÃO NA MOITA, Jackson da Silva Lima, 1997, 2 edição, J. Andrade, 134 páginas



Assim como "Manobelo e Outras Narrativas",  "Cão na Moita" dificilmente será achado em sebo ou livraria. Talvez em alguma biblioteca pública, que hoje mais parecem cemitérios de indigentes, com tampas das carneiras abertas e defuntos sumidos. 

Com certeza, os dois livros estão no meu oratório literário na companhia de poderosos santos, como eles são. 

Chegaram a mim por milagre. Fui visitar, cheio de cerimônia, o grande Jackson da Silva Lima em seu centro de pesquisas. Após uma hora ou mais de boa conversa, já na saída, ele me mandou esperar um pouquinho e sumiu nas galerias de sua Epifânio imaginária. Retornou com alguns livrinhos do mesmo tamanho, sentou-se à mesa e escreveu dedicatórias. Em 27 de junho de 2013. Achou que eu seria bom guardião das joias e me deu mais três exemplares de "Monobelo..." e  de "Cão na Moita", que já passei também a outros  guardiões com gosto para sorver o raro mel silvestre.

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“Cão na Moita” é composto assim:

DE NOITE, NO OITÃO DA IGREJA (I – de quarta para quinta; II – no outro dia, às mesmas horas; III – Entre ambos os dois; IV – Conversa de Pé do Ouvido; V – Quatro dias depois; VI – Na semana seguinte).

UMA VELA A DEUS E OUTRA AO DIABO (I – As duas velas ac essas; II – Abrahão e os remorsos de Davi; III – O sentido no cão e o olho na trouxa).

ENQUANTO O CÃO ESFREGA O OLHO (I – Padre Simão e as artes de Zé de Nanã; II – Matos Além; III – O Bezerrinho santo).

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A xarope feito com pintinho pilado e que serve para curar sezão; a raiz misteriosa que era lombriga seca; o chá de barata nova para falta de ar; a galinha mal cozida com pena e tudo que espuma na boca querendo fugir;  os contadores de histórias absurdas rebatidos por outros ainda maiores; o cisco que caiu nos meus zóio; a bezerrinha alazã que se encantou; o gato preto que era Zé de Nanã... (mezinhas milagrosas, momentos antológicos, poderes do Cão tinhoso).  

Marieta, Janjão raizeiro, Zé de Nanã, Pepeu, Frei Inocêncio, Currupião, padre Simão safado, seu Chiquinho da Venda, dona Santinha, Coronel Zé Raimundo, Chico Lino, Sinhá Dinha.... (personagens inolvidáveis do passado glorioso e  da malandragem de hoje).

Frechas, pêga, presepada, bicanca, se avultar, loroteiro (é o que não falta), maçone... (adjetivos singulares, verbos poderosos  e substantivos cabeludos).

“Cão na Moita” é  um grande livro dentro de um vidrinho do tamanho de nada, próprio para venenos mortais ou perfumes fatais. São 133 páginas de saber literário, nas quais corre o sangue autêntico e tosco de nosso povo simples, com suas superstições, jeito de dizer, manias de ser, ditos, histórias de arrepiar.

E o sanfoneiro, velho Piruá, mesmo com risco de vida na mão de Lampião, teve sangue frio para cantar a glosa: “Com  vara, ferrão e tudo"

 

“Valha-me a Providência

Com o seu poder sublime

Que eu vou comentar um crime

Perante tanta inocência,

Mas a voz da consciência

Me revelou o estudo:

(...) 

Garote brabo e chifrudo

na solta livre criado 

só pode ser enfrentado

Com vara, ferrão e tudo" (1)


Olhando assim, parece ao autor (pela boca do narrador) e ao leitor abismado (que sempre é) que “a cabeça do cantador de repente é uma olaria fina cheia de fôrma desempenada. Todo verso tem sua forminha certa. Na hora da cantoria, o repentista pega uma palavra e vai juntando com outra, faz a mistura, passa na peneira do juízo, já o fogo da inspiração aceso, joga a massa apurada na fôrma e põe no forno do improviso para cozinhar obra. Num momento, a danada da rima tá no ponto. É só abrir a boca e o verso voa quente, aprumado. Sai prontinho da ideia e vai bater na plateia ansiosa”.

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Junto com Jackson da Silva Lima (que o faz na última página) agradecemos a Gilson Resende, de Itabaiana, e a Maria José Nascimento, de Ribeirópolis, eles deram ao livro, com seus depoimentos, a música do falar do povo da Terra Vermelha (minha referência guardada da infância).

Vou concluir pela voz do genial Luiz Antônio Barreto, registrada na orelha do livro.

“O Cão na Moita”, de Jackson da Silva Lima, é um livro de contos da nova literatura brasileira, um autor já galardoado como inventariante da arte literária sergipana, do folclore, e como intérprete de notáveis figuras. Os poetas José Sampaio e Santo Souza e os pensadores, Fausto Cardoso e Tobias Barreto”.

 

Aracaju, 15 de novembro de 2021 (ainda na Pandemia, no restinho), por Antônio Saracura.

(1) O quarteto  final  do repente de Piruá (que ele me perdoe) foi reescrito por mim para não conspurcar a  angelical pureza do ambiente acadêmico". 

domingo, 7 de novembro de 2021

RIMAS CALADAS, Lili Ferreir

 

RIMAS CALADAS, Lili Ferreira, (Eliliane Santos Ferreira), um livrinho de cordel com 12 páginas e 24 estrofes apenas, editado pela Datagraph, em março de 2020.

Depois do pico do Corona vírus pico (que me derrubou de jeito) tenho me acordado mais tarde. Algumas noites, só durmo nocauteado pelo pugilista mister Zolpidem, melhor o nocaute do que rolar a noite toda implorando um carocinho de sono. Melhor o dia seguinte irritado do que zonzo.

***

Corri ao computador, precisava aproveitar o dia, já eram sete da manhã. Avançar um pouco na leitura livro de Paulina Chiziane, escritora moçambicana que arrebatou o prêmio Camões de 2021,  consertar as crônicas que escrevera ao correr dos dedos trôpegos sobre a Feira do Livro de Itabaiana, inventada para não esquecermos da Bienal, que o Covid-19 impediu de acontecer. 

Entre a papelada mal arrumada na escrivaninha (agora também relaxei na organização de roças de lavoura ) bati-me com um livrinho de cordel. Como chegara a mm? E lembrei do lote de vinte e tantos livros que trouxe da Feira, fruto de permuta que faço (muitos aceitam) em todo evento literário com autores presentes. É um modo de ser lido; de fazer circular o sangue das letras antes que talhe de vez. “Rimas Caladas”, o título do livrinho, é de autoria de Lili Ferreira, Eliliane Santos Ferreira, nascida em 1994, em Campo do Brito e formada em letras pela Ufs Itabaiana e especialista em Clarice Lispector, que, agora, não me recordava da fisionomia. 

Folhei-o, achei simpático e mudei meu plano inicial. Mudar planos é também moda adquirida nessa fase triste de fuga inútil do vírus invisível e fatal. 

Comecei a ler o cordel de Eliliane...

Aqui e acolá, alguma destoava o tom e a métrica flutuava entre os sete e os oito tum-tum, mas trama escorria bem. Repreendi meu purismo besta, escondi o diapasão que me habita afinado com os padrões do cordel desde que me avô, na longínqua infância, cantava versos como quem bate malho na bigorna moldando foices. Então achei que todos os versos do mundo tinham sete sílabas, e toda rima, até da minha bruta prosa, deslizava macia. Meus filtros abriram as pernas e sentiam prazer. Trataram de ajustar os tons e sincopar ou suprimir as marcações do surdo para que o rio fosse de planície. Palavras nem precisam ser tão compridas ou pronunciadas inteiras. O contexto é quem melhor revela a trama.

Comi as doze páginas e compartilhei o sentimento  de angústia, dor, medo, sofrimento e horror... Entendi o aviso dos filmes de terror, de que os eram versos fortes que iriam me assombrar.

Concluo esta resenha, declamando, como meu avô Totonho fazia no bastieiro do sobrado de cedro cheiroso nas Flechas de minha infância:

Belas ou donas do lar / Acordem! Acabou o tempo / de domínio e submissão. / Agora o lugar de mulher / é onde ela quiser / pois tem determinação.

Somos sensíveis, ferozes... / depende da ocasião. / Graciosas como a pluma / ou bravas como o leão / expomos o sentimento... Queremos reconhecimento: / igualdade, liberdade e união”.

(Aracaju,07 de novembro de 2021, Antônio FJ Saracura.

Post Scriptum:

No mesmo ninho esfoliado, achei outro livrinho de LILI: “Por Baixo dos Panos”, que aborda a discriminação em geral e pede para se respeitar as diferenças e não as tratar como se fosse doença.  


sexta-feira, 1 de outubro de 2021

A EXPRESSÃO POÉTICA ESTANCIANA

 

A EXPRESSÃO POÉTICA ESTANCIANA, a contribuição do Clube dos Poetas Estancianos, Maria Salete Costa Nascimento,2020, Artner Editora, 124p, il, Isbn 978-65-990491-6-3.

 


Maria Salete é a rainha do cordel Sergipano, título outorgado pelos colegas cordelistas, não apenas devido ao seu cordel consistente, também pela atuação destacada na divulgação e ensino intensos do Cordel e de outras variações da arte literária que produz: contos, crônicas, poesia clássica, ensaios, história. 

Convive com literatura desde menina e conta que o cordel (o pai gostava) ajudou na sua alfabetização. 

Formada em pedagogia, defendeu a inclusão da poesia nas grades escolares do município de Estância, onde vivia; Salete é natural de Dores, do povoado Gado Bravo Norte. 

Autora e mais de 140 livrinhos em cordel, desde o primeiro “O Triste Fim de Raimundo”. 

Publicou  (além dos cordéis): “Nas Asas do Vento”, poesia clássica de sua lavra; “Vivências Sobrenaturais e Outros Casos”, contos bem humorados e mal assombrados: arrepiam o leitor  tido como valente e faz desmanchar-se em sorriso qualquer cenho sisudo,  pelo inicial medo desnecessário.

Agora, no meio da pandemia, Salete publicou este “A Expressão Poética Estanciana”, um ensaio histórico, compêndio didático de literatura, além da memória da pioneira instituição dedicada à poesia, o "Clube dos Poetas Estancianos".Este Clube atua efetivamente desde a fundação, em fevereiro  de 1991, quando foi criado por um grupo de vates convictos, entre os quais, Maria Salete Nascimento, que morava lá.

Na primeira parte do livro, Salete dá uma aula de literatura bem dada, como as aulas de Alberto de Carvalho no curso de Economia que fiz nos idos de antigamente. Todas as outras salas suspendiam as atividades na velha casa na Praça Camerino, para que os alunos das demais turmas e mesmo os professores (agora com suas salas vazias)  viessem às janelas ouvir, de boca aberta, Alberto inspirado se exceder na arte de instruir de forma cabal. E assim, Salete, didaticamente, mostra a importância de Homero para a Poesia. Passa por Sócrates, Sófocles, Platão, Aristóteles. E acende verdades inquestionáveis como a de que “sem a arte não existe conhecimento, e o homem sem conhecimento é um animal triste e vazio”.  Navega na história da poesia pelo tempo e pelo mundo e  se fixa Brasil. E aqui nos mostra expoentes na arte poética. Em Sergipe, por fim, nos apresenta desde Gregório de Matos até os poetas que convivem conosco nos dias de hoje.  De maneira simples, ensina o significado e características das escolas, dos movimentos literários... são apenas 39 páginas que valem um compêndio da academia.

Por fim, Salete expõe a arte literária estanciana desde os primórdios como o jornalismo: uma fortuna inacreditável de periódicos que circulou em volta do pioneiro “Recompilador Sergipense” de monsenhor Antônio Fernandes da Silveira.

O livro “Expressão Poética Estanciana” revela  a premiada cordelista como autora de um bom ensaio histórico sobre a poesia Estância e um interessante (embora rápido) passeio pela poesia no mundo. .

 

Aracaju, 29 de setembro de 2021, por Antônio FJ Saracura

DAQUI, DALI E DACOLÁ

 

DAQUI, DALI E DACOLÁ, Pequenas Histórias da Vida, José Marcondes de Jesus, 2015, Infographics,260 páginas, Isbn 978-85-68368-37-4

 



Este é  um livro inesgotável, quanto mais se lê mais há o que ler. Poderia enfadar por isso. Mas não enfada. A cada passo à frente, mais curiosidade, mais surpresa, mais prazer. Cada novo caso é uma porção de castanha de caju torrada do Carrilho ou um tablete de chocolate suíço. Gozo contínuo...Frustação apenas no final da crônica 111, na página 260 (Minha mãe, Carta de São Paulo aos Corintos), porque não há mais castanha, o livro acaba.  

A maioria dos contos é construída em dois estágios. O primeiro aborda um aspecto da cultura universal (o resto do Brasil também é exterior algumas vezes, pois parece) e nele embasa o segundo estágio: folclore, jeito de viver, verve Itabaianenses, pois Itabaiana é uma nação à parte sempre, tem personalidade própria. E este paralelo entre os dois estágios enriquece o lado de Itabaiana (que nos é afeto) e mais ainda o lado universal (imagino).

Marcondes conhece o mundo lá fora desde criança. Tem paixão roxa, pedido de paixão. O namoro aconteceu em criança ainda través de cartas. Os destinatários eram achados nos jornais e revistas que passavam à sua frente. O Correio de Itabaiana já sabia que os envelopes tarjados com bandeiras estrangeiras eram para o menino esquisito, filho de seu Ivanildo, que morava na rua do Cisco (hoje 13 de maio), número 61.

“Quando estafeta passava pela calçada de Mané Teles...não tinha erro, tinha correspondência para mim. A cada envelope aberto, a emoção de novas descobertas do mundo de lá longe que só a imaginação do menino abelhudo podia imaginar. Meu pai me alertava para ter cuidado com tanto envelope chegando com tarjas vermelhas (via de regra eram) para não me tomarem por comunista”.

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José Marcondes de Jesus é formado em Medicina pela Ufs, mas sua especialização incluiu instituições internacionais, como a Universidade de Brown nos EUA, o hospital San Jam em Bruges, Bélgica, o Hospital Geral de Massachusets...

E sempre que pode (é médico dos caminhos da respiração difícil e do sono fugidio, e demais requisitado) ele roda o mundo, senão em mais um curso de especialização, mas se deleitando nessa Itabaiana estendida que em todo canto há revelada, com surpreendentes detalhes.

O livro, “Daqui, Dali e Dacolá” é denso, sério e divertido, em cada informação. É bom ler devagar. Como se visita a um grande museu de obras de arte, como o Louvre de Paris, por exemplo.

Não é preciso ter sabedoria especial para gostar do museu ou do livro de Marcondes. Basta ter calma, bom gosto e atenção, e entrar porta a dentro.

“O carboreto é umas pedra que molhada pega fogo”(142, citando o jegue Carboreto que passava o dia inteiro levando barricas de água para a população que não possuía cisterna).

“Assim como os Itabaianenses, os fenícios produziram ligas de ouro e de outros metais, tecidos, grãos, armas e óleos. Mas o seu grande poder estava na frota naval, assim como os caminhões são o poder dos ceboleiros (Página 159, sem citar ninguém).

“As grandes massas cairão mais facilmente numa mentira grande do que numa pequena” (151, citando Adolfo Hitler. Somos um povo faminto por ilusão. A verdade nos causa fastio).

“A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer (151, citando Mário Quintana e a assertiva de que para tudo há sempre um perdão).

“Itabaiana é terra das originalidades” (Página 101, citando dr. Severiano promotor de Justiça em Itabaiana na década de 40 e 50).

E o sobre os galos nas torres das igrejas matrizes   pelo mundo... Há um imponente galo na igreja de Itabaiana, que foi rifado por Carrasco, um dos girentos do lugar. Em Itabaiana, rifam-se caminhões, motocicletas, carneiros, garrotes, perus cevados. .Este povo gosta de riscos. Faz estapafúrdias apostas sobre espirros do vigário alérgico, os votos apurados para a cachorra de Cori na eleição corrente, a hora da chegada do caminhão de Niu do Feijão...  

O ganhador da rifa veio receber o prêmio. 

Carrasco explicou: “Você vai para o pé da torre da igreja, leva uma cuia de milho, esparrama pelo chão, quando o galo descer para comer, você pega e leva pra casa”. 

O ganhador protestou: ”Se eu soubesse que era assim, eu não teria comprado o bilhete”. 

Carrasco então, vivo como era (vendera todos bilhetes), disse: “Não tem problema. Se não está satisfeito, eu devolvo seu dinheiro e fico com o galo”.

E o problema foi resolvido assim. 

Sobre a leitura do livro de Marcondes... O ideal é ler um conto, logo cedo, reler a gosto,  passar o resto do dia revendo detalhes, recolhendo o néctar de cada flor, dando gargalhadas que certamente escaparam logo cedo, pela manhã. 

Mas quem pode se dar ao luxo e ao prazer de gastar tanto tempo com um conto,  se o livro "Daqui, dali e dacolá" tem mais de cem?

(Aracaju,07 de setembro de 2015; recuperada em 01 de setembro de 2021)

TRILHAS DO CIPOAL, Jilberto Rodrigues de Oliveira

 

TRILHAS DO CIPOAL, Jilberto Rodrigues de Oliveira, 2021,Artner Comunicação, 380p,:il Isbn 978-65-88562-19-2.

 



Jilberto de Oliveira  é escritor natural de Malhador, uma das filhas de Itabaiana, e seu romance de estreia, "Trilhas do Cipoal", é ambientado em sua terra natal (com extensões), que troca de nome mas não de personalidade. Os personagens são gente da gente, figuras familiares e as histórias discorridas parecem relembranças, fluem gostosas, segurando o leitor mesmo apressado.

 “Aos quinze anos minha visão do mundo se restringia apenas ao município Pedra da Jacinta e algumas localidades além de seus limites". 

O que era comum em uma época quando os professores eram rudes mestres, limitados à tabuada, ao soletramento palavras e garatujamento dos próprios nomes.

"O bando de Lampião cruzou os caminhos do lugar provocando assombração. O povo trabalhador da Pedra da Jacinta (a cidade fictícia similar à Macondo de Marques) se escondeu onde pode, tentando escapar". 

"Quando o inverno chegou com rigor, o mentrasto tomou conta dos terreiros, os lamaçais inundaram as estradas, os mosquitos borrachudos caíram em cima da professorinha. Aquela pele fina, as pernas torneadas não iriam suportar! O sonho de estudar viraria um pesadelo". 

Ou não? Quem sabe ela resistisse.

"Os rádios de pilhas falavam que o homem andou na face da lua, ninguém acreditou, mentira pura, falar é fácil. Dona Tolentina desviou o fio da discórdia para um ponto que ninguém ainda pensara: Já pensou se esse tal comesse buchada estragada? Coitados de nós, chuva de caganeira emporcalhando as plantações e tudo o mais".

"Sob protestos da molecada, tio Zé pegou a foice e se dirigiu ao campinho dos peladeiros. Arrancou as traves e as cortou em pedaços; pegou o arado e passou sobre o terreno. E falou pra todos nós: campo de futebol plantado de batatas dá mais lucro e menos desavença”.

"Mandaram-me subir num pilar do forno eu eu li o primeiro cordel que me entregaram, A Chegada de Lampião no Inferno. já me preparava para ler o segundo , O Encontro de Cancão de Fogo e Pedro Malasarte, então avisaram que chuva passara e devíamos ir embora". 

"Peguei a marinete para São Paulo, como todos do meu tope e condição faziam. Ao descer na rodoviária de São Paulo, um taxi nos conduziu à rua do gasômetro, no Brás e outra vida se iniciava para mim. Tinha quinze anos e nada sabia de uma cidade grande".

Íamos à festa e o amigo de Gilvan apareceu com um fusquinha. Entramos todos e ele desligou o motor. Gilvan perguntou o que acontecera. Ele falou que não transportava preto. Tivemos que descer e fomos de ônibus".

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Novos amigos, novos valores, outras privações...

E assim, nessa batida bem natural, indo aos mínimos detalhes algumas vezes, ferindo e encantando, o narrador revela um mundo pitoresco, singelo, envolvente.  Que logo logo se transforma em  nosso mundo também.

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Em 1983, Jilberto passou no vestibular para o curso de letras na UFS e pediu demissão do banco, deixando São Paulo onde vivera desde 1972. Estabeleceu-se na terra natal para nunca mais sair. 

Formou-se e foi professor no colégio São José (primeiro grau), no projeto SOMEM e no Colégio Estadual Joaquim Cardoso, onde também foi coordenador Pedagógico. 

Aposentou-se em 2014 e agora lê e escreve livros. 

“Trilhas do Cipoal”, romance autobiográfico, é a epopeia de nosso povo em busca de um bom lugar para viver, nesse Brasil acolhedor e perverso.  

 (Aracaju, 01 de outubro de 2021, por Antônio FJ Saracura)

 

 

 

sábado, 21 de agosto de 2021

TORTO ARADO, Itamar Vieira Junior

 

 

TORTO ARADO, Itamar Vieira Junior, 2019, São Paulo, Todavia, 1. Edição, 264 páginas isbn 978-65-80309-31-3



Um tiro simples, certeiro, fatal. Quase silencioso, mas que assombra, encanta, mata. Tudo naturalmente como a vida: amarga e alegre, sempre sofrida.

"Torto Arado" é a história de uma família, que é também de um povo, os negros no Brasil que continuaram escravos (e ainda continuam) em todo canto, após a abolição. Fazendas, favelas, periferias, bairros-guetos... Um ou outro consegue furar o bloqueio acachapante dos “arianos”, que muitas vezes são os próprios negros branqueados, haja visto o Senhor Salomão.

Outro dia, apareceu na televisão a Policia Federal libertando trabalhadores mantidos como escravos em fazendas brasileiras. Também mostrou mulheres espancadas (e assassinadas) pelos seus companheiros bêbados ou não. 

A história se desenrola em uma fazenda (Águas Pretas) no interior da Bahia, em época recente, pois já havia sido reconhecido o direito à aposentadoria do Funrural, que começou por volta de 1971, para amparar os idosos  escravos do campo. Governos escravocratas recentes têm revogado este direito justo, implantando obrigações impossíveis de serem cumpridas. Como recolher o INSS, se o salário do trabalhador rural comum, quando consegue um dia de trabalho, tem o valor de um quilo de carne com osso na feira? 

Então, "Torto Arado" conta a história de um Brasil atual.  

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Há as crenças que elevam o espirito e faz o homem forte para enfrentar adversidades. "Que os caboclos e os guias o acompanhem. Sete-serras, Mineiro, Marinheiro, Nadador, Cosme e Damião, Pombo Roxo e Iansã";  há ervas colhidas no mato que curam; há o respeito à história que enraíza o homem ao chão onde vive...

Crianças tímidas se escondem atrás dos pais na presença de estranhos; mães repreendem os filhos e pedindo silêncio com o dedo em riste, psius  e olhos arregalados; 

Escravos levam as moças das casas dos pais para serem suas escravas, infernizam seus dias, batem nelas e até as matam... A cada hora, uma maior agonia ocorre.  

Depois que Belonísia se deitou na cama com o marido sentiu nada que justificasse seu temor. Era como cozinhar e varrer o chão, ou seja, mais um trabalho.  Se fosse apenas deitar. 

Zeca Chapéu Grande, boa mão para plantação, senhor das rezas e dos remédios contra o bicho comichão, recebe o Velho Nagô, habitante das Águas Pretas desde o tempo dos diamantes, nas noites festivas de Jarê. É Nagô que lhe ensina a cura para almas atribuladas.

Salustiana Nicolau (Salu) é protegida pelos encantados, aparadora de todos os meninos do lugar e conhecedora das ervas milagrosas. Maria Miúda é também Santa Bárbara Pescadeira quando montada pelo Encantado. Maria Cabocla se faz de índio para escapar da discriminação maior que sofreria por ser negra. Ela cedeu ao afeto da muda que a defendeu, mas preferiu a truculência do pai de seus filhos. As gêmeas Crispina e Crispiniana disputam o mesmo homem e “vivem num eterno movimento de afeto e rancor, que faz parte de seus dias até o fim de suas vidas”.

***

Aparecido sentiu na garganta o punhal espetando e quase perde a esposa para a muda Belonísia. Tobias abaixou o relho cheio de direitos ante o olhar de fogo da esposa acuada, e depois, bêbado, perdeu o rumo de casa e  tombou com um tiro. 

E Salomão, o novo dono da "Águas Pretas" mandou matar Severo, pois este abria os olhos do povo espoliado. Pagou caro. Em suas rondas noturnas, foi desviado para vereda do fosso cavado pelo encantado Santa Bárbara Pescadeira com a ajuda de Belonísia. Armadilha de pegar onça. O cavalo recuou e ele caiu pendurado na borda instável. O fio afiado do punhal cortador de língua o degolou antes de descer ao inferno.

Estela, Ana, Domingas, Inácio, Isidoro, Saturnino, Donana, Tião, dona Tonha...

Personagens fortes, como um bom romance deve ter. 

“Torto Arado” é livro que vale a pena ler. 

Aracaju, 20 de agosto de 2021, Antônio FJ Saracura

 

 


quarta-feira, 21 de julho de 2021

O CORPO, Welis Couto


 

O CORPO, Welis Couto,2019, 228 páginas, Ella Editorial Eirele, Campo Grande/MS, isbn 978-85-8405-183-0

 

No primeiro capítulo achei que a trama não evoluiu bem, logo na abertura, onde o escritor deve prender o leitor.

Com a chegada de Munhela, fiquei animado e fui em frente.

Então a história mudou de cenário indo para a Holanda. Me pareceu um momento impróprio, com o gado morto no curral. Eu ligo!

Há ganchos interessantes, como as referências ao estranho que mira o caixão (por que diabo queria expulsá-lo de minha casa?).

O terceiro capítulo tem bois mugindo desesperados (sentimento humano) ao verem irmãos irem ao matadouro...

Naveguei pelo alto do capitulo quatro, sentindo cheiros, tentando captar algo que me prendesse e me fizesse retornar ao início do livro (ou do capitulo).

Fiz o mesmo com o restante do livro até a página 225 (final) que li inteira.

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Amigo Welis, seu livro pode ser um clássico, mas não me segurou. Certamente eu não consegui sintonizar seu mundo por deficiência de minha engenharia.

Guardei o livro para reler depois.

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E constato, agora, dezembro de 2020 (um ano passou rápido), que não consegui ler outra vez seu livro.  Apareceram mil outros e mil agonias com essa pandemia.

Então, resolvi enviar as anotações (de um ano atrás), apenas porque eu gostaria muito de recebê-las sobre meus livros, assim sinceras. Não fique com raiva de mim. Achei melhor falar do que me calar. Seria mal maior, pois você me deu uma adorável resenha sobre “Pássaros do Entardecer.”

O amigo de sempre, Antônio Saracura

(Aracaju, 08 de dezembro de 2019, por Antônio FJ Saracura)

 

Post Scriptum:

Eu não conhecia o símbolo africado Sankofa que é um pássaro olhando o rabo e representa flash back.

Muito bom.

Obrigado.