FEIJÃO DE CEGO, Vladimir Souza
Carvalho, contos, Juruá, 2009, 210 páginas, isnb 978-85-363-2570-8
Acabei de ler “Feijão de Cego”. Aracaju,
18/10/2009. Quando o filme é bom, a tela pequena da tv some engolida pela espetáculo. É extenso, tantas histórias marcantes. Cadê meu fôlego? Parece uma coleção. 210 páginas compactas. Com minha vista cansada, reencontrar a linha seguinte obrigava-me a eventuais remetidas. Vou amanhã mesmo ao oculista, acertar o grau de meus óculos. Ao chegar ao último conto de Feijão de Cego, “Aparição”, sem fôlego e com os olhos pinis, lamentei. Queria mais,
precisava continuar lendo, respirando Vladimir.
E incentivado pelo “Feijão”, trabalharei
melhor algumas pequenas histórias (quase sempre envolvendo minha família maluca
e minha nobre terra) que rabisquei em toda a vida. Vou encaixá-las em algum
livro futuro que talvez publique. E gostaria que tivesse o visgo deste que acabo
de ler.
Essa resenha terá um jeito
diferente das que tenho escrito aqui. Farei um pequeno comentário (a partir de
anotações rabiscadas nas margens das páginas enquanto lia) a respeito dos
principais contos, um a um, didaticamente. O comentário pode não ser conclusivo, me
perdoem! Quis apenas acender uma luz,
que nem sempre consegui, reconheço! Eventuais contos não incluídos na resenha também
são principais. Que eles não fiquem constrangidos, é que eram tantos!
E vamos aos contos:
“Herança”: Ritmo de cantiga de embolada, envolvente. Choque
de esperanças, da avó, em sair da miséria e, da neta, que inventa também a sua,
muito pequena, como que inventada para se consolar ou para se justificar.
“Júri de Vítima Viva”: Vi minhas
melancias também sendo roubadas e eu sem um revólver à mão para atirar no
ladrão. Manilton me pareceu um matador irresponsável (todos são?) matando por
coisa boba demais, como foi o caso da morte do safado do perneta. Achei que
Manilton (na sua condição de cabra brabo) humilhou-se demais na página 22 (1 parágrafo).
Sinézia entenderia seus motivos e devolveria a arma com muito menos. Vá lá
compreender os mistérios da natureza humana!
“O rosto do Noivo”: Alegrei-me
saudoso com o “arreda uma palha”, expressão que nunca mais ouvira. Essa tia
Porfíria é uma alcoviteira e tanto, hein?
“Espera”: Viva a Crestomatia! Eu
sabia que este nome era meu também. Que tristeza, a velhice doente! Impiedosa!
“Uma combuquinha de café...”: Nem
tive tempo de anotar nada, e cheguei ao final com um “Muito bom” na garganta...
Esse escritor excede a cada frase. Nem permite que a gente pare para tomar
notas com cuidado.
“Ciúme”: Minha letra é ruim demais.
Nem eu decifro depois. Eu terminaria o
conto um pouco antes, em “numa briga”.
Por que? Não sei. Foi uma sensação do momento. Será que estou me
revelando escritor também? Talvez ainda tropece nos meus arraigados equívocos.
“Soldado do Fisco”: Surpreendente
desfecho, as indagações em aberto acho-as salutares. O leitor que tire suas conclusões.
“Perdão”: O tiro torto é o que
melhor mata.
“Parto da Vaca”: Acho que o doutor
Luiz tem a culpa por tudo que aconteceu. Ele precisa estar alerta. Ter cuidado
com as consequências do que fala. As pessoas tem dificuldade em recusar-lhe um
pedido, um convite, até para beber mais um copinho. Acham que, por ele ser
doutor, devem-lhe obrigações. O conto marca
para o resto da vida, dos melhores que já li. Nada a ver com a atitude do
doutor Luiz. Vou dizer mais uma coisa: o parto da vaca deu-se no povoado Ceilão
de Campo do Brito, local que conheço bem pois era lá a Fazenda Saracura, que me
consumiu o juízo por alguns anos de minha vida aventurosa.
“Turbulência”: Não atinei para o
sentido da frase: “Georgina dirigindo o carro sem falar comigo” (página 75, 2 parágrafo).
Eu pensava, enquanto lia o conto, que se tratava de um pesadelo. Mas não era.
“Visão”: Uma frase que sempre
achei que fosse minha (ledo engano) está grafada aqui com marca de Vladimir,
“Você está se sentindo mal?”. O autor andou pelos mesmos caminhos que eu,
certamente. Se não ele, seus genes, lá no remoto passado.
“Assunto Sério”: Excelente “thriller”(?). Fui literalmente surpreendido. Fiquei de
queixo caído.
“A Esposa de meu...”: Um pequeno
tema pode gerar uma grande história.
“Meu Filho Teodásio”: Você não poderia falar como falou sobre o
dia-a-dia na roça. À rigor, você precisaria ter vivido lá, como eu. De que
adiantou para mim, que nasci e me criei na roça, se você, que a visitou apenas,
descreve melhor a alma desses ermos? Apesar
da queixa, o conto é excelente.
“Consulta”: Também um bom desfecho,
como requer a arte do conto. Tanto arrodeio (calculista, hein?) só para ver se
deveria pagar ou não o sepultamento...
Acredito que existam pessoas assim. EU?
“Justificações”: Na Terra Vermelha (eu menino) já mandei muita
gente se arrombar. Depois saía correndo, claro! Vi-me, em “justificações” lá,
de novo. Bem empregado, Odimar! Pra você deixar de ser corno! O que deverá ocorrer quando o filho do
vaqueiro quiser ser prefeito? A próxima eleição deve estar próxima.
“Valor do Cão...”: Logo no começo,
achei meio inadequada a figura de que urubu não aparecia lá, era um lugar muito
pequeno. É que eu, àquela altura, já desconfiava de que era um erminho de nada.
Como é bom ter um amigo na praça, especialmente, se o amigo for autoridade.
“Última Tarefa”: O inusitado, que
poderia não ser, lembrou-me Pedro Paramo, se bem que no mexicano os mortos viam
e eram vistos. Quem sabe se o personagem (igual ao livro de Juan Rulfo)
estivesse morto e, equivocado, achasse que estava vivo. Para dar um justo
descanso à Salma? Estou eu, aqui, me
envolvendo demais com mundos vastos de Vladimir, quando deveria apenas falar sobre
eles. Humildemente.
“Cavalheirismo”: Bom suspense:
xan,xan,xan! Concordo também que o momento era inadequado. Seria como se
aproveitar de uma pessoa fragilizada pelo terror. Seu Crescêncio (tenho a mais
absoluta certeza) ainda vai comer esta mulher.
“Reconhecimento”: Devo ter perdido
algo, pois não reconheci este Porfírio do primeiro parágrafo na página 152. Não
seria Merêncio, que já era meu conhecido?
“Confissão”: Ritmo avassalador.
Uma história contada em “crescendo”. Uma
marca cultivada pelo autor, também em outros contos. Que bom!
“A Descida”: Ressurge aqui outra
vez o inusitado (é este o nome mesmo?).
Igual ao estacionamento do supermercado de “Turbulência” e o desenrolar
inteiro da “Última Tarefa”. Há um senão (talvez um erro gráfico) no último
parágrafo da página 170, na segunda frase, o autor usa “fazia”. Se bem que entendi sem problemas a boa história.
“O dia Diferente”: Eu conhecia
como “mulher do padre”. Mas acato “mulher do burro”, que acho que ninguém quer
ser também. Foi uma digressão. O conto tem o lirismo gostoso que me faz bem, um
final doce.
“As Três Filhas...”: Poderia ter
um final diferente. Tudo pode ser nesse mundo da ficção! Floricélia já está
mocinha. Mas é minha filha, mesmo sendo uma Pedra! Deus me livre que morra
antes de mim!
“Cama Nova”: Porreta! Corno convencido mesmo. E existe?
“Obstáculo”: Haveria alternativa? Botar
no asilo de irmã Terezinha não seria adequado? De qualquer jeito, essa sugestão
está chegando tarde. A sobrinha, pelo que entendi, já habita o mundo da loucura.
Sem retorno.
“O Casamento de Esterlito”: Vivas para
Floduarda, que “aponta o chão e mostra
baratas (que nem existiam, acho!) e vivas também para isael Maroto, contrariado
porque a sexta-feira da Paixão foi cair justo no Sábado de Aleluia. Floduarda era
feia (cara de doce de leite batido) ou a moça mais bonita da cidade, no pensar
de Esterlito, sentado no banco da praça? Quando o noivo foi “desmanchar
tudo” fiquei pensando que a operação de Floduarda em Aracaju dera zebra (se de
fato aconteceu?) como também, convenci-me mais ainda de que uma experimentada
prévia ajuda muito.
“Aparição”: Ótimo desenrolar. Muito
justo o crime da garota e, como juiz, eu a consideraria inocente, mesmo que o
júri a incriminasse. Se a menina não saía
de casa, com medo de ser comida pelo safado, como é que foi chupar massaranduba
justo naquele dia? Estou imaginando a cachoeira, bem longe de sua casa. O
demônio apronta cada presepada!
Sobre tudo:
Esse estilo de conversa miúda,
encadeada, seguindo o fio da meada sem saltos ou despistes, caiu muito bem. O
leitor, nem precisa gastar-se, basta ler uma palavra depois da outra que a
história vai saindo do papel e tomando conta dele.
Sobre os nomes estranhos dos
personagens, confesso que me incomodaram no começo. No “Casamento de Esterlito”
na página 198, no meio da folha, pareceu-me estar numa aldeia da Grécia
histórica (eu já morei lá, penso que sim!).
Por conta desses nomes talvez as novas gerações
de sergipanos (e brasileiros) tenham nomes mais exóticos. Nada demais, até eu tenho em casa um trio txucurramãe (Raoni, Candire, Mohara). Por outras influências