terça-feira, 1 de maio de 2018

A TORRE DA MATRIZ E OUTRAS HISTÓRIAS, João Paulo Araújo de Carvalho



A TORRE DA MATRIZ E OUTRAS HISTÓRIAS, João Paulo Araújo de Carvalho,2018, 420 páginas, ilustradas, Infographics, isbn 978-855-551-24525

Sobre um povo abençoado



Com tanta história esquecida aqui, correndo o risco de se perder definitivamente, por que nossos historiadores pesquisam as façanhas de Preste João, imperador da Etiópia e descendente do rei mago, Baltazar?

Sergipe, Itabaiana, Dores, Terra Vermelha, Bravo Urubu, Massaranduba, Borda da Mata, Gado Bravo, a sombra dos Enforcados, a Torre da Igreja Matriz, a cruz seca que nasce na encosta íngreme, a batina cerzida do vigário, a imagem remendada de nossa senhora...

Cada um desses temas pode gastar a vida inteira de um historiador e será bem gasta, mesmo que não esgote o assunto, que gere apenas pacotes de documentos ao historiador que um dia virá.

Eu falei acima em Torre da Igreja Matriz...

Esse é o título (apenas parte dele) do novo livro de João Paulo de Araújo Carvalho, historiador de mão cheia. Com a língua presa, jeito manso e ar sonso, ele possui garras de toupeira. Vara o centro da terra onde a magma ferve, se desconfiar que lá habita algum sinal de seu povo.

Nossa Senhora das Dores (Vila dos Enforcados) é o campo onde João Paulo deita e rola, desde muito, até antes do espetacular Memória, Patrimônio e Identidade (2012), e mesmo antes da “Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 150 anos de história e devoção” (2008) que este, agora, expande e aprofunda...

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João Paulo mandou-me um calhamaço virtual e eu retirei o véu, descasquei a primeira palha. Pra que? Nunca imaginei que havia tantos caroços nessa espiga de milho, nesse milharal a perder de vista. Pela cor, milho maduro. Na verdade, ouro puro. A história de um povo religioso, que eu nem sabia que fosse tanto. Escrita sem subterfúgios, com segurança, justificando cada rito, contextualizando-o à doutrina cristã e à história da humanidade.

João vasculhou os arquivos, entrevistou as pessoas sábias que viram o passado. Cavoucou cemitérios, leu lápides, examinou imagens de santos e as marcas que a história deixou nelas. Desvendou a alma de Itapicuru, Bravo Urubu, Sapé, Cajueiro, Borda da Mata, Massaranduba, Gado Bravo, Taborda... Não se limitou a narrar o mundo da atual fé de seu povo, foi às raízes: ao Deus de Abrahão, aos profetas do Velho Testamento, aos teóricos da doutrina, aos vigários que cuidaram da plantinha tenra. Mostrou-nos a personalidade de um povo bravo que enfrentou e venceu adversidades: o enforcamento de seus maiores, secas terríveis dos três sete, cólera, malária, a impiedosa febre amarela...

Resgatou dados tidos como perdidos e construiu um texto rico em depoimentos. Quando descreveu as festas, foi à origem pagã: Quaresmas, Sextas-feiras da Paixão, Semana Santa, Matracas, Lamentações, Penitentes... Quando invocou santos padroeiros, contou-nos a vida exemplar que levaram e os milagres que fizeram.

Revelou nomes de pessoas que fez e faz do povo dorense um povo singular: Padre Fenelon da Costa, monsenhor Marinho, Monsenhor José Curvelo, padre Joselito Santana, Ioiô de Dominguinhos, Ariston Azevedo, Pajaú do Madeiro, José Lima Santana, Manoel Cardoso...

A Torre da Matriz & Outras Histórias é um livro denso. Apenas outro livro, talvez mais denso ainda, poderia dissecá-lo adequadamente. Uma lauda não dá conta da dimensão dessa torre, dos templos espalhados nos povoados, das irmandades, dos rezadores, benzedeiras e parteiras, das botijas, da cultura popular, da memória e religiosidade, dos natais de outrora, do vandalismo, dos cangaceiros fugindo assombrados... Não dá conta do valor dessa respeitável obra sobre um povo místico, abençoado.


(Aracaju, 28 de janeiro de 2018, da pré-leitura solicitada pelo autor)






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