sábado, 23 de março de 2024

SIMÃO DIAS TRADIÇÃO E HISTÓRIA, Amaral Cavalcante

 

SIMÃO DIAS TRADIÇÃO E HISTÓRIA, Amaral Cavalcante organizador, Edise, Aracaju,2020, 186 páginas, Isbn 978-65-86004-18-2.

Este livro foi um brinde que recebi (junto com outro chamado “Entre traços e contextos” ) em 16 de março de 2024 , em visita ao Centro de Memória Digital de Simão Dias. Junto com imortais da Academia Sergipana de Letras, a convite do idealizador e autor do projeto, arquiteto Ezio Deda. Ele foi nosso cicerone pelas veredas históricas e digitais de Simão Dias.

Ao chegar em casa, comecei a ler o livro e gostei muito. Bem escrito, exposições consistentes, suficiente iconografia.  Vou arrumar um lugar para ele na minha restrita biblioteca.  

O livro está dividido em sete partes:

1.     Simão Dias, tradição e história, por Luiz Antônio Barreto.

O início da colonização com doação de sesmarias a alguns Simão Dias de então, destacando o francês que veio de Itabaiana com seus rebanhos para escapar do confisco holandês e da matança promovida pelos soldados de Portugal. Passa pela emancipação, troca de denominação, visita de Antônio Conselheiro em sua missão santa, as figuras ilustres...

2.     Tempos áureos de nossa cidade, por Jorge Luiz Souza Bastos.

Fatos, pessoas e equipamentos que constituíram e constituem o município. A evolução do lugar, desde os currais, à comarca, vila, paróquia... As figuras de escol são mostradas com intimidade. E aqui me causou espanto e emoção o poeta Hermes Andrade, uma fantástica narrativa. Hermes pertence a um mundo que vivi, fazendo jornalecos, como Pasquim, O Recreio e outros, no Seminário, e logo a seguir, na redação de “A Cruzada” (semanário católico onde fui chefe da redação) que dependia muito da criatividade de seus artesãos.

Hermes nasceu em 1912 no povoado Curral dos Bois, longe da cidade. Autodidata, somente alfabetizado, improvisou uma tipografia com o casco de cajazeira, e fez circular pelos sítios o jornalzinho “O Municipal”. Quando  a impressora se mostrou inviável, o jornal prosseguiu escrito à mão (manuscrito). Causou espanto nos jornalistas da cidade (A Luta) que lhes dedicaram reportagens e lhes deram espaço para publicar crônicas. Faleceu muito novo (27 anos) de tuberculose, mas angariou celebridade como o poeta da solidão, “um dos talentos mais pujantes e mais multiformes dos nascidos em terras de Simão Dias” (escreve “A Semana”, em 02.03.1947).

3.     Memorial de Simão Dias e sua importância para o município, por Edjan Alencar e Amanda Oliveira.

O nascimento do museu (1991), os gestores (desde a primeira diretora, Enedina Chagas Silva, tia do ex-governador Belivaldo Chagas. A composição do rico acervo (hoje assimilado e ampliado pelo Centro de Memória Digital, inaugurado em dezembro de 2022): pintores, artesãos, fotógrafos, Jornalistas, figuras ilustres da história, e muito mais, com respectivos feitos e obras, desde a origem da cidade.

4.     Simão Dias à frente do executivo sergipano, por Luiz Fernando Ribeiro Soutelo.

Reencontro meu colega de faculdade de economia (turma de 1971) e meu confrade da Academia Sergipana de Letras (faleceu em 03/01/2022),  historiador Soutelo, tão grande quanto os maiores que Sergipe produziu. Ele apresenta os cinco governadores filhos Simão Dias: Pedro Freire de Carvalho que assumiu com a renúncia de Siqueira de Meneses e permaneceu de julho de 1914 a 24 de outubro do mesmo ano. Sebastião Celso de Carvalho, assumiu o governo com a cassação de Seixas Dórea (revolução de 1964) ficando até 31 de janeiro de 1967. Antônio Carlos Valadares, eleito, governou de 1987 a 1991. Marcelo Deda Chagas, também eleito, governou o estado de 2006 a 2013 quando faleceu. Belivaldo Chagas Silva, eleito, governou de 2018 a 2023. Para cada um deles, Soutelo oferece preciosas informações.

5.     Intelectuais simaodienses, por Gilfrancisco dos Santos.

Gilfrancisco está sempre presente onde se produz história em Sergipe, com livros, com ensaios, só nunca o ouvi em academias ou eventos proferindo palestras. E, pelo que sei, não é mineiro. Acende mais luz ainda sobre Gervásio Prata que, agora, brilha também como avô de um taumaturgo, Henrique Prata, com seus hospitais em Barretos, Lagarto e resto do Brasil e nem médico é. E fala de Carvalho Neto, Carvalho Deda (nasceu em Paripiranga), Pedro Barreto, Aline Paim (nasceu em Estância), Paulo Dantas, Paulo de Carvalho Neto, Sinval Palmeira, Artur Oscar Deda. Senti a falta de Amaral Cavalcante, um dos maiores.

6.     Simão Dias, ontem e hoje (um passeio pela história através das mudanças no padrão arquitetônico), por Edjan Alencar, Geraldo Henrique dos Santos, Alexandre do Nascimento Barreto Junior.

Uma plêiade de historiadores e pesquisadores caiu nas ruas da cidade, escarafunchando os palácios, palacetes, mansões, prédios do comércio, equipamentos públicos, igrejas e casas do povo. Desde as fundações, modificações, conservação. E vasculhou a documentação disponível nos livros das sacristias e dos cartórios. E catalogou os festejos religiosos e populares, as histórias das vias públicas... E inclui no artigo, o que mais achou de valor, como a rica iconografia colorida dos principais motivos descritos.

7.     Poema: uma endecha à Simão Dias, por Udilson Soares Ribeiro.

Não tem importância que a endecha seja uma composição de apenas quatro versos de cinco sílabas. Não caberia mesmo toda a beleza da composição poética que louva Simão Dias de um modo coloquial e familiar, mas sem deixar de ser grandiosa. As procissões de dona Dé, os presépios de Joventina, os reisados de seu Tota, os bailes do Caiçara Clube, o Cine Ypiranga que foi ressuscitado com o Centro de Memória Digital... Eu nem sou daqui, mas me lembrei como e fosse, destes eventos citados, dos demais ditos ou sugeridos, na bela endecha de Udilson Ribeiro.

(Por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 23/03/2024).

sexta-feira, 22 de março de 2024

ENTRE TRAÇOS E CONTEXTOS

 

ENTRE TRAÇOS E CONTEXTOS, as charges de Carvalho Deda no jornal A Semana (1959-1968), Amanda de Oliveira Santos, Aracaju, 2022, Segrase, isbn 978-65-86004-77-9

 

A emoção fez-se em nó lá dentro, subiu pelo gorgomilo na tora querendo ar e cortando o meu. Posso morrer disso. Bastou-me ver o jornalista Carvalho Deda criando mágicas para que seu jornal fosse lido até pelos analfabetos.  

Eu já conhecia Carvalho Deda de “Brefáias e Burundangas do Folclore Sergipano” que li até as entrelinhas. E de outros três livros que acompanharam Brefáias no book lançado no governo Marcelo Deda, que acidentalmente ganhei, pois estava de cara para cima em um final de tarde na galeria de arte Álvaro Santos sem entender porque ali havia tantos figurões se cumprimentando e sorrindo.

Entretanto, os livros “Simão Dias fragmentos de sua história”, “Carvalho Deda vida e obra” e “Formiga de Asas” (que completavam o book) dei uma sapeada e, espantado, vi que neles havia ouro puro. Urgências maiores surgiram. Então, escondi a boca da mina (o book com os livros) para oportunamente (que até agora não aconteceu) explorar o ouro.

Conheci a historiadora Amanda de Oliveira Santos, autora do “Entre traços e contextos”, quando visitei, com minha esposa, o Centro de Memória Digital de Simão Dias, em 20 de maio de 2023. Amanda  estava elaborando a dissertação de mestrado que foi transformada neste livro, agora impresso, que acaba de cair em minhas mãos.

Li “Entre traços e contextos” de um pulo[1].  O tema abordado é interessante, fui jornalista nos tempos basilares e quebrei a cabeça com as mesmas ferramentas. A escrita (apesar de técnica) flui fácil, tem sabor de romance, que é meu prato predileto.

O livro trata do jornalismo em Sergipe, com foco em Simão Dias e na longevidade do jornal “A Semana” (1946 a 1969), de Carvalho Deda. E mais firme foca nas charges xilográficas que o jornalista cria para que seu jornal seja útil e sofregamente consumido, que são as magias de que falei lá no começo.   

O jornalista, advogado e político José de   Carvalho Deda, é dono do jornal, editor, colunista, editorialista, criador das manchetes, o condutor da linha... É também o entalhador da madeira (ele foi carpinteiro e agora domina a arte da xilografia) que produz as gravuras que são impressas  nas páginas do jornal narrando casos, como os quadrinhos de uma revista, como a xilogravura dos livrinhos de cordel.  A charge provoca reações peculiares. O administrador público lê cauteloso. O cidadão comum sorri gratificado porque é a sua voz falando alto. Os que não sabem ler, se assustam porque conseguem entender a nova escrita.  

Todos ficam sabendo que estourou a guerra, que o ditador caiu, que o rio encheu, que Jânio renunciou, que o novo papa foi eleito... somente olhando as figuras.

Muitos sorrisos, alguma mágoa.

A charge do jornal “A Semana” está nas rodinhas, nos gabinetes, nas malhadas, nos roçados,  nas estradas, nos ajuntamentos, na sacristia da igreja, em todo canto.

Humor, ironia, alertas, afagos.

E muito mais jornais vendidos.

xxx

Que Simão Dias é essa que brilha tanto a meus olhos?

Que monstro foi José de Carvalho Deda?

Que livro bom  é “Entre traços e contextos” de Amanda de Oliveira Santos?

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 22 de marco de 2024).


NOTAS 

[1] Eu estava lendo a resenha na tribuna e ouvi palração entre dois monstros sagrados da arcádia,  sentados na primeira fila do auditório.  Ao concluir minha apresentação, o ruído continuava, então me aproximei e me espantei.

Riam da minha frase “li de um pulo”. Diziam que  eu lera dando pulinhos.   

Apenas para evitar outros mal entendidos, deixo a frase do mesmo jeito, mas me justifico: O termo “de um pulo”  significa, em Itabaiana,   “ligeirinho”, e o conheço desde menino.

E eu explico nas frases seguintes da resenha porque "li de um pulo”. (Li ligeirinho).

Em casa, no Google, vi que não estava revelando uma das joias da Terra Vermelha de Itabaiana.  O mundo todo usa a mesma expressão no mesmo sentido (ligeirinho). Anotei alguns exemplos: 

“Do beijo pra cama é um pulo”

“A fazenda é logo ali, à distância de um pulo”.

“Depois deste remédio (para vermes), a menina vira outra de um pulo”

“Vou dar um pulo na sua casa”

(precisa de mais?)  

quinta-feira, 21 de março de 2024

A CAMINHO DE BETULIA, Ednalva Freire Caetano

 

A CAMINHO DE BETULIA, Ednalva Freire Caetano, Aracaju, Criação editora, 2022,220 páginas, isbn 978-85-8413-305-5.

 

 


Mergulhei (queria dormir no colo) na crônica “Dorme-maria” (página 73).

 Ao chegar ao meio do último parágrafo, parei atônito. Como pode ele ainda não estar aqui? Certamente há algum aviso escondido, talvez nas entrelinhas, justificando sua inesperada ausência no lugar marcado.

Retornei ao início da crônica e a reli atento, mas não achei nada do que esperava. Ao final, somente Maria deitada como se fosse um feto, no chão frio do aeroporto, jogada murchinha, como um pé de “malícia”. Tampei os ouvidos para não escutar o estridente estribilho isolado,  que  reverberava:  “Maria-feche-a-porta-que-o-soldado-vem aí”, deitei ao comprido ao seu lado e murchei igual. 

Quem mandou me envolver tanto assim no sofrimento de Maria?

Suspendi um tantinho o rosto do piso e falei: “Depois que o soldado for embora, a gente recomeça uma nova vida, como todo mundo faz.”

xxx

As crônicas do livro “A Caminho de Betulia” são recheados de simbolismo. Sessenta textos, por aí. Escritos com esmero, lúcidos, cristalinos. Crônicas, ou poemas, ou contos ou ensaios ou artigos ou um romance de família. De qualquer jeito, joias literárias que encantam, que convencem, e deixam marcas indeléveis no leitor.

O livro é uma viagem que Ednalva faz (e nos leva junto) para dentro de si, para em volta de si, debatendo ideias, fatos, lugares, sonhos, calçada pela fortuna de saberes que amealhou na vida e com o senso crítico que tem.

Todos os textos merecem uma resenha particular, que não tenho como fazer. Vou pegar alguns, para tentar dar uma ideia do universo todo. 

A crônica “A caminho de Betulia” (que dá o título do livro) anda pelo velho testamento da Bíblia, quando Judite, de modo singular, consegue impedir o massacre do povo Judeu. Outra mulher (agora Judith) renasce em Aracaju, nos dias atuais, e realiza até maiores feitos, conduzindo uma família pela dureza infinita da vida à dignidade, ao sucesso que nos cabe.

Em “Qual é o seu sonho”... O sonho de justiça social precisa de todos nós para o tecer, assim como a madrugada do poema de João Cabral de Melo Neto com seus galos amiudando firmes e solidários.

Em “Isaque, o islandês”, o personagem fala palavras longas como o povo da Terra Vermelha de Itabaiana: “fiodocansomariano”, “fiducabruncodapeste”. Ele é uma pessoa comum, com família para a qual nem liga, mas a quer sempre à vista para lhe dar segurança.

Em “Monólogo do Exílio”, o narrador fica perdido no labirinto dos seus sonhos que são tantos (tem essa mania de sonhar) e acaba se afastando da realidade com a qual os não sonhadores lidam bem.

Nas muitas crônicas que falam da Pandemia do Covid, espanta-se com o assombro ante as primeiras mil mortes e mais ainda com a aceitação conformada das cem mil que ocorrem na sequência. E sofre impotente com a insensatez de um povo que grita: “não queremos vacina, queremos cloroquina”.

Em “Em Cem dias... sem dias”, o mundo contaminado encalacrou, mas os passarinhos lá fora continuam fazendo a maior festa.

E encontra espaço (“Eu tenho um amigo biso”) para homenagear, sem subterfúgios, o amigo Inácio, que pratica aquelas coisas comuns que nos atingem sutis, a cada suspiro, e que nos fazem gente. Ele sabe como ninguém cultivar uma grande amizade, regando-a, a cada dia, como um jardineiro fiel.

Boa leitura!

(por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 2024mar20).