domingo, 11 de dezembro de 2022

UM BATIM NAS MEMÓRIAS DE UM MENINO PROPRIAENSE

 UM BATIM NAS MEMÓRIAS DE UM MENINO PROPRIAENSE, José Alberto Amorim, 2. Edição, Performance (Arapiraca-Alagoas, 2021, 155 páginas, isbn 978-65-87637-85-3.

 


Fui à I Feira Literária de Propriá realizada nos dias 9 e 10 de novembro de 2022, quando nem acabara ainda a Feira do Livro de Itabaiana (dias 4, 5 e 6), estropiado pela luta que é organizar uma feira de livro de três dias. Fui porque me intimou Ronpelim (Ronaldo Pereira Lima), cronista admirável do beiradão, a participar de uma mesa de debates.

E lá chegando de carona com José Ginaldo de Jesus, que lançaria seu “Chistis” na comunidade católica (ele é líder nesse mundo santo), comecei a conhecer pessoas abnegadas, como os componentes do CCP (Centro Cultural de Propriá) que organizou a Feira no peito, destaque para o próprio Ronpelim e sua esposa Macléia, para o escritor Amorim,  para o empresário  Franklin, para Sérgio, entre outros.

O meu livro “O Menino Amarelo” foi adotado por visitantes da Feira e viajou (doei exemplares) a escolas que demonstraram interesse nele.

E com o escritor José Alberto Amorim, autor de “Um Batim nas Memórias de um Menino Propriaense” fiz permuta de "O Menino Amarelo", com o dele, procedimento que me agrada e sempre busco, porque meu livro se espalha e tenho a chance de conhecer novos autores.

xxx

Acabei de ler o livro de Amorim, que é um batim (brincadeira de pular no rio provocando baticum, espanando água, sem registro no Aurélio) nas memórias de Propriá. Em cada caso contado, em cada tipo apresentado transparece a cidade meio rural e ribeirinha com sua cultura, suas manias, seus jeitos próprios de viver.

São 154 páginas enxutas, tratando inicialmente das pessoas próxima, dos amigos de infância (muitos perduram), entrando em tipos folclóricos, nos portentosos e nos doidos que em todo lugar há, nos artistas... E sempre o rio São Francisco deslizando manso no leito ou brabo invadindo espaços.

A ponte que fez um bem danado pois integrou o País fez muito mal ao lugar: deixou a cidade de lado, como se fosse agora apenas uma peça de decoração. Adeus os cinemas lotados, os clubes sociais festeiros, o comércio ativo, os mecanismos de conexão que geria.

As relembranças discorrem gostosas, dando vida ao lugar que se foi no passado, pela pena hábil do autor enquanto menino.

“Dona Querubina me mandava pegar uma lata de areia grossa na beira do rio. Peneirava e colocava a areia no fogo em uma panela de barro. Quando estava quente tinindo, jogara caroços de milho alho em cima, tapando-a com um texto. Todos ficávamos torcendo e esperando os papôcos dos caroços virando a saborosa pipoca, que algumas vezes era a principal refeição do dia”.

“Na padaria de seu Pedro Pinto, quem levasse uma mochila ganhava um pão de graça. E Tânia, muito esperta, se oferecia para comprar os pães de Dona Dalina e comia a vantagem na rua mesmo. Era sua paga”.

“Em abril de 1964, começaram as prisões de cidadãos que os militares suspeitavam serem comunistas. Na rua Capela morava o açougueiro e vereador Eronides Trindade (conhecido por Lila). De manhãzinha, Lila percebeu que sua casa estava cercada, soldados batiam na porta para o prender. Tentou fugir pelos fundos, também havia lá um soldado de plantão. Alcançou um galho da goiabeira do vizinho e, de comum acordo, subiu no muro e se escondeu lá em cima até não aguentar mais. Então desceu e tentou negociar com os soldados. O tenente exigiu, para não o prender, que ele assinasse documentos incriminando o prefeito, doutor Geraldo e o irmão deste, Deputado Cleto Maia. Lila se irritou: ‘Pois me levem pra rua e me fuzilem ou me prendam, não assinarei em falso testemunho, eles são homens de bem, só ajudaram os pobres”. Lila foi algemado e pegou cadeia por 62 dias”.

“A rua de Serapião é um dos mais tradicionais logradouros da cidade. Quase tudo acontece nela e por perto. E logo na esquina, morava seu João Lampião, o irmão mais novo do rei do cangaço. Quando a molecada debochava dele, a reação era ameaçar com espingarda. Quem defendia os meninos era a irmã Vilma, que morava com dona Francisquinha, a mãe de João, mais à frente”.

“Que risco corríamos para roubar frutas no farto pomar de seu Martinho Bravo. Quando estávamos no bem bom, ouvia-se o pipocar da espingarda soltando sal em pedras. Como escapar, no desespero, cinco meninos por um buraco onde só cabia um”.

 “Os melhores pastéis da rua de Serapião eram os de dona Djalva, que todos chamavam Vavinha. Massa fina, com recheio de saburica (camarão sossego), batatinha, arroz xerém, verduras e alguns segredos”.

“O Sapateiro José de Castro, homem de atitudes diretas, não admitia conversinhas fiadas, era o nosso ‘seu Lunga’”...

E por aí vai...

Uma riqueza imensa de memórias que faz do livro “O Batim nas memórias de um menino propriaense” rico, divertido, um documento de valor, que, no mínimo, será fonte de pesquisa para historiadores, como escrevia Luiz Antônio Barreto a revém dos livros de outro autor, Antônio Saracura, em artigo publicado no Jornal do Dia, de 20/05/2011.

Por Antônio FJ Saracura, em 2022dez11)

 














domingo, 4 de dezembro de 2022

CONVERSANDO COM AS GALINHAS, Irinéia Borges Carvalho

 

CONVERSANDO COM AS GALINHAS, Irinéia Borges Carvalho, 2021, Artner, Aracaju, 80 páginas, isbn 978-65-88562-45-1

 


Um dia, Pascoal mandou-me um original todo atrapalhado, que eu tentei ler e não consegui. Devolvi e disse que precisava ser reescrito pelo próprio autor, pois ninguém conseguiria ajustar o texto ao pensamento difuso que o autor talvez tivera. Tempo depois, Pascoal me disse que dera pitacos e que o autor, depois de alguma reforma, publicara o livro. E me mandou “Conversando com as Galinhas” um livrinho de 80 página que agora li e estou de boca aberta, encantado. As três primeiras histórias bem escritas, gostosas, que me emocionaram.

Sento-me em um banco na praça do coreto, à sombra de um pé de Benjamim, gasto o resto de meus dias feliz (meu corpo alquebrado não dói, nem minha alma gasta ansia), puxando conversa com os passantes apressados, e mais, conversando com as galinhas.

Viajei à casa de pensão de dona Ruth lá numa cidadezinha, quase vila, no interior de São Paulo. Numa sexta-feira, eu estava presente, ela hospedou um senhorzinho, chamado Leonel. Os hóspedes de dona Ruth eram viajantes que ficavam uma noite ou duas, mas o senhor disse que ficaria um mês ou mais. Seu Leonel era um velho médico, sem ninguém, e buscava um bom lugar para morrer. Quem adivinharia?

E fui com Corine, de trem, de Pittsburg até Philadélfia, visitar a tia dela, Abgail, que a chamara com urgência. Deixamos nossas famílias para trás. Eu, ninguém; sou apenas o leitor; Corine, deixou a filha que criou sozinha e estuda na universidade. E Corine reencontra o destino que perdera vinte anos atrás por conta de duas palavras mau entendidas...

Há mais quatro contos/crônicas/textos pequenos (quiçá relembranças): Janelas abertas, aprendendo bons modos, meus amores reais e colhendo palavras. Têm a ver com o cotidiano, com a missão de ensinar, com o gosto pelos recantos sagrados nas almas e das letras e  das palavras. 

Destes quatro, o último, “Colhendo palavras”, me tirou da sintonia que os iniciais criaram. Anotações ao leu, em tom coloquial, que não fazem mal por isso, mas me sacolejaram pra lá e pra cá, sem me levarem a lugar a nenhum. Senti-me perdido no meio do galinheiro. Entretanto, reconheci como sendo interessante fluxo de ideias: matéria prima para subsidiar trabalho acadêmico a ser desenvolvido posteriormente sobre o uso das palavras em seus mil e tantos significados e nuances.

 

(Por Antônio FJ Saracura, em 2022dez03).