segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

VENCEDORES DO SERTÃO, a história escrita por Roseilde Francisca de Santana Santos

 

VENCEDORES DO SERTÃO, a história escrita por Roseilde Francisca de Santana Santos, HOJE Edições, 2021, 196 Páginas, 14 por 21 cm, Isbn 978-65-88008-02-7.

 


 

 

Roseilde Francisca de Santana Santos cuida do projeto Missão Sergipe, dentro da escola Senador Leite Neto, no povoado Várzea do Enxu, em São Miguel do Aleixo, Sergipe. E usa, no falar (e como isso me encanta!) o gostoso verbo “Ponhar”, de meu tempo de menino, que dona Zinha, minha professora do infantil, me ensinou a conjugar, e, depois, as escolas superiores quiseram arrancar de minha alma. Não conseguiram. Tá “ponhado” no meu imo ad aeternum

Ela trouxe uma caravana de alunos para a II Feira do Livro de Itabaiana (dias 04 a 06 de novembro de 2022) nos três dias. Eles se apresentaram no palco com as peças: Musical Diz, Coração Brasileiro e Deus não está morto; almoçaram, jantaram, lancharam, brilharam, ensinaram. E compraram livros com  os Vales Livros que receberam da organização do evento. 

E eu troquei livros com Roseilde. Dei-lhe  “O Menino Amarelo” e recebi “Vencedores do Sertão”... 

Sempre tento permutar livros com os escritores nas Feiras das quais participo.

Li as páginas de "Vencedores do Sertão" que são relembranças e respeitosamente corri rápido os olhos pelas páginas dedicadas à doutrina, que são o sustento do missionário. 

Há a mão de Deus mudando o mundo para melhor em cada canto. Há os escolhidos que dão a vida pela missão. O que seria dos pobres, sem comida e sem esperança, se não tivessem o amparo das mãos santas de Roseilde e as mãos  de milhões de abnegados: as mãos de Deus. E que força é esta que alimenta as mãos destes missionários frágeis;  humanos, como eu sou também?

Roseilde me contou, nos poucos minutos que estivemos juntos na Feira, coisas que jamais vou esquecer. 

“Eu precisava de 100 reais para dar lanche (melhor do que a farofa caseira que trazia) aos meninos que vinham comigo para a Feira do livro de Itabaiana. Mas eu não tinha um tostão no bolso. Além do transporte, não houve como conseguir mais aqui no lugar.

Então fui, mais uma vez, às redes sociais. Expliquei minha missão e pedi que três pessoas me dessem, cada uma, 30,00 reais. Talvez 90,00 fossem o suficiente. Então chegou a primeira doação: oitocentos reais. E a mão anônima bateu no meu ombro e falou: “Se precisar de mais, me avise”.

“Como Deus é bom! Quando as circunstâncias parecem contrárias, Ele trabalha em nosso favor” (página 148 de Vencedores do Sertão).

E a missionária prosseguiu: “Disse aos Grupos das Redes Sociais que não precisava mais de dinheiro. Em vez de lanche, os meninos puderam almoçar na praça da alimentação do shopping”.

E eu (agora sou eu, Saracura) fico comemorando este País e este povo, aos quais pertenço. E agradeço a Deus ter me feito parar uns minutos para conhecer a missionária Roseilde Santana, vinda de Limeira, São Paulo, que se bateu no sertão de Sergipe para comandar esses sertanejinhos inocentes e suas famílias carentes.

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A missão na Vargem do Enxu (e outros povoados do entorno) é mantida por uma célula da Igreja evangélica de Limeira, São Paulo, que se denomina “Missão Filadélfia”, e também atua no mundo todo.

O livro narra missão da autora em Angola (Luanda) na África, até que a Covid-19 a mandou de volta ao Aleixo. E a missão no  Ceará: Brejo Santo, São José do Belomonte e Porteiras... Em Jati, conheceu o menino que morava "logo ali...". O mundo fica pequeno quando se anda segurando na mão de Deus. E tudo fica pertinho, logo ali, mesmo que se tenha que caminhar horas e horas para chegar. Para este menino sem nome, o longe  era logo ali. O pertinho (de que falava) demorava demais para se chegar. 

O livro “Vencedores do Sertão” narra a epopeia da missionária Roseilde, desde a infância de migrantes sergipanos no sul ilusório.  Andou pelo caminho espinhoso de criança pobre, sem casa digna,  sem mesa e sem conforto. Em jovem, estudou pouco e com grande sacrifício. Buscou, incansável, uma vaga no mercado de trabalho. Aprendeu a arte de cabelereira e trabalhou por conta própria em casa. Foi microempresária e quebrou. Levantou-se e quebrou de novo. Casou, criou família, construiu seu mundinho de esperança, que se desmanchou com a perda do marido. Viveu discriminada nas rodas da religião e nas rodas sociais. Em forte depressão e quase acidentalmente, entrou em um templo evangélico e recebeu "o chamado". Outros recusariam, estava cansada de derrotas, mas Roseilde aceitou. Corria o ano de 2004. De católica fervorosa  que sempre foi, passou a evangélica ardorosa.  Desde 2010, (já são 13 anos), a missionária Roseilde provê dignidade aos poucos favorecidos do sertão de Sergipe.  

Já aqui, graduou-se em Serviço Social pela UNIT, em Itabaiana e fez especialização em Planejamento de Gerenciamento de Serviço Social. 

Ela sabe congregar forças que nem se tocavam que serviam para se congregar. Com  paciência, vem transformando a vida do povo da Várzea do Enxu, de Caiendas e de Malhada dos Negros para melhor. Também  de outros povoados do São Miguel do Aleixo, de Ribeirópolis  e de Nossa Senhora da Glória.  

Roseilde tem boas pernas para andar, teve uma motinha 88 quebradeira, tem Alex que sabe dirigir, que é seu companheiro de vida agora e fiel sacristão. Tem um carrinho de terceira mão e está querendo comprar um mais novo para chegar mais longe, logo e sem falta. Tem o reconhecimento do Poder Público, a gratidão do povo, a força de Deus à mão. 

Recomendo a leitura do livro da missionária Roseilde.

(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 22 de janeiro de 2023).

Contato com a autora: 

079 99998-0508 (wsap)

roseildesantana@hotmail.com  (email)

 

sábado, 7 de janeiro de 2023

MOEDA VENCIDA, Francisco J. C. Dantas

 

MOEDA VENCIDA, Francisco J. C. Dantas, Alfaguara, 2022, Rio de Janeiro, 1.edição, ISBN 978-85-5652-146-0.




Ler os livros de Francisco Dantas é como assistir a uma aula especial de Literatura. Dantas foi professor dessa arte a vida inteira na Universidade Federal de Sergipe e em outras no mundo, em todas é doutor e lenda.

Seus livros são ágeis, thrillers azougados assim como as aulas de História Econômica do professor Alberto de Carvalho, que tive a glória de as assistir no curso de Economia da UFS nos idos de antigamente. No meio do deserto de silêncios, só se ouvia a voz do professor itabaianense, criando mundos espetaculares habitados por infernais magos. Os gazeteiros inveterados davam um jeito de aparecer; as salas vizinhas corriam para as janelas da nossa sala, mas eu nem dava fé, só as percebia no aplauso que explodia quando a aula se acabava.

Infelizmente não pude assistir às aulas de Francisco Dantas na faculdade; aconteceram quando eu habitava outros mundos. Mas me sinto recompensado pois posso ler seus livros. Assisto à aula particular, com privilégios: sou o único aluno na sala, interrompo a leitura para apreciar melhor a paisagem e para entender mais bem a trama; retrocedo e recupero íntegro aquele lance que passou rápido demais; consulto o dicionário sempre solícito e as imagens assumem clareza inquestionável. Babo e choro de prazer. Cida, minha esposa caminhadeira, ao passar pela sala, me flagra enxugando com as costas das mãos meu rosto nu. E eu nem me constranjo, porque sei que ela espera a vez de gozar também.

Se “Moeda Vencida” se limitasse apenas ao poema/prosa que consta nas últimas 22 páginas (capítulo 19, 20 e 21) estava bom demais para mim. Aqui é a apoteose à convivência de homens calcinados pelas guerras sem fim, entre si, com os animais brutos e com o meio inóspito. Desfilam marcantes: o inconveniente tangido pela pinga e o fazendeiro mal demais; o conciliador Desidério e o velho Monteiro iludido; o vaqueiro Cipriano que advinha o que o patrão astucia...

Desidério ponteia poderoso, desde a lida com o milho, nas primeiras páginas e confabula em gestos silenciosos com o cavalo Suveni, que apareceu de uma cena de terror em páginas, bem antes, e permanece após o livro acabado...

Scadufax escuta o afago de Gandalf na tábua do pescoço (no caminho de Edoras) e entende: “Corra amigo e mostre-nos o significado da pressa" [1].

“Suveni, de rédeas moles, baixa a cabeça para cheirar onde anda o perigo, sonda e apalpa a lama da beirada com as patas dianteiras, até apontar o ponto mais seguro da passagem. Pressente os arredores cheios de vida... Apressa mais a andadura como se o coração palpitasse alegrado... Desobrigado, avança num bonito troca-pés, com os cascos chamegando na camada de areia solta, a esta hora de poeira apagada, devido ao sereno neste quebrar da madrugada... O cavaleiro se apura pra que o cavalo continue convencido de que é o dono do mundo. De que erra em benefício do próprio deleite. E ambos, nessa pisada, vão ganhando terreno pouco a pouco, até alcançarem o destino demarcado...”.

***

Você precisa fazer essa viagem. Estonteante! E muito mais há...

Há Sebastião que vem cuidar da vaca borboleta para que tenha uma morte digna, se não pelas beberagens que não mais carecem, pelas práticas paliativas que até os animais precisam ter. Tem o frade glutão que pesca as fontes das propriedades alheias, chafurdando a água, fazendo o gado sedento recuar com nojo. Tem a amizade entre Prego e o jegue Capitão, que tentou cruzar com uma égua no cio de Duarte Pirão e se deu mal... Tem o poder do mal dominando silencioso as vizinhanças, depilando passarinhos, matando cachorro na estrada e urubu no céu, aprontando presepadas de arrepiar, impondo servidões.

E há aquele Reitor ou vice cara-de-pau da Universidade Federal que premia seu melhor comandante com medalha de sabão, pijama, e palmadinhas nas costas. Também! O general demonstrava "recusa obstinada aos instrumentos digitais, à parafernália didática moderna, recomendada sob pretexto de aliviar a aprendizagem".  Quantos  mestres brilhantes foram, precipitadamente, estocados nas prateleiras acadêmicas?  Neste caso, quem ganhou foi a soltura das  Candeias e fomos nós, matriculados somente na  escola da vida.  

Para mim, um simples leitor de alma aberta, sem teorias ou preconceitos aos quais deva continência, este gostoso e ligeiro (apenas 191 páginas), “Moeda Vencida”, foi um dos grandes romances que tive o prazer de ler. E gostaria que você o lesse também. Nunca me conformei em comer sozinho um banquete assim fausto e supimpa. 

(Por Antônio FJ Saracura, em 07 de janeiro de 2023).

Nota: Lendo a dedicatória que o autor escreveu no livro que enviou à minha casa, “Ao grande Antônio Saracura, com um abraço, Francisco Dantas, em Lajes Velhas, 03 dez de 2022”, perguntei-lhe por que me chamou “grande”, se sou baixotinho. Respondeu-me: “chamo assim todos meus grandes amigos”. Então, na hora, já me senti grandão. 

 

Saiu outra resenha sobre o livro e me chegou pelas mãos do professor Reginaldo de Jesus. Não achei jeito de recuperar o word, apenas capturei a tela de meu celular com a página do jornal da  Cidade, que reproduzo a seguir (caso queira muito, você conseguirá ler. Eu consegui).


Conheça o oitavo livro do romancista sergipano, Francisco Dantas, pela visão do jornalista Márcio Santana Sobrinho, publicada no Jornal da Cidade, de Aracaju, em 11/04/2023.
Graças a Deus um grande jornalista de nossa terra se debruça sobre “Moeda Vencida” e, agora, certemente, você vai querer muito ler o livro.
O romancista é um dos maiores do Brasil de todos os tempos. Sem excluir qualquer outro. Nesse universo há infinitos tronos.




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[1] (O Senhor dos Anéis, de JR Tolkien).

domingo, 11 de dezembro de 2022

UM BATIM NAS MEMÓRIAS DE UM MENINO PROPRIAENSE

 UM BATIM NAS MEMÓRIAS DE UM MENINO PROPRIAENSE, José Alberto Amorim, 2. Edição, Performance (Arapiraca-Alagoas, 2021, 155 páginas, isbn 978-65-87637-85-3.

 


Fui à I Feira Literária de Propriá realizada nos dias 9 e 10 de novembro de 2022, quando nem acabara ainda a Feira do Livro de Itabaiana (dias 4, 5 e 6), estropiado pela luta que é organizar uma feira de livro de três dias. Fui porque me intimou Ronpelim (Ronaldo Pereira Lima), cronista admirável do beiradão, a participar de uma mesa de debates.

E lá chegando de carona com José Ginaldo de Jesus, que lançaria seu “Chistis” na comunidade católica (ele é líder nesse mundo santo), comecei a conhecer pessoas abnegadas, como os componentes do CCP (Centro Cultural de Propriá) que organizou a Feira no peito, destaque para o próprio Ronpelim e sua esposa Macléia, para o escritor Amorim,  para o empresário  Franklin, para Sérgio, entre outros.

O meu livro “O Menino Amarelo” foi adotado por visitantes da Feira e viajou (doei exemplares) a escolas que demonstraram interesse nele.

E com o escritor José Alberto Amorim, autor de “Um Batim nas Memórias de um Menino Propriaense” fiz permuta de "O Menino Amarelo", com o dele, procedimento que me agrada e sempre busco, porque meu livro se espalha e tenho a chance de conhecer novos autores.

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Acabei de ler o livro de Amorim, que é um batim (brincadeira de pular no rio provocando baticum, espanando água, sem registro no Aurélio) nas memórias de Propriá. Em cada caso contado, em cada tipo apresentado transparece a cidade meio rural e ribeirinha com sua cultura, suas manias, seus jeitos próprios de viver.

São 154 páginas enxutas, tratando inicialmente das pessoas próxima, dos amigos de infância (muitos perduram), entrando em tipos folclóricos, nos portentosos e nos doidos que em todo lugar há, nos artistas... E sempre o rio São Francisco deslizando manso no leito ou brabo invadindo espaços.

A ponte que fez um bem danado pois integrou o País fez muito mal ao lugar: deixou a cidade de lado, como se fosse agora apenas uma peça de decoração. Adeus os cinemas lotados, os clubes sociais festeiros, o comércio ativo, os mecanismos de conexão que geria.

As relembranças discorrem gostosas, dando vida ao lugar que se foi no passado, pela pena hábil do autor enquanto menino.

“Dona Querubina me mandava pegar uma lata de areia grossa na beira do rio. Peneirava e colocava a areia no fogo em uma panela de barro. Quando estava quente tinindo, jogara caroços de milho alho em cima, tapando-a com um texto. Todos ficávamos torcendo e esperando os papôcos dos caroços virando a saborosa pipoca, que algumas vezes era a principal refeição do dia”.

“Na padaria de seu Pedro Pinto, quem levasse uma mochila ganhava um pão de graça. E Tânia, muito esperta, se oferecia para comprar os pães de Dona Dalina e comia a vantagem na rua mesmo. Era sua paga”.

“Em abril de 1964, começaram as prisões de cidadãos que os militares suspeitavam serem comunistas. Na rua Capela morava o açougueiro e vereador Eronides Trindade (conhecido por Lila). De manhãzinha, Lila percebeu que sua casa estava cercada, soldados batiam na porta para o prender. Tentou fugir pelos fundos, também havia lá um soldado de plantão. Alcançou um galho da goiabeira do vizinho e, de comum acordo, subiu no muro e se escondeu lá em cima até não aguentar mais. Então desceu e tentou negociar com os soldados. O tenente exigiu, para não o prender, que ele assinasse documentos incriminando o prefeito, doutor Geraldo e o irmão deste, Deputado Cleto Maia. Lila se irritou: ‘Pois me levem pra rua e me fuzilem ou me prendam, não assinarei em falso testemunho, eles são homens de bem, só ajudaram os pobres”. Lila foi algemado e pegou cadeia por 62 dias”.

“A rua de Serapião é um dos mais tradicionais logradouros da cidade. Quase tudo acontece nela e por perto. E logo na esquina, morava seu João Lampião, o irmão mais novo do rei do cangaço. Quando a molecada debochava dele, a reação era ameaçar com espingarda. Quem defendia os meninos era a irmã Vilma, que morava com dona Francisquinha, a mãe de João, mais à frente”.

“Que risco corríamos para roubar frutas no farto pomar de seu Martinho Bravo. Quando estávamos no bem bom, ouvia-se o pipocar da espingarda soltando sal em pedras. Como escapar, no desespero, cinco meninos por um buraco onde só cabia um”.

 “Os melhores pastéis da rua de Serapião eram os de dona Djalva, que todos chamavam Vavinha. Massa fina, com recheio de saburica (camarão sossego), batatinha, arroz xerém, verduras e alguns segredos”.

“O Sapateiro José de Castro, homem de atitudes diretas, não admitia conversinhas fiadas, era o nosso ‘seu Lunga’”...

E por aí vai...

Uma riqueza imensa de memórias que faz do livro “O Batim nas memórias de um menino propriaense” rico, divertido, um documento de valor, que, no mínimo, será fonte de pesquisa para historiadores, como escrevia Luiz Antônio Barreto a revém dos livros de outro autor, Antônio Saracura, em artigo publicado no Jornal do Dia, de 20/05/2011.

Por Antônio FJ Saracura, em 2022dez11)

 














domingo, 4 de dezembro de 2022

CONVERSANDO COM AS GALINHAS, Irinéia Borges Carvalho

 

CONVERSANDO COM AS GALINHAS, Irinéia Borges Carvalho, 2021, Artner, Aracaju, 80 páginas, isbn 978-65-88562-45-1

 


Pascoal mandou-me um livrinho de 80 página que agora li e estou de boca aberta, “Conversando com as galinhas”. São contos bem escritos sobre quais darei uma noção para que você se interesse leia também.  

Conto primeiro:

Sento-me em um banco na praça do coreto, à sombra de um pé de Benjamim, gasto o resto de meus dias feliz (meu corpo alquebrado não dói, nem minha alma gasta ânsia), puxando conversa com os passantes apressados e também com as galinhas que aparecem.

Conto segundo:

Moro na casa de pensão de dona Ruth lá numa cidadezinha, quase vila, no interior de São Paulo. Vi quando ela hospedou um senhorzinho, chamado Leonel. Os hóspedes de dona Ruth eram viajantes que ficavam uma noite ou duas, mas este disse que ficaria um mês ou mais. Seu Leonel era um velho médico, sem ninguém, e buscava um bom lugar para morrer.  Quem adivinharia?

Conto terceiro: 

Eu  fui com Corine, de trem, de Pittsburg até Philadélfia, visitar a tia dela, Abgail, que a chamara com urgência. Corine reencontra o destino que perdera vinte anos atrás por conta de duas palavras mau entendidas...

Contos outros:  

Há no livro mais quatro contos/crônicas/textos pequenos (quiçá relembranças):

“Janelas abertas”, “Aprendendo bons modos”, “Meus amores reais”,  e “Colhendo palavras”. Todas têm a ver com o cotidiano, com a missão de ensinar, com o gosto pelos recantos sagrados nas almas, letras e  palavras. 

“Colhendo palavras” me tirou da sintonia que os contos iniciais criaram. São anotações na forma coloquial que me sacolejaram pra lá e pra cá, sem me levarem a lugar nenhum. Mais me pareceu matéria prima para subsidiar trabalho acadêmico a ser desenvolvido  sobre o uso das palavras em seus mil e tantos significados e nuances. Algo da vanguarda que me deixou perdido no meio do galinheiro.

(Por Antônio FJ Saracura, em 2022dez03).

 


sábado, 8 de outubro de 2022

A MANSÃO HOLLOW, Agatha Christie

 

A MANSÃO HOLLOW, Agatha Christie, Nova Fronteira, 2005, Rio de Janeiro

 


Comprei o book da Harper Collins (que também publica agora Agatha) e nele havia a “Mansão”... Então resolvi reler o livro, e não lembrei nada. Afinal, já lá se vão 40 anos que li todos (ou quase) Agatha Christie. Fui em frente porque precisava de um livro que me segurasse, me trouxesse de volta à terra: ando meio aéreo, dispersivo.

A “Mansão” investe muito em costumes, manias de ricos ingleses, etc. como os demais da autora. “David sacudiu o pescoço no colarinho e desejou ardentemente que todas aquelas pessoas soubessem o quanto ele as menosprezava”. Quanto ao mais, é uma aventura policial na qual Hercule Poirot, a exemplo de Maigret de George Simenon e de Sherlock Holmes de Conan Doyle (que acompanho desde adolescente), descobre o assassino usando a cuca: as pistas boas estão mais à vista do que parecem. E o detetive comum sempre perde tempo fuçando ermos. 

Trama bem narrada sem medo de se repetir quando é preciso. Agatha é rigorosa apesar dos tropeços do tradutor. “Entrou pela porta envidraçada, acendeu a lâmpada, fechou e trancou a porta. Depois, apagando a luz, saiu da sala. Encontrou o interruptor que acendeu a luz do hall, rapidamente subiu as escadas. Em um segundo interruptor, apagou a luz do hall. Parou por um instante junto à porta do quarto, a mão na maçaneta, depois girou-a e entrou...”

“Quando Edward entrou com o olhar cego...” “Lucy se expressa como num jogo de adivinhar palavras. O martelo pula de prego em prego e nunca deixa de atingir cada um deles no meio da cabeça...”

Mas aviso aqui que quem mata o doutor é a própria esposa. A imagem exposta de lerda, até exagerada, é puro teatro. Aquele galo que se faz de morto para “pegar” a urubua (urubu fêmea) que agoura o galinheiro.

Ou não? 

Talvez seja apenas uma pista evidente. E pistas assim sempre são relevadas pelos agentes comuns.

Ah! Continuo dispersivo.

Vou ler Moeda Vencida de Francisco J. C. Dantas, que acabei de receber. Certamente vou sair do ar, descer aos meus pagos.

Aracaju, 08 de outubro de 2022, por Antônio FJ Saracura

 


quinta-feira, 29 de setembro de 2022

CHUVA SUAVE, Zeza Vasconcelos

 

CHUVA SUAVE, Zeza Vasconcelos, Aracaju, Criação, romance, 2022, 110 p, isbn 978-85-3413-283-6




Uma novela / romance ou o que se quiser chamar a uma história bem contada, de 110 páginas, com trama e ingredientes óbvios, mas que segura o leitor e o emociona. Pelo menos me deixou com os olhos úmidos, não pude evitar.

Um singelo caso de amor com cenário nosso, no Pontal de Santa Luzia do Itanhi (achei que fosse), beira do mar, entre um rapaz nativo sem lastro, pescador e filho do faroleiro, e a filha adolescente do dono do lugar, que até coronel (Epitácio) é.

Os dois se reencontram vinte anos depois da separação truculenta promovida pelos pais da adolescente, que a levaram para lugares inacessíveis ao garoto apaixonado.

E nesse reencontro, os dois revivem o amor intenso que nunca se apagou. Por pouco tempo, entretanto. A morte anunciada (câncer terminal) a leva embora outra vez. Há uma filha da antiga paixão, que mora no estrangeiro, e não toma conhecimento desse pai revelado agora. Há o coronel que amansou e deixa como herança as terras do Pontal para o genro de última hora, que nem quis saber.

Na contracapa, o autor afirma que seu livro é uma história de amor escrita de forma simples e direta e que pode até parecer ingênua, no que concordamos. Mas garante (e eu creio, porque sou seu irmão em ambição):  “se emocionar um único leitor, me fará extremamente feliz e realizado”.

Então pode ficar feliz, Zeza Vasconcelos, pois eu me emocionei. E estou botando por escrito. 

(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 29 de setembro de 2022).

Post Escriptum:  Sou o maior chorão do mundo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A SAGA DE UM HEROI, William Soares

 

A SAGA DE UM HEROI, William Soares, 2021, edição particular

 


Eu já vira o autor em alguma reunião por ai (ele é da equipe de escritores médicos) e até passei os olhos em um livro de sua autoria, “A 16.Missão”, que me caiu às mãos, mas nem cheguei a ler, pois tratava de tema que outro livro, este de Cleiber Vieira. Achei que não deveria perder tempo com redundâncias. Talvez devesse.

William Soares esteve na reunião da Academia Sergipana de Letras ontem, dia 19 de setembro de 2022, se apresentando como o novo presidente da Academia Sergipana de Medicina, décimo a ocupar o cargo, e distribuiu dois novos livros de sua autoria. “A saga de um herói” e outro, apenas uma brochura, com seu discurso de posse na presidência na academia de que falei acima: “Um passeio de marinete".

O primeiro é uma homenagem ao médico Semmel weis, húngaro, que descobriu a causa da Praga dos Médicos ou Febre do Parto, que matava 16% das parturientes nos grandes hospitais. A cura seria apenas a mudança de um costume: os médicos teriam que lavar as mãos antes de cada parto.

Mas nenhum médico, nenhum cientista da área aprovou a mudança, nenhum chefe de hospital adotou o novo costume. Mesmo com argumentos irrefutáveis apresentados pelo doutor IFS Semmelweis: que as mulheres assistidas por parteiras práticas não morriam, que os médicos contagiavam as parturientes quanto passavam pelos necrotérios do hospital antes...

“Uma ideia nunca deve ser apresentada antes de sua hora e de seu tempo.”

Mas como esperar mais, diante da gravidade da situação?

Doutor IFS encontrou a cura antes do tempo certo. Seria? 

Então publicou artigos nos jornais, fez palestra em congressos, acusou os médicos de genocidas...

Perdeu o emprego, não achou outro digno. Publicou um livro sobre sua experiência médica e suas teorias, mas não foi bem aceito no meio. Rejeitado pelos colegas, indigna-se, isola-se, estressa-se. 

Logo é internado em um hospício. E morre dias depois. Envenenamento do sangue, a partir de lesão gangrenada na mão direita. Ferimento causado na luta contra os trogloditas que o internaram à força. Exames posteriores confirmaram que a morte foi causada pela mesma enfermidade que matava as mulheres paridas.

No tempo certo, 32 anos depois, Pasteur e outros cientistas convenceram ao mundo que os médicos deveriam mesmo lavar as mãos (depois vieram as luvas), como pregou o doutor Semmer Weis. 

Um bom livro tanto para mim, paciente expectador, quanto para os autores dessa tragédia que é a vida, os médicos.

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E o o outro livro, "Um passeio de marinete", é uma espetacular viagem, bem elaborada e bem humorada. Cheia de lúdicas lições. Sem medo de avançar, de enfrentar, de brigar, de subir ou descer... 

Willlian, é filho de Boquim, criado em Tobias, crescido em Aracaju, cidadão do mundo (atuou como médico na Europa e sul do Brasil), e estabelecido outra vez em Aracaju, onde atua no campo da oncologia.

O livrinho é um tocante poema, que poetas perdidos por aí precisavam ler para aprender a magia de dizer muito com quase nada de palavras. Sabe bem encantar com flores comuns que juntas formam um jardim surpreendente. 

O retorno aos pagos da infância que todos vivemos: correr pra casa antes que a luz apague, tomar banho na água fresca da fonte da mata, tremer ante a ordem de volte para casa "seus cabruncos"... O carro de boi gemendo, o trem Estrela do Norte apitando na estação de Boquim... O bordado da vida estudantil, a faculdade e São Paulo que é o destino certo para todos. A quarta  pátria que o espanta com a poesia concreta das esquinas e a beleza discreta das meninas. Apenas cinco dias perdido na garoa densa, bate-se com garota que lhe pergunta: “como vieste parar aqui, se os muros são altos e difíceis de escalar”? E, que nem Romeu, respondeu: “com as asas do amor... ".

Bem depois, quando desce da marinete em um meio dia canicular do verão sergipano, corre em busca da sombra solitária no meio da praça deserta pra não torrar. É a sombra de um pau Brasil, remanescente. Nativo que escapou dos machados dos colonizadores e dos herbicidas dos novos donos de tudo. Ancião, desconsolado, sozinho e indefeso.  Algumas vargens penduradas logo soltarão sementes no chão estéril de paralelepípedos. 

Será o fim da espécie nobre que deu o nome a esta terra inteira.

É selado, então, um pacto tácito entre a velha árvore à morte e o novo médico cheio de vida.

E William recolhe as vargens secas e sai em busca de um cantinho fértil para plantar as sementes, seja no chão do quintal de sua residência ou no coração receptivo de cada um de nós.

É tempo certo para recuperar o símbolo de nossa pátria. Já passou, mas ainda pode.  

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 22 de setembro de 2022).