domingo, 13 de outubro de 2019

CARTAS DE HERMES FONTES (ANGÚSTIA E TERNURA)


CARTAS DE HERMES FONTES (ANGÚSTIA E TERNURA), J. Andrade, 2006, Páginas: 267 com ilustrações, sem isbn




Ana Medina tem nos dado obras impagáveis, como “Efemérides Sergipanas”, de Epifânio Dórea, “Mário Cabral” e este “Cartas de Hermes Fontes - Angústia e Ternura”. Só para citar três. Foi nessas obras que aprendi muito sobre vultos da nossa intelectualidade, orgulhando-me mais ainda de minha terra.
O livro “Cartas de Hermes Fontes“ está agora comigo. Peguei-o emprestado com Carlos Leite, meu professor na infância e meu amigo a vida toda. Uma empatia espontânea.



É uma pena que o livro foi impresso em papel nobre e a cola usada e não teve o mesmo nível de nobreza. Deve ter ficado tímida. As folhas se soltam a medida que vamos lendo, apesar de ser uma publicação recente, de 2006. Mas este é apenas um detalhe bobo, diante da magnitude do trabalho de Ana Medina.

Hermes Fontes estava sendo esquecido, como outros ilustres de nossa terra. Apenas nomes de ruas e monumentos depredados os nomeiam. Quem em Sergipe sabe que ele foi um menino prodígio, e aos dez anos decorava integralmente longos discursos que ouvia na Assembleia, repetindo-os em seguida, sem erro. Impressionou dois grandes da época, Laudelino Freire e Martinho Garcez.
E, ao contrário de Genário Pereira de Carvalho, meu primo das Flechas de Itabaiana, que também fazia a mesma coisa e nem foi percebido (apenas pelos vizinhos que o adoravam), Hermes foi adotado por Martinho Garcez e levado para o Rio de Janeiro, o reino da cultura. Para o seu mal e para o seu bem. Desfrutou da glória mas “estourou o crâneo buscando na morte a tranquilidade que não tivera na vida“, como estampou o jornal “A Noite” do Rio de Janeiro, em 27 de dezembro de 1930. Ele morreu aos 47 anos, e Genário aos 77.

No livro Ana Medina recupera toda correspondência da família à Hermes (e algumas dele) mostrando o ser humano que foi o poeta.

Além de compositor (Constelações, Luar de Paquetá), Hermes foi poeta de muitos livros (Apoteoses, Gênese, Ciclo da Perfeição...).

Vejam o poema (Messianeida), publicado no seu livro “A Fonte da Mata”:

“São Francisco de Assis pregou aos pássaros, e Santo Antônio aos peixes.
Mais corajoso do que São Francisco
e do que Santo Antônio,
Jesus pregou aos homens e às mulheres...
Perderam, todos eles, o seu tempo
e o seu sermão:
O mais sábio por certo,
o mais sábio de todos foi São João,
que pregou no deserto...”

(Aracaju, 17 de abril de 2011, por Antônio FJ Saracura)

CARTA ABERTA Á ESCRITORA CHRISTINA CABRAL






CARTA ABERTA Á ESCRITORA CHRISTINA CABRAL


Aracaju, 20 de outubro de 2013.

Querida amiga,



Há muito tempo que eu precisava escrever-lhe esta cartinha, respondendo a uma que me mandou e que reproduzo abaixo. Precisava agradecer as bonitas palavras da carta e o sorriso cordial com que me honrou ao encontrá-la dias depois.

Fiquei sabendo  hoje que a senhora viajou para o céu. Que azar o meu!

Preciso andar mais rápido em cuidar das pessoas que me tratam como a senhora me tratou, não perder tanto tempo escolhendo as palavras capazes de expressar meu sentimento, que nunca me vêm, talvez elas nem existam.
Bom céu para a senhora, poetisa!
Lamentei muito tê-la perdido aqui na terra. Mas o céu ganhou muito com a sua chegada, sem desmerecer os outros justos que moram lá.

Um beijo,

Antônio FJ Saracura, escritor.


Aracaju, 02 de maio de 2011

Querido amigo Antônio Saracura,

A literatura nos permite colecionar amigos no coração, mesmo sem conhecê-los ou ter com eles convívio. Estes amigos nos tomam as mãos e nos levam ao imaginário. De mãos dadas permitem-nos percorrer seu encantador passado e invadir, com espanto e êxtase, o seu íntimo sadio e puro. Refiro-me aos seus livros “Os Tabaréus do Sítio Saracura” e “Meninos que não queriam ser Padres”.

Monteiro Lobado com seu “Sítio do Pica-pau Amarelo”, lançou sua âncora amorosa e renovadora no Brasil e no Mundo. Abriu a imaginação para busca e exaltação do belo e, na sua riqueza de personalidades e temas nos permitiu, como você nos permite, integrar os nossos passados, viver com alegria ou emoção os nossos momentos, abraçar com ternura os nossos idos familiares ou amigos.

Você chegou de mala de cuia e tomou conta do “pedaço”. Nós o seguimos Saracura, com ansiedade e curiosidade pelos momentos de calma e bom humor que nos proporciona e pelas andanças nos caminhos de nossa memória.

Esperando que esta cara seja fiel aos meus sentimentos de carinho e admiração, envio-lhe meu abraço amigo.

Christina Cabral, escritora e membro da Academia Portuguesa de Jovens Escritores, cadeira número 4..


À SOMBRA DA MANGUEIRA E OUTROS CONTOS, Adélia Mota

À SOMBRA DA MANGUEIRA E OUTROS CONTOS, Adélia Mota, infographics, 2019, 71 páginas, isbn 978-85-9476-203-0




Adélia Mota é professora e ensina no Colégio Mauá (e outros) e sempre a vejo de relance por onde ando nessa minha missão de escrever e divulgar livros. Eu gostei da escrita leve, ágil, consistente desse primeiro conto (já que sempre pulo prefácios e apresentações), “A Beleza do Óbvio” do livro magrinho, “À Sombra da Mangueira e outros Contos”, de Adélia Mota, itabaianenses universal. E, por isso, resolvi ler o livro inteiro...

Vi em Pedro arrebatado (a Moça com o livro de Bandeira), trair-se profissionalmente, o poema de Manoel Bandeira prende-o inapelavelmente à desconhecida moça que pagou a conta pela metade. Há um silêncio mágico na escrita que nos permite ouvir os corações pulsando, sentir a pureza das almas. Em meia página, o conto mostra uma vida inteira: comprimida, trágica, lírica.


Carlos Castanheda, em algum trecho de Viagem à Ixtlan, fala de um lugar acolhedor reservado para cada um de nós; até no meio do deserto de Sonora, camufla-se entre os cactos hirsutos ou na ventania que zoa. Se tivermos a sorte de achá-lo, desfrutaremos a essência de nosso ser, como se o paraíso fosse inteiramente nosso, os desejos íntimos, mesmo os não reconhecidos, realizam-se milagrosamente.
“No silêncio e na solidão (do quintal cheio de árvores de minha meninice) construí os melhores dias de minha infância”, escreve a autora logo no início do conto: À Sombra da Mangueira.

Se eu não tivesse também um lugar assim acolhedor, tomaria agora emprestado este, de Adélia, que, certamente, é o mesmo de que fala dom Juan em Ixtlan.

Ailton, como eu aposentando e claudicante, sentiu-se um cavalo selvagem e sai em busca de sonhos confusos. Felizes os que têm um anjo da guarda zeloso.

Dona Ritinha é a guardiã dos falsos valores que matam muito mais do que bala, câncer e solidão. “Boa noite, lindo rapaz, entre e venha tomar comigo um cafezinho com pão de ló!”

Pareceu (“Entre sapatos e chinelos”) uma história comum, até óbvia, mas há um cão andando junto que faz a gente, estranhamente, chorar.

A gata Mimi entrou sorrateira fugindo do dilúvio, aproveitou a porta aberta para a bicicleta passar. Só o olho do escritor atento vê fatos assim corriqueiros mas que dão vida à vida. A amizade faz-se forte até pela indiferença. E Mimi morta revela um mundo bruto que precisamos amansar.

“O Museu de lembrança” traz-me uma palavra de meu povoado (talvez de muito mais lugares ) numa frase cinematográfica: “Estava com a roupa rasgada, e com a boca cortada por um murro que levei de um garoto mais velho.”

Parei aterrorizado em “Quando Pedro enlouqueceu”, para anotar que a mãe não pode dar-se ao luxo de ficar louca, melhor que a filha engula os cordões das redes desfiadas.

...

Adélia escreve devagar, não deixa nada escapar, pinta o ambiente em volta e o mundo interior, mas apenas o que interessa mostrar. E o faz de um jeito peculiar, que encanta e que assombra.
Antônio Saracura, Aracaju 13 de outubro de 2019).  

xxx

Biografia de Adélia, escrita por ela mesma, na página 72 de seu livro: “Adélia Mota pouco tem a dizer sobre si. É itabaianenses de coração, professora e, acima de tudo, leitora. Este livro é um exercício de terapia e criatividade para alguém que encontrou, nas palavras escritas, uma forma de expressar sentimentos e emoções.”.