quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

ARYCURANA, Constantino Souza

ARYCURANA, Constantino Souza, Unicamp, organizado pelo professor Moisés Santos Souza. Originalmente, o romance foi publicado no periódico Semana Ilustrada (1874-1875). Esta edição da Unicamp trata-se da primeira em 150 anos desde a publicação original em folhetins.

O jornalista José Afonso Nascimento postou no seu facebook em 18/02/2025: “Não é novidade nem exagero afirmar que Sergipe é terra de esquecimento. Entretanto, isso não é absoluto. Várias forças lutam quase sozinhas para jogar luz em pessoas e acontecimentos que foram apagados. É assim que surge Constantino José Gomes de Souza, médico, poeta, romancista e dramaturgo, nascido em Estância em 1825. ‘Constantino foi um escritor do romantismo brasileiro que conviveu e travou contatos com as mais destacadas figuras da época, como os romancistas Machado de Assis e Joaquim Manuel de Macedo, com o ator João Caetano e o tipógrafo Francisco de Paula Brito’, conta Moisés Santos Souza, professor da História da UFS em Lagarto, Sergipe, que tem trabalhado para recuperar Constantino e sua obra.”

 

Eu baixei o PDF da Internet.  Era para ler só um pouquinho, mas fui até o final. Romance da época, ufanista, indianista, dramático, lírico, nativista, previsível.  Na mesma linha de outros da época como José de Alencar (O Guarani, Iracema), seu contemporâneo. Muito bem escrito, ortografia atual, usa muitas palavras e expressões em Guarani, que são explicadas nos rodapés das páginas.  Narra a história de um amor impossível, tipo Romeu e Julieta (se bem que, aqui, o final é meio feliz, apesar da trajetória até mais sofrida). Neste, a filha do cacique Siriri chamada Arycurana, prometida (foi criada junto) para o primo, Jukeriorana, filho do cacique Seregipe (Serigy, acho), apaixona-se por Borapitinga, filho do cacique Muribeca,  desafeto dos dois primeiros. O cenário é  a vida no lugar atualmente chamado Sergipe nos idos de 1590, antes, durante e após  a conquista, pelos portugueses de Cristóvão de Barros. Todas as tribos, da etnia Tupinambá, viviam em estado contínuo de guerra (Eitha! povinho desunido).

Há colocações no romance que me causaram estranheza pois contradiz o que sempre li nos livros da escola:  

Que o motivo da invasão portuguesa foi apaziguar  os índios que se matavam em guerras contínuas.  Que Cristóvão de Barros era mais evangelizador do que conquistador militar. Que os índios sergipanos escolheram a guerra em vez de uma paz proposta. E que, mesmo assim, Cristóvão, estando aqui, relutou, negociou, adiou o ataque,  pois era admirador do povo nativo. E que o cacique Muribeca (pai de Borapitinga), que tinha sua taba sobre a opulenta Serra da Miaba (entre Itabaiana e Lagarto) era de caráter covarde, traiçoeiro e invejoso, entretinha com Seregipe e Siriri relações aparentemente amistosas; mas, na realidade, era ele o mais encarniçado inimigo de ambos pela inveja que lhes tinha.”

xxxx

Jukeriorana escapou do grande massacre (os índios perderam feio) e se escondeu com  guerreiros na Pedra Furada (caverna calcárea no povoado Machado no atual município de Laranjeiras com o comprimento de 2 km). Empreendeu visitas noturnas aos outros caciques  propondo aliança.  Entres estes,  Muribeca e seu filho, traidores do primeiro momento,  e com  Japaratuba, Pindaíba e Pacatuba, que, nesse meio tempo, já haviam se aliado aos portugueses. Por fim, consegue montar um exército razoável (não muito confiável, mostrou-se depois) e chega a São Cristóvão já fundada, mas não ataca. Manda um mensageiro com uma intimação  para que o governador embarque de imediato com os portugueses de volta para a Bahia. Mas o mensageiro, orientado pelos outros caciques traidores, informa as posições dos guerreiros de Jukeriorana. Os portugueses atacam, massacrando e prendendo os sobreviventes. Os caciques traidores haviam retirado seus índios para retaguarda bloqueando a fuga dos índios fiéis a Jukeriorana.  

xxx

O escritor cria um final  feliz para o casal romântico pelas mãos de Frei Gil. O missionário consegue converter Jukeriorana e Arycurana, e fazê-los se aceitarem como um casal (finalmente). O primeiro abriu mão  do orgulho tupinambá e Arycurana percebera há algum tempo  o equívoco da paixão pelo filho de Muribeca, um traidor como o pai.

À nação tupinambá de Sergipe, dizimada ou escravizada na Bahia, por culpa deles mesmo (na visão do livro)  restou aos que  chance de se preservar com a prole de grupos recolhidos a missões vulneráveis (essa história é conhecida) entre estes talvez estivesse o casal romântico do livro, se bem que o autor, sobre isso,  não deu nenhuma informação. 

xxx

Além deste romance que agora é ressuscitado, “Arycurana” já li “Ibidaradiô” (1990) de Gizelda Morais tratando do mesmo  momento em Sergipe. Nele habitam outros caciques, além de Serigy: Surubi, Indiaroba, Aperipê, Arauá, Baopeba... E outro perfil do conquistador Cristóvão de Barros bem caracterizado na carta de despedida que escreve ao seu substituto: “Continuarás a guerra justa até que o último desses comedores de gente  se curve a nosso mando ou seja exterminado.” O fatiamento de todo o território conquistado entre os soldados e congregações religiosas como se não tivesse dono, mostra o real objetivo do colonizador.  Este também é uma uma leitura obrigatória. 


(Por Antonio FJ Saracura, Aracaju, 2025fev27)

Notas:

*Obras do autor:

Dezena de dramas destacando-se “O Espectro da Floresta” (1856), “A filha

do salineiro”(1860), “O enjeitado” (1860) e os romances “O desengano” (1871), “A filha sem mãe” (1873), “O grumete” (1873/1874), “Arycurana” (1874/1875) e “O cego" (1877/1878).

xxx 

 *Baixe gratuitamente o livro na reportagem da Mangue Jornalismo em www.manguejornalismo.org (A Mangue não usa Inteligência Artificial nas reportagens. Colaborecom o jornalismo independente da Mangue. Doe. Pix é nosso e-mail: manguejornalismo@gmail.com.*)

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário