sábado, 26 de março de 2016

A CELA DE VIDRO, Patrícia Highsmith

A CELA DE VIDRO, Patrícia Highsmith, Benvirá, 2013, 321 p, isbn 978-85-02-20743-4


Minha esposa leu o livro e recomendou: “Você precisa ler mais best-sellers, aprender a receita e temperar seus livros com a pimenta deles”. 

E não é que é mesmo, pensei com meus botões. Fico quebrando a cabeça com poetas e escritores daqui, que não vendem nada. E não são lidos por ninguém, a não ser por meia dúzia de caras como eu. Os amigos que vão aos lançamentos concorridos sequer abrem os livros. Ou abrem e leem a dedicatória, se muito. Ou apenas olham-na, lamentando o cansaço na fila ou os trinta reais gastos à toa.

Então eu li “A Cela de Vidro”.

Comecei as dez horas da manhã  e, às onze da noite, parei na penúltima página. Poderia ter acabado, mas preferi prolongar o prazer, desfrutar o modo como uma escritora consagrada acaba um best seller. O final é sempre o grande trunfo de um livro. De que adianta uma boa história mal terminada? A última impressão é a que fica, diz um refrão popular. Mesmo um livro medíocre, quando termina bem, o leitor sente-se recompensado pelo sacrifício de ter chegado até ali na leitura.

Resisti à tentação e deixei mesmo o finalzinho do livro para o dia seguinte.

“Voltou-se para Hazel, que o estava olhando – devia pensar, para olhá-lo do jeito que olhava agora, que os dois tinham aprontado confusões terríveis, mas que havia algo que ainda podiam e que valia a pena resgatar.  Não haviam destruído tudo. Restava um bocado de coisas, em abundância até, e tudo ia ficar bem”. 

Uma boa saída para o embrulho aprontado. As pessoas nunca são definitivas em nada.  Há sempre um jeito à dar.  E quanto à dor, é passageira demais. Basta o alívio, e cai no esquecimento, embota-se. Todo sofredor prefere não reter má lembrança.

O enredo é simples, até trivial; um pouco manjado. Um cara é acusado injustamente e cumpre pena numa prisão desumana, onde é perseguido, outra vez sem motivo justo, por guardas sanguinários.  Aprende artes marciais, um idioma social e se vicia em drogas pesadas. Há muitos inimigos gratuitos e alguns amigos bizarros. Sua desvelada esposa, enquanto isso, envolve-se amorosamente com seu advogado, que se passa como amigo vingador e protetor.

Finalmente sai da prisão.  

Os realmente culpados pelo crime vivem à tripa forra.  Há ainda o “amigo” advogado que dorme em sua cama, só para relembrar. Sem maiores planejamentos, aproveitando uma chance rara, o cara (artista) assassina o advogado e incrimina os velhos culpados. Elimina a única testemunha que poderia denunciá-lo. Só no cinema (ou na literatura)!

Qualquer escritor sergipano escreveria um livro até melhor e ninguém se daria ao trabalho de ler, a não ser eu. “A Cela de Vidro”, entretanto, vende aos milhões no mundo todo. Vendeu, inclusive, um exemplar à minha esposa, sempre muito segura, aqui nesse fim de mundo que é minha terra.
E ainda há quem escreva sobre ele, promovendo-o mais ainda, como estou fazendo aqui agora.

E os livros que escrevo?


O cupins aproximam-se deles, inexoráveis.

domingo, 20 de março de 2016

AS NEVES DO KILIMANJARO e outros contos, Ernest Hemingway

AS NEVES DO KILIMANJARO e outros contos, Ernest Hemingway,2011, Best Bolso, 175 páginas, isbn 978-85-7799-247-8


Quem não conhece O Homem e o Mar, um romance curto, de escrita e enredo simples, e que galgou o panteão dos clássicos no mundo? E quem nunca ouviu falar em "Por quem os sinos dobram?", Esse e o outro, de autoria de Ernest Heningway.

Há um jeito especial de dizer o que satisfaz, que atende a anseios mesmo que o próprio escritor os tenha criado. Um tema trivial pode gerar um belo texto, um conto ou romance eternos, se bem desenvolvidos.

Hoje assisti na televisão (estava fugindo dos profetas e dos mensageiros da desgraça) e vi-me no topo do Kilimanjaro, em companhia de um pequeno grupo, duas crianças e um guia que os conduzia e explicava: A neve do Kilimanjaro está se acabando ano a ano. Mas ela não se liquefaz, gerando nascentes, rios. Vaporiza-se. O processo é chamado de sublimação. Uma bela palavra!   Daqui a pouco não haverá mais nada, até que uma próxima Era do Gelo a recomponha, sabe-se lá quando.

Harry sublimou como a neve no teto gelado da África. Virou vapor, pois seu corpo podre jazia na tenda, com uma perna estendida para fora do leito, pendida sobre o chão. 

Devido ao documentário da televisão e ao conto de Hemingway,  as neves do Kilamanjaro são o passo além, onde apenas o espírito sublimado pode habitar, é a outra dimensão da existência, a duvidosa. Na minha mente perturbada.

Foi esta a primeira vez que li este conto tão popular, até virou filme que também não devo ter assistido. Se não, a imagem persistiria indelével.  É assim mesmo que se morre!  No instante passageiro. A realidade dilui-se em fantasia e voamos leves para o realizar nossos projetos adiados, que todos se tornam milagrosamente possíveis.  A dor cessa, o avião que nos carrega faz um voo tranquilo até penetrar em uma zona de turbulência:  nuvens pesadas, apreensão, incerteza. Súbito, a claridade imensa das geleiras do Kilimanjaro ao sol.

Um conto de nada que, ao final, na última página, surpreende radicalmente. E sublimamos como Harry, com as neves do teto da África. Eu sublimei.

Cinquenta Mil narra uma pre luta e a própria; nada de extraordinário, a não ser o trivial que jamais se apagará da mente do leitor. A Denúncia, a História Natural dos Mortos, a Véspera da Batalha, Em Outro País, Os Pistoleiros, O Lutador e, especialmente, A Mãe do Bichona, são narrativas aparentemente tolas, mas que agradam e marcam, são escritas com as palavras adequadas, o tema é lúcido e único.

A Capital do Mundo traz um narrador pródigo, cria um ambiente para encaixar uma brincadeira de mau-gosto que redunda numa morte absurda, até inverossímil, se fosse escrita por outro, não por Hemingway.   Depois da Tempestade são conjecturas sobre incidentes irrelevantes, como o canivete cortando o músculo. É pouco?  Ou os gregos, que sempre chegam primeiro. “Pode ser também que tenham perdido o leme...”.  Levou-me a um “poderia ser também”, que relutei, mas findei colocando no final do conto “Responso de Santo Antônio” que está no meu último livro publicado, Os Ferreiros. Vocês já leram? Não deixem de fazê-lo.

O mistério da boa escrita passa pela simplicidade, eu penso.  Muitos autores matam seus romances, seus contos, suas crônicas, suas poesias porque inventam artifícios acadêmicos, burilam tanto a pedra que gastam a preciosidade. Como é difícil ser espontâneo? Ir direto à artéria femoral.

Dias atrás, eu não mandei um conto à uma coletânea, a coordenação definia: “Não aceitamos narrativas”. Fiquei indignado. O que são os textos de Ernest Hemingway, que ganhou o prêmio Nobel de literatura pelo conjunto da obra, senão narrativas? Narrativas ao correr da pena, simples narrativas. Espetaculares porque são assim.

domingo, 6 de março de 2016

O NOME DE DEUS É MISERICÓRDIA, papa Francisco e Andrea Tornielli

O NOME DE DEUS É MISERICÓRDIA, papa Francisco e Andrea Tornielli, Planeta, 2016, 144p, isbn 978-854-220-634-0



Doutor Carlos Leite é autor do livro “Procurando o Pequeno Príncipe”, crônicas de sua infância no Chapadão dos Bugres e no Barracão: Cristinápoplis e Jandaíra, respectivamente. Gostosas lembranças! Foi meu professor de história  nos idos de 1960, quando me deu boas notas.  Eu o fiz personagem, um dos principais, do meu livro, “Meninos que não Queriam ser Padres”. Doutor Carlos fecha a trama de maneira espetacular, no dizer de Vieira Neto, um dos grandes intelectuais dessa terra:  poeta, crítico literário, dramaturgo, cronista, memorialista e romancista.

Depois dos incidentes que narro no citado romance (está saindo a segunda edição) comecei a frequentar, com certa assiduidade, a casa do velho professor, quarenta anos depois de ter saído do colégio onde ele ensinava, o Arquidiocesano de Aracaju.
 
Ele agora tem 94 anos e praticamente não sai de sua cadeira. Passa o dia inteiro, entre dormindo, lendo algum livro (geralmente com viés religioso) e rezando.

Eu levo livros para ele ler. Os que publico e os que compro e acho que fazem o seu estilo. Talvez por isso ele se ache em débito comigo e sempre está procurando um jeito de retribuir, também me emprestando algum livro. Esta semana eu trouxe de sua casa: “O Nome de Deus é Misericórdia”, uma entrevista feita pelo jornalista do jornal “la Stampa”, Andrea Tornielli com o papa Francisco (Francisco Jorge Mário Bergoglio).

E não é que li o livro! Talvez como penitência. É que tenho lido pouco livro de religião, até a Bíblica Sagrada sobre a cômoda de meu escritório, está aberta na mesma página (O Livro de Ester, página 413) há meses. Além do que, sou um pecador inveterado. Por pensamentos, palavras e obras. Sempre arrependido e sempre vacilando. Comecei a ler " Nome de Deus..."para compensar um pouco, ajuntar bônus para o tal Julgamento Final. E gostei.

Os temas abordados no livro são, de acordo com os capítulos: Tempo de Misericórdia, a graça da confissão, procurar todas as brechas, Pecadores sim - corruptos não, misericórdia e compaixão, entre outros.

A Misericórdia significa abrir o coração. É a atitude divina que abraça, que se dedica a perdoar. Então é preciso existir o pecador para que a misericórdia possa ser exercida. Ele (o pecador), nesse contexto, é mais importante do que o justo. Sem o pecador não haveria misericórdia. O Senhor perdoa tudo e, se assim não fizesse, o mundo não existiria (página 55). Haverá no céu alegria por um só pecador que se converta do que por 99 justos que não precisam de conversão (página 84).

Confessar-se com um sacerdote é uma forma de colocar minha vida nas mãos e no coração de outra pessoa, que naquele momento age no lugar de Jesus.  O confessor deve ouvir e não interrogar. E perdoar, mesmo que o pecador não esteja arrependido de seu pecado.  Arranjar um jeito. Até pelo fato do pecador lamentar-se não se arrepender do pecado. É um motivo justo.  

Se alguém é um ministro de Deus, acaba por acreditar que está separado do povo, é dono da doutrina, titular do poder, fechado às surpresas de Deus (degradação do encanto). Os que adoram os primeiros lugares, gostam de ser chamados de mestres, começam a perder o encanto diante da salvação que lhes foi dada, ao se sentirem mais seguros, começam a se apoderar de atributos que não são seus. O corrupto tem a cara de quem diz: não fui eu. Ele se indigna porque lhe roubam a carteira, lamenta-se pela falta de policiais nas ruas, mas depois ele ludibria o Estado, sonegando impostos; talvez demita os funcionários a cada três meses para evitar contratá-los por tempo indeterminado, ou então possui trabalhador não registrado.  E ainda conta vantagem disso aos amigos (página 120).


O livro é bem diagramado, bonito, agradável então. Letras graúdas, espaço duplo entre as linhas, anima por isso. Uma penitência que o pecador (como eu) paga sem sacríficos maiores. Até com prazer. Apesar dos temas óbvios, faz bem ouvir de novo.

MINHA TERRA MEU LUGAR, Carlos César dos Santos

MINHA TERRA MEU LUGAR, Carlos César dos Santos, Infographics,  78p, 2016, poesias, isbn 978-85-68368-2


Conheci o autor, Carlos Cesar dos Santos, um ou dois atrás, no povoado Itapicuru, em Nossa Senhora das Dores, quando fui ao lançamento de um livro do poeta Josias.  Conheci-o ligeiramente.  Havia muita gente na festa e Carlos César era apenas mais um. Mas não o esqueci. Ele aproximou-se de mim, como de outros convidados, a exemplo de Domingos Pascoal de Melo, da Academia Sergipana, a quem acompanho vez por outra nessas aventuras literárias. Como era a festa de um poeta, ele dizia que também o era e morava em outro povoado, na Borda da Mata. Estava finalizando um livro para publicar, só não sabia ainda como o faria, pois não dispunha de recursos. E começou a recitar poemas de sua autoria, somente para mim, aproveitando um intervalo nas apresentações oficiais ou nas caminhadas entre um local e outro dentro do povoado.  O clima não era adequado, havia zoada, pouca concentração, mas ele nem ligava. Achava, talvez, enganado, que eu fosse algum príncipe da poesia, ou pertencesse à Academia de Letras como era o caso de Domingos Pascoal.

Agora, um ou dois anos depois, ele lançou o seu livro.

Fui à Dores para abertura do ano da Academia de letras local (os convites do presidente João Paulo são irrecusáveis) e havia uma mesinha na entrada do salão com montinhos de um livro verde. Comprei um e reconheci a fotografia do poeta da Borda da Mata. Ele não estava presente, trabalhava naquele horário, me informaram. 
Em casa, depois, li o livro em uma hora, um pouco mais.

Senti o gosto da boa terra lavrada, ouvi o mugido do gado nos finais de tarde retornando aos currais. Lavei o rosto suado nas fontes de água fresca (as fontes Magnum e Pedrinhas, que embelezam a capa do livro), onde o poeta colhe seus versos.  Sonhei, amei, sofri, queixei-me, caí, levantei-me e sorri.

A que se presta um livro?

Para que artimanhas, artifícios, figuras estranhas às vezes, jogos de palavras e enigmas, se há um jeito direto, simples de eficiente de revelar sentimentos?   Especialmente sentimentos puros, naturais até ingênuos? Valorizo o bom vinho, mas um copo de água fresca, colhida assim da fonte, me agrada muito.

“Antes eu era frágil
Sem afeto sem amor
Ninguém ligava pra mim
Ninguém me dava valor

Mas eu tinha esperança
E fé para conseguir
Minha força de vontade
Me ajudava a seguir. (“Deus mudou minha Vida”).

Xxx

 Até quando nosso sonho, não passará de um sonho
E o que esperamos, mais longe fica? (“Até Quando”)

xxx

Sou poeta popular
Conto a tristeza e a alegria
Conto coisas que acontecem
Nesse mundo todo dia

Sou pouco reconhecido
Desse meu talento nobre
Só que eu não tenho culpa
De ter nascido assim pobre
 
(...)

Sou poeta tenho um dom
E agradeço a Deus
Não devo nada a ninguém
Pois foi Jesus quem me deu

Ela (a poesia) está dentro de mim
Esquecê-la não consigo
Para mim, a poesia
É meu verdadeiro abrigo.


E Carlos César vai em frente nessa linha singela e direta, nem sempre rimando, nem sempre obedecendo métricas, ainda verdoso, mas agradando ao ouvido e à mente do leitor, pelo menos os meus, que já o ouvira anteriormente e nem dera à devida atenção.

FEIJÃO DE CEGO, Vladimir Souza Carvalho

FEIJÃO DE CEGO, Vladimir Souza Carvalho, contos, Juruá, 2009, 210 páginas, isnb 978-85-363-2570-8


Acabei de ler “Feijão de Cego”. Aracaju, 18/10/2009. Quando o filme é bom, a tela pequena da tv some engolida pela espetáculo. É extenso, tantas histórias marcantes. Cadê meu fôlego? Parece uma coleção. 210 páginas compactas. Com minha vista cansada, reencontrar a linha seguinte obrigava-me a eventuais remetidas. Vou amanhã mesmo ao oculista, acertar o grau de meus óculos. Ao chegar ao último conto de Feijão de Cego, “Aparição”, sem fôlego e com os olhos pinis,  lamentei. Queria mais, precisava continuar lendo, respirando Vladimir.

E incentivado pelo “Feijão”, trabalharei melhor algumas pequenas histórias (quase sempre envolvendo minha família maluca e minha nobre terra) que rabisquei em toda a vida. Vou encaixá-las em algum livro futuro que talvez publique. E gostaria que tivesse o visgo deste que acabo de ler.  

Essa resenha terá um jeito diferente das que tenho escrito aqui. Farei um pequeno comentário (a partir de anotações rabiscadas nas margens das páginas enquanto lia) a respeito dos principais contos, um a um, didaticamente.  O comentário pode não ser conclusivo, me perdoem!  Quis apenas acender uma luz, que nem sempre consegui, reconheço! Eventuais contos não incluídos na resenha também são principais. Que eles não fiquem constrangidos, é que eram tantos!

E vamos aos contos:

“Herança”:  Ritmo de cantiga de embolada, envolvente. Choque de esperanças, da avó, em sair da miséria e, da neta, que inventa também a sua, muito pequena, como que inventada para se consolar ou para se justificar.

“Júri de Vítima Viva”: Vi minhas melancias também sendo roubadas e eu sem um revólver à mão para atirar no ladrão. Manilton me pareceu um matador irresponsável (todos são?) matando por coisa boba demais, como foi o caso da morte do safado do perneta. Achei que Manilton (na sua condição de cabra brabo) humilhou-se demais na página 22 (1 parágrafo). Sinézia entenderia seus motivos e devolveria a arma com muito menos. Vá lá compreender os mistérios da natureza humana!

“O rosto do Noivo”: Alegrei-me saudoso com o “arreda uma palha”, expressão que nunca mais ouvira. Essa tia Porfíria é uma alcoviteira e tanto, hein?

“Espera”: Viva a Crestomatia! Eu sabia que este nome era meu também. Que tristeza, a velhice doente! Impiedosa!

“Uma combuquinha de café...”: Nem tive tempo de anotar nada, e cheguei ao final com um “Muito bom” na garganta... Esse escritor excede a cada frase. Nem permite que a gente pare para tomar notas com cuidado.

“Ciúme”: Minha letra é ruim demais. Nem eu decifro depois.  Eu terminaria o conto um pouco antes, em “numa briga”.  Por que? Não sei. Foi uma sensação do momento. Será que estou me revelando escritor também? Talvez ainda tropece nos meus arraigados equívocos.

“Soldado do Fisco”: Surpreendente desfecho, as indagações em aberto acho-as salutares. O leitor que tire suas conclusões.

“Perdão”: O tiro torto é o que melhor mata.

“Parto da Vaca”: Acho que o doutor Luiz tem a culpa por tudo que aconteceu. Ele precisa estar alerta. Ter cuidado com as consequências do que fala. As pessoas tem dificuldade em recusar-lhe um pedido, um convite, até para beber mais um copinho. Acham que, por ele ser doutor, devem-lhe obrigações.  O conto marca para o resto da vida, dos melhores que já li. Nada a ver com a atitude do doutor Luiz. Vou dizer mais uma coisa: o parto da vaca deu-se no povoado Ceilão de Campo do Brito, local que conheço bem pois era lá a Fazenda Saracura, que me consumiu o juízo por alguns anos de minha vida aventurosa.

“Turbulência”: Não atinei para o sentido da frase: “Georgina dirigindo o carro sem falar comigo” (página 75, 2 parágrafo). Eu pensava, enquanto lia o conto, que se tratava de um pesadelo. Mas não era.

“Visão”: Uma frase que sempre achei que fosse minha (ledo engano) está grafada aqui com marca de Vladimir, “Você está se sentindo mal?”. O autor andou pelos mesmos caminhos que eu, certamente. Se não ele, seus genes, lá no remoto passado.

“Assunto Sério”: Excelente “thriller”(?).  Fui literalmente surpreendido. Fiquei de queixo caído.

“A Esposa de meu...”: Um pequeno tema pode gerar uma grande história.

“Meu Filho Teodásio”:  Você não poderia falar como falou sobre o dia-a-dia na roça. À rigor, você precisaria ter vivido lá, como eu. De que adiantou para mim, que nasci e me criei na roça, se você, que a visitou apenas, descreve melhor a alma desses ermos?  Apesar da queixa, o conto é excelente.

“Consulta”: Também um bom desfecho, como requer a arte do conto. Tanto arrodeio (calculista, hein?) só para ver se deveria pagar ou não o sepultamento...  Acredito que existam pessoas assim. EU?

“Justificações”:  Na Terra Vermelha (eu menino) já mandei muita gente se arrombar. Depois saía correndo, claro! Vi-me, em “justificações” lá, de novo. Bem empregado, Odimar! Pra você deixar de ser corno!  O que deverá ocorrer quando o filho do vaqueiro quiser ser prefeito? A próxima eleição deve estar próxima.

“Valor do Cão...”: Logo no começo, achei meio inadequada a figura de que urubu não aparecia lá, era um lugar muito pequeno. É que eu, àquela altura, já desconfiava de que era um erminho de nada. Como é bom ter um amigo na praça, especialmente, se o amigo for autoridade.

“Última Tarefa”: O inusitado, que poderia não ser, lembrou-me Pedro Paramo, se bem que no mexicano os mortos viam e eram vistos. Quem sabe se o personagem (igual ao livro de Juan Rulfo) estivesse morto e, equivocado, achasse que estava vivo. Para dar um justo descanso à Salma?  Estou eu, aqui, me envolvendo demais com mundos vastos de Vladimir, quando deveria apenas falar sobre eles. Humildemente.

“Cavalheirismo”: Bom suspense: xan,xan,xan! Concordo também que o momento era inadequado. Seria como se aproveitar de uma pessoa fragilizada pelo terror. Seu Crescêncio (tenho a mais absoluta certeza) ainda vai comer esta mulher.

“Reconhecimento”: Devo ter perdido algo, pois não reconheci este Porfírio do primeiro parágrafo na página 152. Não seria Merêncio, que já era meu conhecido?

“Confissão”: Ritmo avassalador. Uma história contada em “crescendo”.  Uma marca cultivada pelo autor, também em outros contos. Que bom!

“A Descida”: Ressurge aqui outra vez o inusitado (é este o nome mesmo?).  Igual ao estacionamento do supermercado de “Turbulência” e o desenrolar inteiro da “Última Tarefa”. Há um senão (talvez um erro gráfico) no último parágrafo da página 170, na segunda frase, o autor usa “fazia”.  Se bem que entendi sem problemas a boa história.

“O dia Diferente”: Eu conhecia como “mulher do padre”. Mas acato “mulher do burro”, que acho que ninguém quer ser também. Foi uma digressão. O conto tem o lirismo gostoso que me faz bem, um final doce.

“As Três Filhas...”: Poderia ter um final diferente. Tudo pode ser nesse mundo da ficção! Floricélia já está mocinha. Mas é minha filha, mesmo sendo uma Pedra! Deus me livre que morra antes de mim!

“Cama Nova”: Porreta!  Corno convencido mesmo. E existe?

“Obstáculo”: Haveria alternativa? Botar no asilo de irmã Terezinha não seria adequado? De qualquer jeito, essa sugestão está chegando tarde. A sobrinha, pelo que entendi, já habita o mundo da loucura. Sem retorno.

“O Casamento de Esterlito”: Vivas para Floduarda, que “aponta o chão e  mostra baratas (que nem existiam, acho!) e vivas também para isael Maroto, contrariado porque a sexta-feira da Paixão foi cair justo no Sábado de Aleluia. Floduarda era feia (cara de doce de leite batido) ou a moça mais bonita da cidade, no pensar de Esterlito, sentado no banco da praça? Quando o noivo foi “desmanchar tudo” fiquei pensando que a operação de Floduarda em Aracaju dera zebra (se de fato aconteceu?) como também, convenci-me mais ainda de que uma experimentada prévia ajuda muito.

“Aparição”: Ótimo desenrolar. Muito justo o crime da garota e, como juiz, eu a consideraria inocente, mesmo que o júri a incriminasse.  Se a menina não saía de casa, com medo de ser comida pelo safado, como é que foi chupar massaranduba justo naquele dia? Estou imaginando a cachoeira, bem longe de sua casa. O demônio apronta cada presepada!

Sobre tudo:

Esse estilo de conversa miúda, encadeada, seguindo o fio da meada sem saltos ou despistes, caiu muito bem. O leitor, nem precisa gastar-se, basta ler uma palavra depois da outra que a história vai saindo do papel e tomando conta dele.
Sobre os nomes estranhos dos personagens, confesso que me incomodaram no começo. No “Casamento de Esterlito” na página 198, no meio da folha, pareceu-me estar numa aldeia da Grécia histórica (eu já morei lá, penso que sim!).  Por conta desses nomes talvez as novas gerações de sergipanos (e brasileiros) tenham nomes mais exóticos. Nada demais, até eu tenho em casa um trio txucurramãe (Raoni, Candire, Mohara). Por outras influências