AINDA ESTOU AQUI, filme de Walter Salles, 2024, em exibição comercial.
Em meados de 1972, eu trabalhava na Espal/Petrobras, no sétimo andar do edifício Anhanguera, na Barão de Itapetininga, 151, centro de São Paulo. Em uma manhã de um dia comum, na portaria, fui recebido por um pelotão de militares com metralhadoras e cães. O capitão examinou minha documentação e me trancou em uma sala, onde já estavam colegas, sob a mira de armas e sendo interorogados.
No final da manhã, fomos liberados e subimos ao Escritório, mas um analista recém
admitido não estava conosco. Foi levado para o DOI-Codi, as pessoas falaram. Depois, a família veio do Ceará e não o achou em canto nenhum.
Nunca mais tivemos noticia dele.
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“Ainda Estou Aqui” é um filme brasileiro de 2024, do gênero drama
biográfico, dirigido por Walter Salles, roteiro de Murilo Hauser e
protagonizado por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro e com Selton Mello no
papel de Rubens Paiva. Baseia-se na autobiografia homônima, de 2015,
escrita por Marcelo Rubens Paiva (filho de Rubens).
Sua estreia no Festival de Veneza aconteceu em 1º de setembro de 2024,
tendo sido aplaudido por dez minutos consecutivos pelo público. O filme foi
premiado com a Osella de Ouro de Melhor Roteiro e foi escolhido pela Academia
Brasileira de Cinema, como representante do Brasil na categoria de Melhor Filme
Internacional no Oscar de 2025.
Foi lançado oficialmente nos cinemas brasileiros, em 7 de novembro de
2024 e imediatamente se tornou um sucesso de bilheteria. Já foi visto por mais
de 1,8 milhão de espectadores
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“Ainda estou aqui” acontece no início da década de 1970. O Brasil
enfrenta o endurecimento da ditadura militar. No Rio de Janeiro, a família
Paiva (Rubens, Eunice e seus cinco filhos) vive à beira da praia em uma casa de
portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens, que fora deputado cassado
em 1964 pelo golpe militar e, anistiado, retornara ao Brasil, é levado por
militares à paisana e desaparece. A esposa e uma filha também são
presas, mas liberadas.
O filme é o retrato violento deste período por que muitos de nós
passamos. Traça um paralelo entre a vida normal e feliz de uma família e o
terror da perseguição política truculenta e arbitrária.
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Eu o assisti esta semana aqui em Aracaju. Mesmo nas cenas aparentemente
triviais, há o punhal do torturador generalizando o castigo injusto: O gerente
do banco, com má vontade, exige a presença do cliente morto para liberar o
saque que manterá a família dele. O amigo e sócio de Rubens vende o terreno
filé mignon por uma bagatela, quando poderia aceitá-lo como garantia de
sucessivos empréstimos. O cachorrinho da família é atropelado e morto
pelo milico, apenas porque vigiava pacificamente sua agressiva e contínua
presença em frente à casa da família.
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Eu convivo hoje (60 anos depois da dita revolução) com pessoas que
esperam pelo retorno da ditatura militar. Que prestam continência a coronéis
golpistas, e os têm como heróis. Que, secretamente ou não, ouvem discursos
inflamados gravados pregando o genocídio dos mais fracos e dos mais
livres, e babam de prazer, como se ouvissem belas peças de Mozart ou Chopin.
Um importante líder político muçulmano disse outro dia na Televisão que
os campos de concentração do nazismo são ficção. Que as famílias judias, as
ciganas, as de minorias raciais, as de não arianos, dizimadas, são inventadas, são personagens de romances apenas.
Um presidente do Brasil recente, até antes de ser presidente, homenageou publicamente como “herói nacional”, Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), major Tibiriçá de má fama, coronel do Exército, comandante do DOI-Codi entre setembro de 1970 e janeiro de 1974 e o primeiro torturador condenado pela Justiça.
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“Ainda estou aqui” lembra-nos dos que foram torturados pela ditatura
militar para que não permitamos que aconteça de novo, e não sermos
torturados outra vez. Que tenhamos cuidados com os novos torturadores, que
estão de prontidão, aguardando ordens, são alunos aplicados da
Escola das Américas, que ensina a submissão incondicional aos Estados Unidos.
Recomendo o filme, dou-lhe "bonequinho viu" aplaudindo em pé, critério de avaliação do jornal O Globo de filmes exibidos desde 1938.
E para quem ainda gosta de ler livros, recomendo “A Casa dos
Espíritos” da peruana Isabel Alende, que chora a mesma dor no Chile de Pinochet..
(Por Antonio FJ Saracura, em 28 de novembro de 2024).
https://documentosrevelados.com.br/tpos-de-tortura-usados-durante-a-ditadura-civil-militar/
https://cinemarcoblog.net/2020/12/17/o-bonequinho-vai-ao-cinema-em-o-globo/