DIARIO DE MARIA FUJONA, Ailezz,2024,Infographics,Isbn 978-65-5730-201-9
Seriam narrativas da trajetória de uma vida ou seriam fragmentos de um sonho relembrado? Prosa ou poesia escorreitas?
Não há datas envolvidas (que um diário exigiria e uma biografia também, em princípio). Aqui o tempo vai e vem. Os fatos são revelados amplos, sem entrar em minúcias com é a praxe literária para biografia ou diário.
Os textos são mais poemas, que descobrimos, ao final, pela sensação de harmonia, pela perspectiva de profundidade, pelo perfume que exalam.
“Nas páginas coloridas
moram loucuras da juventude
que abracei sem medir”. (Ela mesmo é quem diz na página 194).
O livro é bom de ser lido, capítulos de uma página e meia com letras generosas, boas de ler mesmo com vista cansada. Tem ritmo seguro, as pontas soltas vão se juntando naturalmente e revelando imagens que mostram o suficiente de uma vida sofrida e gloriosa. Quase todas são assim, mas esta tem magias insondáveis que mudam o mundo com toques singelos.
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Minha aproximação com a escritora Aliezz aconteceu por João Neto, um dos 14 filhos dela, que me oferecia espaço em seu programa de entrevistas no começo da noite na rádio Aperipê. E por Doroteu, o esposo que não mais está em nosso meio. Um dia, na loja Escariz do Supermercado da Francisco Porto, apresentou-se, me surpreendendo. Havia lido um de meus livros (Os Tabaréus do Sítio Saracura) e, efusivo, apertou minha mão, que valeu um abraço demorado ou um prêmio literário.
Depois, eu estava nos lançamentos que Aliezz promovia pela cidade, lendo seus livros (até os infantis pois sou ainda criança) e escrevendo resenhas, prestigiando-os dessa maneira rude que é a única eu tenho. Houve um dia em que fomos, eu e Cida, à sua casa, em algum condomínio da parte sul de Aracaju, seria a comemoração de seu aniversário, pelo me lembro.
Sem andar junto, sem declarações (somente esta, que nem ninguém mesmo lerá pois aqui em minha terra as pessoas só sabem falar), apenas por vê-la voar como um pássaro livre, e cantar, e me encantar com seus livros saindo em profusão, sinto-me uma pessoa de sua casa.
Este “Diário de Maria Fujona” está subdividido em seis partes, cada uma tratando do lhe está reservado, mas se dar ao direito de avançar e recuar sobre as outras, instigando, replicando, complementando.
Meninice - “Com saudade da mãe, que perdi na tristeza de um dia, mergulhava ou voava para encontrá-la. Vivi, assim, a liberdade das crianças soltas na rua; me babava só com o cheiro do doce no fogo e pedia pra lamber o tacho. E, toda tarde, junto com outras crianças, sentava-me no batente das calçadas, esperando o vendedor de pirulitos. Sempre soube dividir meu tempo entre brincar e estudar, tanto que fugia pelas saias das freiras em busca de um amor que ainda nem existia. E como eu abominava os purgantes de óleo de rícino...
Amores - “Maria adolescente fugiu com seu amor da vida toda para se esconder da família cuidadosa. A felicidade estava até em ser fujona. Só o presente me bastava, mas soube esperar com meu amado para ficar muito mais gostoso depois. Os anos se passaram e me transformaram em uma jovem cheia de sonhos, que alcançou seus desejos, junto às gestações contínuas nas quais acumulei tesouros: meus filhos, tantos!”
Pessoas - “Se alguma das pedras não se alinhava, na sua sabedoria de engenheiro, meu pai não a excluía. Depois, a acomodava com a maestria dos precavidos da boa construção. A vovó Sophia foi ludibriada por inescrupulosos que compraram suas terras de plantio de arroz por menos do que valiam. A vovó França mandou os filhos brincarem na rua com os amigos, pegou a trouxa com as roupas do marido louro da Escócia e o expulsou de casa: “De hoje em diante não tens mais uma família para envergonhá-lo.”
Lugares - “Você (mulher) serás o que desejar, é só se permitir. No meu primeiro amanhecer (em minha casa própria), acordei banhada por estrelas de sol, projetadas pelas frestas do reboco mal feito das paredes de taipa. E essa casa me serviu como exemplo de que o pouco, quando apreciado, tem gosto de lembranças que nunca são esquecidas.
Maternidade – “Sou acompanhada por uma família de quatorze filhos aos quais se somam netos e bisnetos. Cada um está registrado no bordado que compus (nomes e data de nascimento) em uma camisola especial de cambraia francesa, que mantenho com desvelo. Aos 16 anos, fiz o simulado do vestibular, e fui aprovada com louvor na mais cobiçada matéria para adolescentes apaixonadas: casamento com amor.
Reflexos - “Os meus sonhos são tão verdadeiros que, ao acordar, sinto as dores que sentia no sonho. Às vezes, eles são tão bons que fico triste ao acordar. E quando são dolorosos, imploro para me acordar, e me acordo.”
Aos setenta e cinco anos, resolveu ser pintora de telas (consagrada até fora do Brasil) e escritora, seus livros são adotados nas escolas do mundo.
E acreditando que tudo pode acontecer quando queremos, Ailezz (Maria Fujona) canta seu hino: “Viver é não ter vergonha de ser feliz. Cantar, cantar e cantar a beleza de ser uma eterna aprendiz”.
Desejamos a Aliezz muita saúde e muitos anos de vida produtiva e feliz, pois sabemos que virão novos livros nos próximos meses, nos próximos anos. Digo seguro, pois sigo o que escreve no Posfácio de Maria Fujona, Paulo Rocha, o editor e um dos quatorze filhos de Zélia e Doroteu.
(Por Antonio FJ Saracura, em Aracaju, 07 de janeiro de 2025).