O POETA GAUCHINHO, por ele mesmo em 15 livrinhos de cordel.
Luiz
Alves da Silva (Gauchinho) nasceu em 1964, no povoado Baixa Limpa, em Nossa
Senhora da Glória. Conversei com ele por uma hora na praça de Escritores da
Flig (Festa Literária de Glória) 2023, na noite de 30 de agosto.
Gauchinho
escreve poesia aprumada de quem sabe o que diz e conhece a arte de dizer bem.
Manoel D’Almeida Filho, poeta paraibano que morou em Sergipe quase a vida toda,
foi quem ensinou-lhe o Abc literário. E João Firmino Cabral, o maior cordelista
sergipano, foi seu professor na universidade de poesia.
Gauchinho tem quase 60 anos,
mora em sua terra natal, é locutor de rádio e propagandista em feiras livres
onde vende sua obra.
Vou
correr pelos livrinhos que obtive por troca com meus “O Menino Amarelo” e
“Minha Querida Aracaju Aflita”, quando me encontrei com Gauchinho na FLIG.
“A Moça que foi ao inferno e
dançou com “Nem tô aí”: Um
“Inferno de Dante” sertanejo com 19 estrofes somente, todas do nível desta que
vem a seguir:
Mãe que só cuida dos
filhos
Depois que finda a novela
Vive traindo o marido
Do jeito que vê na tela
Aqui já tem preparado
Um lugarzinho pra ela.
xxx
“Briga
de Antônio Silvinho com o negrão desonrador”: Quarenta estrofes que
contam a briga de dois valentes do sertão, um justiceiro, Antônio Silvino, e o
outro, desonrador de mulher casada. Vejam o que sobrou para o desonrador e não
tenham pena, porque esta é a lei amena de lá.
Pegou comer a galinha
Com pena e osso por osso
Não deixou nenhum pedaço
Depois fez um alvoroço
Silvino com pena dele
Cortou-lhe fora o pescoço.
xxx
“O debate do padre
Simão com Satanás”: 50 estrofes nas quais a história flui equilibrada.
E em um momento, o diabo mostra ao padre Simão, a verdade que o padre até
conhece, mas não usa nos sermões que faz contra o pecado. E argumenta o
fedorento, cheio de razão:
Se não houvesse o diabo,
Não tinha a religião
Nem padre ou pastor pregando
Mensagem de salvação
Não tinha céu nem inferno
Castigo ou condenação
xxx
“A volta de Camões e novas
perguntas do Rei”: Nunca mais
eu havia visto os livros de Bocage e Camões, que me divertiram na infância nas
Flexas de Itabaiana. E Gauchinho me presenteia com este Camões, de 79 estrofes,
das quais apresento, para encerrar, três:
Um dia camões estava
Bastantemente feliz
O rei perguntou-lhe: “O que
Mais cheira neste País?”
Camões disse: “Não é rosa
E nem cravo. É meu nariz.”
Camões então me responda
Aqui perante o povo
Este problema que eu trago
Não é velho e não é novo
Não se quebra com marreta
Mas se quebra com um ovo?
Camões disse: Senhor Rei
Esta pra mim é comum
Durante o ano tem muitos
Mas eu nunca guardei um
Digo com toda certeza
Que é um dia de jejum.
xxx
Fiz um rápido passeio pela boa poesia de Gauchinho.
Eu tenho comigo apenas alguns livrinhos mas o poeta
tem mais de cem obras publicadas, que vende nas feiras e por aí.
Em nossa conversa, ele me contou porque tem este apelido: “Cantei sempre meus versos no ritmo do “Churrasquinho de mãe” do cantor gaúcho Teixeirinha. Foi em Itabaiana, quando apresentava um programa na rádio Princesa da Serra. Você é de lá e sabe o tratamento de “carinho” que o povo reserva a seus artistas.”
E um pouco triste com as mudanças que tem sofrido o cordel puro do sertão, fez uma avaliação em versos da melhor qualidade:
Tenho notado mudanças
Nos cordéis de hoje em dia
Depois que deixou as feiras
E foi para academia
Se encheu de vaidade
Perdeu a simplicidade
E também a autonomia
Já não pode mais dizer
Qualquer coisa abertamente
Já lhe botaram coleira
Para puxar com corrente
O cordel do meu sertão
Nunca foi escravo não
Sempre viveu livremente
Como se faz um romance
Sem colocar personagem
O homem branco e o negro
Os animais a paisagem
Um sertanejo valente
Uma mulher diferente
Saci diabo e visagem
A bíblia diz que a mentira
Ela tem por pai o cão
Também chamado diabo
Um assassino e ladrão
Por apelido é Lusbel
Mas eu digo que cordel
Não é filho dele não
Cordel nunca foi mentira
São poesias versadas
Contando histórias e lendas
De maneiras engraçadas
Servindo de diversão
Depende a ocasião
Faz o povo dá risadas
Estou pensando na vida
E no pouco que me resta
Ir perto de quem me ama
Longe de quem me detesta
Só buscar o que é certo
E fugir do que não presta.
(por Antônio
FJ Saracura, em 2013set02, Aracaju/Sergipe)
Nota:
Outros
títulos que tenho aqui em minha biblioteca:
“O
Itabaianense valente ou Juarez e Guiomar”,
“Desventuras
de João Tolo aprendendo a ser sabido”,
“A
morte de 16 negociantes na estrada de Porto da Folha”,
“A
Briga de Lula com o dragão da Inflação”,
“Satanás
confessa que criou o Corona Virus”,
“O
doido que ficou rico com a botija do calango”,
“O
casamento do diabo e a sorte do camponês”,
“João
Valentin e a lenda do Labisomem”,
“As
proezas de seu Lunga o rei da ignorância”,
“O
casamento do diabo ou a sorte do camponês”.
“O
poder da fé”.
Publicado no Zona em 15/06/2024
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