quarta-feira, 3 de abril de 2024

HISTÓRIAS ROUBADAS, Décio Torres Cruz

 

HISTÓRIAS ROUBADAS, Décio Torres Cruz,Penalux,2022,184 páginas, Guaratiguetá SP, Isbn 978-65-5862-398-0

 


Um livro de contos, crônicas ou de poesia é amplo demais para um leitor apenas, ele precisa viver várias vidas(aventuras) num curto espaço de tempo. Os melhores poemas podem ser comprometidos com seus vizinhos comuns. Um conto espetacular pode ser engolido sem mastigação porque tem feição de outro lido antes. As crônicas, com a repetição do baticum do martelo, agora parecem monótonas, dão vontade de as pular. A não ser que seja um livro raro, de gênio iluminado que não conheço ainda. Já li livros inteiros de poemas e ao final desabafei para mim mesmo. “Bastavam aqueles dois nas primeiras páginas”.

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O conto “O Ladrão de História”, o primeiro neste livro “Histórias roubadas”... bastava ele para dizer que o livro de Décio Torres é um bom livro.

Mandei uma cópia do Ladrão para meu médico (primo e confrade da academia). Que tivesse cuidado! Ele escreve contos (belos contos) contando casos como se ocorridos em sua clínica médica, a mais procurada da cidade. São de arrepiar. Claro que meu primo não usa os nomes reais dos pacientes, nem os locais verdadeiros onde moram. Acho que não. Mas as histórias contadas são tão verossímeis que não há quem me convença de que são fantasias. Se um dia, algum paciente (ou parente) pegar um dos seus livros (ele já publicou cinco) se assustará. “Meu segredo de confessionário está sendo espalhado aos quatro ventos?” Deus me livre que aconteça com meu primo o que aconteceu com Maurício.

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Não vou falar de todos os contos, são 22. Direi duas palavras sobre mais três, pois merecem muito. E é o que posso, porque o espaço de que disponho no jornal que me acolhe e o tempo que o presidente da academia de letras me libera para ler a resenha não aceitam mais uma linha.

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As tias abonadas, que moravam em Resende no estado do Rio de Janeiro, estavam certas. Que outro lugar havia onde gastar grana, senão as lojas de grandes marcas. Eu digo por mim. De tanto compulsar castelos e mosteiros, sorri quando o guia Rui Catalão parou a van, numa boca de noite, no Outlet de Lisboa. Mesmo sem um tostão para queimar, me encantei vendo tanta gente, como minhas tias Zulmira e Leopoldina, já idosas como eu, torrando cobre, conscientes de que caixão não tem bolso e herdeiro não manda rezar missa para defunto. E mais ainda me encantei porque, naquele paraíso de perdulários, só reconheci como gente do Brasil, minhas duas tias adotivas e eu. 

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Num bar lotado, agora à noite, todos solitários à caça de companhia. A solidão é perversa e não dá trela. Abutres humanos buscam carne, cada um de olho no outro. Martin, que aparentemente está no lugar errado, sente-se em um açougue e até se constrange com os lances que o leiloeiro coletivo e imaginário oferece para o arrematar. Confuso, pede a conta para ir embora, quiçá para outro bar. Ele é solitário noturno a vaguear por becos e bares a procura de um alívio para a decepção causada pelo amor de ontem. Haverá dor maior? Foi então que Leo, vindo do nada, pede para se sentar à sua mesa. Martin deixa-se ficar mais para entender o gesto do desconhecido. E entende que não pode escapar do destino, mesmo que amanhã volte a sofrer mais ainda.

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“A moreninha suburbana em Paquetá” é preciso e bom. Um passeio por cenários de filmes e livros que encantam a todos. Na Praça dos Tamoios, a vó Anita senta-se para ler um livro e manda os dois adolescentes, seu neto Sandro e a amiguinha dele, Aline, darem um passeio de bicicleta ali por perto.

Os meninos chegam à Praia dos Frades, descobrem uma faixa de areia deserta junto às pedras, resolvem dar um mergulho no mar. Ficam apenas de sunga e biquini. E brincam na água de tentar afogar um ao outro. E se beijam, tocam-se, se esfregam. Bruno sente o corpo estremecer, ejacula na sunga, junto as coxas de Aline. Depois, os dois se limpam na água, enxugam-se com as mãos, vestem-se, pedalam de volta à Praça dos Tamoios. De novo com a avó Anita, passam o resto do dia desfrutando a ilha, pegam a barca e retornam para casa.

Bruno e Aline não se encontram há mais de mês, mas se falam ao telefone quase todo dia. E Bruno toma o maior susto quando Aline, com voz preocupada, diz: “a menstruação não veio de novo, talvez eu esteja grávida”.

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Ao concluir a leitura do livro de Décio Torres, exclamei baixinho: “Que ladrão esperto!” Minha esposa, sempre atenta, ela tem ouvidos de tísico e se preocupa comigo, já à porta de meu gabinete de leitura, com as mãos nos quartos, quis saber: “Roubaram você, outra vez?”

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 02/04/2024)

 

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